Numa manhã de domingo, um dia em que a jovem pôde finalmente reservar suas energias para uma longa sessão de prantos dolorosos, o céu estava mais radiante do que nunca. Era meio de setembro, próximo à data que marcava os quatro anos de início de namoro entre ela e o canalha, e Antonella estava certa de que não abandonaria sua cama por nada; a menos, é claro, que algum problema urgente emergisse, como uma guerra nuclear, um furacão ou até mesmo sua mãe lhe pedindo para comprar ingredientes no mercado.

— Filha? — Dolores, uma senhora baixa de pele branca e cabelos escuros como o mogno, era a mulher que Antonella tinha a honra de tratar como mãe. Divorciada há dez anos, a cozinheira se livrara de um casamento abusivo que nada lhe acrescentou além de traumas. Pelo visto, o mau gosto para homens era genético. — Posso te pedir uma coisa?

A moça rolou pela cama, afastando uma mecha de cabelo negro de seus olhos profundamente azuis. Deixou que viesse ao seu campo de visão uma tatuagem de caveira, uma das muitas marcas que havia gravado na pele; esta, no entanto, ela fizera junto a Leandro. Seu único desejo era escalpelar a pele do braço até que estivesse em carne viva, somente para que não mais se lembrasse da influência que o músico tinha em sua vida.

— Pode. — Limpou uma lágrima com o indicador.

— Eu sei que você está amuadinha, mas é que eu... — Dolores esfregou o próprio braço, incerta de que tirar sua filha da cama naquelas condições seria uma boa ideia. — Eu estou fazendo aquela torta que você gosta, mas não tem farinha em casa. Você sabe que eu não tenho problema em dar um pulo no mercado a pé, mas já é quase meio dia e ele vai fechar...

A moça espiou o relógio com o canto do olho; faltavam quinze minutos para o meio dia. Embora Dolores fosse muito prestativa, ela não sabia dirigir; cabia a Antonella realizar este favor para sua mãe.

— Já estou indo. — A moça ajeitou as dobras da camiseta e tirou uma chave de carro da escrivaninha. — Volto em vinte minutos.

— Querida, não precisa ir se não quiser... — Dolores tentou ainda tirar aquele peso de sua mente, mas a verdade é que fazer um favor para uma pessoa que tanto a havia ajudado não era martírio algum.

— Está tudo bem. — No final das contas, talvez Antonella realmente estivesse precisando rever a luz do sol. — Logo eu volto com a sua farinha, mãe.

***

A imensa fila do caixa não era nada animadora para a ex-guitarrista.

Enquanto idosos confusos realizavam as volumosas compras do mês, Antonella batia vertiginosamente com os pés no chão de porcelana do mercado. Não escondia sua impaciência, torcendo para que alguns daqueles compradores fossem caridosos com ela e deixassem que a moça passasse à sua frente, mas nenhum deles pareceu se importar. Já era quase meio dia e dez e a jovem não suportava mais o calor estafante do local, mas, no final das contas, não podia exigir muito mais daquelas pessoas; afinal, eram clientes tão irritadiços quanto ela, que em nada eram responsáveis pelo fato de uma enorme rede de supermercados ter escolhido pôr um único caixa para operar ao fim do expediente em um domingo.

Enquanto estava absorta na sua ira, pensava menos em Leandro. Queria acreditar que, com o tempo, seria capaz de voltar a sair com outros rapazes e moças, mas quem ela queria enganar? Estivera com o músico por tanto tempo que desaprendera a flertar. E, no final das contas, será que havia alguém que verdadeiramente se interessaria por Antonella? Moças como ela não eram dignas do amor. Talvez o que restasse à garota fosse a eterna solteirice, e isso não era realmente ruim. Seu gato Bolota não lhe mandaria mensagens de madrugada para avisá-la que não havia espaço para si em sua vida.

Sk8er GirlWhere stories live. Discover now