Capítulo 3

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— O que você tem? — Marcus pergunta. Ele está ao meu lado há uns bons minutos enquanto corta batatas e só percebi seu modo de me olhar tem uns instantes.

O que eu tenho? Ah, eu sei o que tenho! "Uma leve anemia", foi assim que o médico descreveu despreocupadamente enquanto me passava algumas vitaminas que custaram meu rim.

Tudo bem, exagero meu. Mas não foram baratas. Custaram quase quatrocentos dólares dois medicamentos. E, se quer saber, não tenho sentido diferença até agora.

Hoje é o quinto dia em que estou tomando e tenho tentado me alimentar melhor. Mas ainda nada. Não sinto apetite feroz nem paladar nas comidas. Eu só como porque tenho que comer. Mas não sinto aquele prazer de hmmm, que delícia!

Não mais.

E não sei porquê. Eu adorava comer. Para mim, era uma das melhores coisas da vida – já que eu não tenho a minha vida sexual ativa. Todo mundo diz que sexo é vida, então acho que por isso que ando parecendo meio morta, e que é a melhor coisa do mundo, o que deve ser mesmo.

Eu adoraria saber, mas as minhas possibilidades estão meio fracassadas. Veja bem, como pretendo conhecer alguém se minha vida é estar na lanchonete? Tem o Marcus, mas ele é tão meu amigo que essa hipótese nem existe. E ele nem me nota desse jeito. O meu chefe, sem preconceito, mas não teria a coragem da Livia. Considero antiético, embora se, se mesmo, houvesse um relacionamento sério, eu fosse repensar.

Mas a questão é que meu círculo social está reduzido a nada desde de... Bom, muito tempo. Uns dez anos, talvez? E agora tenho essa anemia me assombrando. Porque se fosse só a fraqueza, tudo bem, umas comidas à força iam me segurar.

Porém, tem mais coisas. Essa droga me deixa com a vista turva, dupla ou meio cega. Não estou brincando. Fui atravessar a rua outro dia e ergui os braços, porque não estava vendo nada além da faixa de pedestres à minha frente, então precisava sinalizar. Claro que eu esperei não ouvir barulho de carros antes de fazer essa loucura.

E isso me atrapalha às vezes, porque os problemas maneiram vez ou outra e é sempre uma incógnita meu estado. Tem dias que estou só fraca e a vista ok; outros dias, a vista está faltando e estou forte. Está sendo angustiante porque eu preciso trabalhar. Estou sempre em movimento, indo de um lado para o outro e tenho que parecer "normal", que estou "bem".

Mas não está tudo tão bem assim interiormente. E só por quê? Por causa de comida. Que loucura.

Para piorar, está chegando o dia dos namorados. A lanchonete costuma ficar cheia de casais de todas as idades. Tem um casal velhinho que, nos dez anos em que estou aqui, eles sempre vêm tomar milkshake de chocolate no dia.

Ver tudo isso piora meu estado. Eu acho. Creio que está na hora de eu me mexer. Quero dizer, preciso ir atrás do que eu quero. E o que eu quero? Transar.

E falo sério, porque já me ausentei de mim mesma por muitos anos. E pra quê? Pelo meu pai, está certo. Mas agora ele está bem, e eu ganhei uma bela recompensa da vida por ser uma filha altruísta desde sempre.

Por que estou pensando nessas coisas? Porque Douglas Houston, como ele se apresentou hoje cedo para mim, veio aqui dizer que precisava falar com o meu chefe.

Como se não bastasse aquilo de me passar um sermão ontem em consequência do meu episódio inusitado em sua frente, ele também pensou que poderia vir conversar com Paul sobre liderar funcionários.

Foi isso que ouvi por trás da porta do escritório do meu chefe quando tentei espiar o que acontecia. Mas tive que sair depressa com medo de ser pega.

E ok, não faz sentido nenhum. Por que aquele homem se apresentaria para mim? Motivo nenhum. Por que ele achou que poderia dizer ao meu chefe sobre liderar funcionários? Impensável. E, o principal, por que ele considerou que pedir o meu número de telefone fosse uma boa coisa?

Vendaval de Areia #4 (NA AMAZON)Where stories live. Discover now