9. Me apaixonei pela mulher errada

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A bela continuava teclando até que se deu conta da existência do sofá, mais do que de minha presença, pediu licença e sentou-se ao meu lado. O vestido justo subiu deixando à mostra coxas perfeitas. Continuava teclando e achei melhor tirar os olhos das suas pernas e focar no seu celular, já procurando assunto. Vi que ela buscava um taxi, aparentemente sem sucesso. Era a deixa que eu precisava. Pedi desculpas pela intromissão, perguntei se ela estava tendo dificuldade para encontrar um carro, bla bla bla, mais bla bla bla e a pergunta final e mais importante, para onde estava indo. Tirou os olhos da tela e me olhou, pela primeira vez constatando estar um ser humano ao seu lado, e não um pacote, um jarro de plantas ou um poodle, e sorriu um sorriso largo e perfeito como suas pernas. Meu celular acusou a chegada do carro.

- Para onde? - insisti com urgência.

- Itaim - ela respondeu.

- Quer carona? Meu carro chegou, te deixo lá.

O sorriso se alargou acompanhando um "obrigadíssima", nos levantamos e só voltamos a conversar já no carro. Passei o novo itinerário para o motorista, ouvi outro "obrigadíssima", com ainda mais ênfase pois, para deixá-la em casa, meu novo trajeto passara de uma quase reta para um semi-retângulo bem torto.

A bela valia a volta, teria gostado de deixá-la em Alfaville que eu conhecia de nome pelos comentários de um colega do escritório que reclamava do tempo que perdia de casa para o trabalho e do trabalho para casa.

Meu semi-retângulo torto rendeu uma boa conversa. Ana era paulista, seus pais eram do interior do estado, morava com uma amiga, tinha saído sozinha da festa pois seu acompanhante encontrara uma ex-colega de turma e tinha preferido enturmar com ela, não era a primeira vez que isso acontecia, mas... "o que fazer, é a vida..."

- Sujeito doido! - falei, e Ana deu a primeira de suas muitas gargalhadas que vieram depois, sua marca registrada, e que me faziam tão bem.

Itaim não é Alfaville, a viagem foi demasiadamente curta, mas longa o suficiente para que trocássemos telefones, e para que eu começasse a gostar de São Paulo.

***

As eleições se aproximavam, o tempo livre era cada vez mais escasso e, a contragosto, tive que adiar mais de uma vez um novo encontro com Ana. Nós nos falávamos por telefone em longas conversas, e eu gostava da sua voz.

Encaixamos um jantar corrido, já que ela tinha um compromisso depois.

Ana surgiu vestindo uma saia justa, salto alto, os cabelos soltos, ainda mais linda do que na noite da festa. A conversa fluiu e parecia que eu a conhecia há anos. Marcamos novo encontro, mas tive que furar. Consegui marcar um café da manhã perto do escritório, com uma Ana de jeans e camiseta, cada vez mais linda. Nos escrevíamos diariamente, várias vezes ao dia, e as mensagens eram cada vez mais próximas e íntimas. Quando finalmente conseguimos um tempo para um jantar relaxado, eu sabia que teria Ana para mim. E fizemos amor em meu apartamento, abstraindo a bagunça e as caixas, um amor delicioso, em total entrega, várias vezes, a noite toda. Acordei no dia seguinte com a luz do sol entrando pela janela, que eu esquecera de fechar, ao lado de uma deusa de corpo perfeito que me custou acreditar que estivesse ali.

***

Chegaram os dias em que eu mal parava no escritório, me deslocando de um lado para outro acompanhando meu candidato para onde quer que ele fosse.

Ana representava uma marca de acessórios e, como tinha horários flexíveis, passei a levá-la comigo, sempre que possível, em minhas viagens de trabalho. De dia eu trabalhava e à noite fazíamos amor. Apresentei-a aos colegas de equipe e sorvi com deleite a inveja mal disfarçada que sentiam de mim. De uma hora para outra passei a ser reconhecido, não exclusivamente pela qualidade do meu trabalho, que era inegavelmente bom, mas também por ser o cara de sucesso que namorava a beldade loura de corpo escultural. Alimentava essa inveja, aprovava seus vestidos justos e curtos e os decotes sensuais, e a risada de Ana encantava a todos, e a mim, mais ainda. A cada risada eu era invejado, e adorava isso.

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