PRÓLOGO

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Eu me odeio. É no que estou pensando quando meu guarda-chuva engancha no de outra pedestre. Está chovendo, deve passar pouco das sete horas da manhã, todo mundo tem que trabalhar e também todo mundo está de guarda-chuva na rua.

Um lindo dia.

Dou um resmungo, desviando de algumas pessoas que consigo, apressando os passos para conseguir chegar ao ponto de ônibus.

Não está cheio, para o meu alívio, mas, para a minha decepção, meus cabelos se molharam. Está bem, quem se importa que me levantei às cinco da manhã para alisá-los, não é mesmo?

Eu me importo. E também o dono do lugar onde trabalho como garçonete. Ele exige boa aparência, o que não posso confrontá-lo. O ambiente costuma ser o espelho do dono, logo, os funcionários têm de estar bem apresentáveis.

— Ei — alguém me cutuca no ombro e eu me viro levando o guarda chuva junto, o que faz o alguém se esquivar.

— Desculpe — imediatamente digo por antecipação, ajeitando o objeto para que eu possa ver quem é.

É um homem. Alto e bem arrumado com uma roupa de primeira. Olhos atentos e penetrantes. As mãos enfiadas nos bolsos do sobretudo cinza. Ele tem lábios carnudos e estão unidos enquanto me observa. Esse homem é importante.

Diante dessa conclusão, surge a questão de: por que ele está em um ponto de ônibus e não em uma Ferrari?

— Você me molhou com o seu guarda-chuva — ele diz, apontando um lado do rosto e do pescoço, isso não o fazendo se atrapalhar com seu próprio guarda-chuva. — Devia prestar mais atenção enquanto estiver com esse apetrecho em mãos.

— Desculpe — eu repito. Porque não posso fazer mais nada além de me desculpar. Às vezes tenho vergonha de mim mesma por ser atrapalhada e, por momentos, desajeitada desse jeito. Não é proposital, só tem vezes que não consigo fazer as coisas de maneira correta. — Eu vou tomar cuidado.

E já me afasto ao terminar de dizer, dando três passos ao lado, ouvindo o resmungar de uma mulher.

— Quer me cegar? — ela pergunta ríspida e não me viro para olhar, só solto um "desculpa" e me arrumo um cantinho para ficar em paz com o meu guarda-chuva.

Eu odeio ser pobre, penso sozinha. Se eu fosse rica, não precisaria me sujeitar a isso de ficar em um ponto de ônibus lotado às sete da manhã, atingindo as pessoas com um guarda-chuva que eu não sei manusear direito.

Mas sou pobre. Fui colocada no saco escrotal de um homem pobre, o que me fez também vir de uma família pobre. Nem posso dizer que pelo menos tenho saúde, porque recentemente descobri que tenho anemia por conta da minha péssima alimentação.

E por que me alimento mal? Por ser pobre? Não, não tem a ver. Eu moro com o meu pai, ele trabalha bastante também e nós dois sempre mantemos os armários e geladeira abastecidos. Então, se me alimento mal, é por descuido próprio.

Falando no meu pai, é preciso ressaltar que tenho muita dó dele. Minha mãe o trocou por seu melhor amigo na minha festa de aniversario de 12 anos. Pois é, eu não sei que tipo de melhor amigo era esse. O cara veio à minha festa só para que ele e minha mãe pudessem dizer que estavam apaixonados.

A situação deixou o meu pai muito triste e desesperançoso. Até hoje, eu só o vejo trabalhar sem medidas e, nas folgas, ele fica em frente a TV assistindo canais aleatórios. Nem é capaz de ter um programa favorito. Acho que seus sentimentos foram destruídos mesmo.

Mas ele não se tornou um péssimo pai por isso. Ao contrário, é muito preocupado e amoroso. No mínimo, depois de ter presenciado o que ele viveu, me cabia ser uma boa filha. Obediente sempre que ele me dissesse que algo não era bom.

Deve ter sido por isso que cheguei aqui, aos 24 anos, sem nunca ter tido algum contato com homens. Meu pai ficou bem paranoico na minha fase de adolescente, quando fui pedir dinheiro para comprar meu primeiro absorvente. Mas acho que se acalmou quando percebeu que eu não daria dor de cabeça porque eu o obedecia, e obedeço, sempre.

Se brincar, não sei como é não obedecer.

Aos 15 anos, comecei a trabalhar na lanchonete e é onde tenho estado vendendo o meu tempo, desde então. Não consegui pontos para ingressar em uma faculdade porque não sou a mais inteligente e empolgada com estudos, então só me restou o trabalho braçal mesmo.

Mas não acho que tenho uma vida entediante ou monótona. Eu tenho meus colegas de trabalho, o meu pai e... Eu ia dizer que tenho minha gata, a Dragoa, mas isso me faria pensar que sou a solteira dos gatos, então deixa quieto. Mas eu tenho sim uma gata que se chama Dragoa e ela costuma me responder quando conversamos.

Tudo bem, isso ficou muito 70 anos.

Desisto de pensar e coloco o guarda-chuva no ombro, minha vista sendo atraída para o início do ponto de ônibus, onde noto que o homem importante (que não tem uma Ferrari) ainda não saiu.

Não saiu e, ao contrário disso, está conversando com uma mulher loira de cabelos longos lisos que, pela maneira que se veste, também parece como ele: importante.

Descanso em uma perna, soltando um suspiro abafado. Queria saber como é ser bonita e rica e ter facilidade com homens.

Eu não tenho nem coragem, muito menos jeito e, acho que primordial, beleza. Eu não vou me colocar para baixo e dizer que me acho a mais feia. Se eu me arrumar e pegar uns tutoriais na internet de maquiagem, até que consigo ficar bonitinha. Mas nunca fui atraente a ponto de alguém se interessar.

Meus cabelos tem muito frizz, apesar de eu ter comprado uns produtos caros para usar e até tentado as misturas caseiras das blogueiras; meu rosto é muito alongado, o que já me fez ganhar o apelido de cara de cavalo; meus lábios são muito grossos, o que também me fez ganhar o apelido de boquita, o que mais tarde entendi a intenção; e meu corpo não é o mais bonito também, sem peitos e quadris largos, mas pernas longas e finas.

Desvio o olhar do bonito casal, me sentindo desgostosa. Eu queria um namorado, às vezes. Parece ser bom namorar, ter um cara ali sempre que puder. Mas...

Rio sozinha. Sem chance.

Meu ônibus chega e esbarro o guarda-chuva em algumas pessoas até alcançar as portas. Me atrapalho e quase caio tentando fechá-lo quando já dentro do ônibus.

Em suma, o ponto é: eu odeio ser pobre.






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Opaa

Tô nesse time tb, Esther 😂

Chegou a vez do não tão amado Douglas 🤭

Vamo nóixx

Ansiosa por esses dois!

Boa noite, meus amores! 🧡

Vendaval de Areia #4 (NA AMAZON)Donde viven las historias. Descúbrelo ahora