Capítulo três - Situação embaraçosa

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— Vou erguer meu braço bom e você me ajuda a tirar a camisa. — explicou a tática mais fácil para ele. Balancei a cabeça.

Ainda receosa e quase prendendo a respiração, me aproximei dele.

Hunter levantou o braço tatuado o dobrando um pouco para que eu conseguisse passar seu cotovelo pela abertura da manga. Meu corpo estava quase colado ao dele, sua respiração um pouco mais profunda. Depois de tirar um braço, era a vez da cabeça, ele levantou um pouquinho o ombro esquerdo o suficiente para retirar totalmente a camiseta de seu corpo, soltando um suspiro pesado.

Tentei não olhar diretamente para seu peito repleto de músculos muito bem definidos, mas foi difícil, passei os olhos rapidamente, o que já foi o suficiente para deixar sua impressão digital em meu cérebro. Vou ter sonhos com essa visão.

— Obrigado, Blair! — agradeceu, fazendo meu olhar desviar de seu abdômen sarado subindo para seus olhos. Hunter me presenteou com mais um sorrisinho sacana, olhando para mim como se conseguisse ler cada um dos meus pensamentos sobre sua estrutura física extremamente desconcertante. A pele dele era sedosa e lisa, ombros largos, abdômen definido com veias mais salientes adentrando o cós da sua calça. Engoli em seco.

Ele se aproximou um pouco mais, e seu cheiro de sândalo inundou meus pulmões, inebriante, apaziguador e desestabilizador, cheiro de perigo e desejo.

Hunter não tocou em mim, não fez absolutamente nada, apenas olhou para meu rosto com aqueles olhos azuis.

— Pode abrir o botão da minha calça? — ele questionou, respirando quase o mesmo ar que eu. Ele estava com a cabeça baixa, lendo meu olhar enquanto tentava ler o dele. — Prometo que o resto eu consigo fazer sozinho.

Engoli a seco, apertando os lábios. Balancei a cabeça concordando. Levei minhas mãos até o único botão da sua calça jeans, obrigando meus olhos a olhar para baixo enquanto fazia isso. Toquei levemente sem querer em sua pele quente no momento em que consegui desabotoar.

Meu celular tocou no instante certo, escutei seu som vindo da cozinha onde o tinha deixado. Saí quase correndo do quarto, não fazia nenhum sentido. Eu não costumava agir dessa forma, mas ninguém nunca me olhou do jeito que ele acabara de olhar para mim. Senti meus músculos rígidos e minha boca seca, parece que mastiguei serragem. Ele era um completo desconhecido, e definitivamente deveria manter nossa relação na amizade, eu não precisava de um interesse amoroso, quando mal acabei de sair de um.

E também, minha cabeça deveria focar apenas na faculdade, eu me esforcei muito para entrar em Yale, não poderia decepcionar meus avós, mesmo com toda sua indiferença, eu ainda os traria orgulho, talvez assim fosse merecedora de ser amada por eles.

Peguei meu celular do balcão antes que parasse de tocar.

"Vovó" surgiu na tela do aparelho, não tinha certeza se queria falar com ela no momento, foi uma tarde agitada, mas tinha certeza que ela não desistiria até que eu atendesse suas ligações. Ela queria ter me trazido para New Haven, mas optei por meu pai fazer isso. Não contei a verdade para ela, minha avó pensava que eu estava em um dormitório no campus, e causaria um caos desnecessário ao saber que escolhi dividir apartamento com Matthew em vez de compartilhar um quarto com uma desconhecida no dormitório.

Precisava sustentar minha mentira até o fim do meu curso, durante quatro anos, com certeza não seria uma tarefa fácil, mas não estava afim de lidar com as broncas da minha avó. Queria experiências novas, viver uma vida diferente, sem ter o domínio dela em todas as escolhas da minha vida.

Clico no botão verde para atender sua ligação, colocando o celular no ouvido.

— Por que não atendeu minhas ligações, mandei mensagens também, Blair — sua voz autoritária ressoava pelo outro lado da linha. Assim que sentei em um dos bancos de madeira que se encaixavam na bancada, Hunter saiu do quarto cruzando o corredor em direção ao banheiro, fechando a porta em uma batida leve. A imagem dele sem camisa ainda persistia em meu pensamento.

— Estava ocupada! — respondi sem muitas explicações, tinha medo de me explicar demais e as coisas parecerem suspeitas. E de certa forma, eu realmente estava ocupada, em menos de cinco horas, bati em um garoto, destruí seus sonhos e tive que ajudá-lo a tirar as próprias roupas, acho que nenhuma avó ficaria contente com uma história dessas.

— Como é sua colega de quarto? — perguntou ela, não porque se importava comigo, mas porque queria ter certeza que eu faria as amizades certas e não jogaria o sobrenome da família na lama. Ela teria um grande surto se soubesse que minha nova "colega" de quarto era na verdade o garoto pelo qual ela não nutria sentimentos positivos.

Matthew nunca foi a pessoa favorita da minha avó, apesar dos pais influentes, ricos e amigos da família, três fatores que sempre a agradaram. Matt era um garoto rebelde que nunca seguiu as regras, e isso jamais fez ela soltar fogos de felicidade. Embora eu invejasse Matthew, não por ser inconsequente, mas por seguir suas próprias convicções.

— Ela parece legal, vovó — minha voz saiu mais convincente do que imaginava, já que de todo modo, Matt era uma das pessoas mais maravilhosas que tive o prazer de conhecer.

Escutei um suspiro longo do outro lado da linha.

— Você sabe que detesto quando me chama de vovó! — reclamou ela em um tom repreendedor. — Você não tem mais dez anos, Blair.

Sempre acabava esquecendo de seu pedido, toda avó deveria gostar de ser chamada assim, mas a minha no máximo tolerava ser chamada de "vó" mas nunca de "vovó", alegando que eu já era crescida demais para chamá-la dessa forma. O mais hipócrita era que ela me considerava adulta apenas para situações de seu interesse, mas quando eu queria fazer minhas próprias escolhas eu era considerada nova demais.

— Desculpa, vó. — corrigi me desculpando.

Será que algum dia ela vai conseguir me elogiar por algum acerto? ou vai sempre julgar todas as minhas escolhas como erradas?

Tentei não pensar muito nisso, mas às vezes tudo que eu queria era que ela sentisse orgulho por ser minha avó, por eu ser filha da única filha dela. Eu sei que ela perdeu a minha mãe, mas tem vezes que sinto como se ela não entendesse que também a perdi naquele dia.

Todos nós perdemos ela.

— Preciso desligar — ela murmurou — Tenho um compromisso, ligo para você na semana que vem — a melhor parte de mentir para ela, era que ela não se importava comigo ao ponto de ligar todos os dias.

— Tudo bem. Amo vo... — ela desligou antes que eu pudesse completar a frase, um nó se formou em minha garganta, meus olhos arderam, engoli a saliva tentando recuperar minha postura indiferente a essa situação. Deveria estar acostumada. A mentira mais convincente que existiam eram as que contamos para nós mesmos, eu tentava me convencer todos os dias que era feliz, quando na verdade estava destruída por dentro.

Virei meu corpo ao ouvir o barulho das chaves na porta da frente, o relógio do meu celular marcava sete e meia, levantei do banco ficando encostada na bancada até ver a sombra de meu melhor amigo entrando no apartamento.

Matthew entrou fechando a porta, as tatuagens serpenteando seus braços sendo engolidas por uma camiseta preta do Imagine Dragons, ele tinha dito que estava deixando o cabelo crescer, metade dele permanecia amarrado enquanto alguns fios cobriam sua nuca. Matt não me viu imediatamente, tentava largar a chave na mesa ao lado da porta, mas carregava muitas coisas nas mãos, duas caixas de pizza, uma mochila e o celular. Fui até ele sem fazer muito barulho, dando um susto nele quando gritei seu nome.

Ele deu um salto levando a mão ao peito, nossa como era bom ver ele. A última vez que nos vimos foi na minha festa de formatura a três meses atrás.

— Garota, você quase me mata — sussurrou, recuperando-se do pequeno susto.

— Uma pequena vingança pelo Hunter. — respondi. Matt sorriu jogando tudo que segurava no chão para poder me abraçar. Ele estava cheirando a suor e óleo de carro, mas não me importei, porque precisava daquele abraço especialmente depois da conversa com minha avó.

— Estava com saudades — agarrei ainda mais sua camisa ao ouvir suas palavras.

— Eu também.  


*Nota autora: Estão gostando da história? Espero que sim, agradeço pelo apoio de cada um que tem lido! Obrigada.

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