Coloco a mão no peito esquerdo esfregando na altura do coração, sentindo uma angústia. Eu odeio me lembrar dele, do que ele fez comigo e do que ele tentou fazer. Eu simplesmente só queria esquecer tudo isso. Porque não tem a porra de um dia em que eu deite nessa cama e não me lembre da merda que eu vivi, isso vai me assombrar pro resto da vida. Não sei se consigo suportar.

Levanto da cama puxando o ar com calma, tentando regular minha respiração ofegante e o tremor do meu corpo. Jesus, eu tô sentindo meu corpo inteiro tremer de medo com essa maldita lembrança que veio em forma de sonho.. tão real.

Saio do quarto e caminho devagar até a cozinha, de imediato encho um copo da água e tomo rapidamente. Então encho outro e me viro, encostando as costas no balcão da pia. Por um momento me esqueço do Brown, e me lembro de ter deixado o Pedaço com o Jorge, ele tava tentando fazer nosso filho dormir.. Balanço minha cabeça e levo o copo até a boca, vendo ele tremer junto da minha mão e balançar a água. Tomo um gole da água e olho para a entrada do corredor quase escondida, ouvindo passos.

O Brown está morto. Repeti para minha mente enquanto ouço os passos, caralho eu nunca fiquei tão assustada nesse tempo todo. Essa lembrança me desencadeou tanta coisa ruim..

Pedaço: Carmem? - Soltei o ar, aliviada. Ele surgiu no meu campo de visão.

Olhei para ele e vi as sobrancelhas franzidas, uma expressão de preocupação. Ele deu alguns passos entrando na cozinha, me olhou curioso e sério.

Pedaço: Por que tu tá chorando? - Perguntou sério, se aproximando. - Alguém mexeu contigo? Hum?

Carmem: O que? - Perguntei confusa.

Passei os dedos pelo meu rosto e só então notei as lágrimas. Como caralhos eu chorei e não vi? Passei a mão nas partes molhadas secando, ainda confusa. O Pedaço se aproximou e parou na minha frente.

Pedaço: O que? - Repetiu afinando a voz. - Porra. Quem mexeu contigo? Fala pra mim, pô, porque se eu descobrir sozinho eu mato.

Ergui a minha cabeça e neguei, olhei para o rosto dele e por um momento agradeci. Poderia ser o Brown agora.


Pedaço: Você tava chorando. Alguma parada rolou. - Insistiu se aproximando mais e mais. - Estrelinha..

Carmem: Não foi nada. Ninguém mexeu comigo. - Avisei e ele pareceu se aliviar, mas ainda assim se aproximou.

Observei ele chegar mais perto e me encurralar. Os braços a minha volta com as mãos na borda da pia, suspirei balançando a cabeça e ele sorriu de leve. Bom, pelo jeito ele conseguiu manter o Jorge calmo e dormindo, e fez isso sozinho.

Pedaço: Nada? Tu tá chorando e tremendo. Se eu pedir pra ver sua mão, sei que vou achar marcas nela. Coé, Carmem, tu mal notou o choro.. - Inclinou a cabeça me olhando nos olhos. - O que aconteceu, pô?

Abaixei minha cabeça encarando o pequeno espaço entre a gente, cinco centímetros ou até mesmo menos que isso.. Inclinei a cabeça para frente e encostei a testa no peito dele, fechando os olhos e pensando um pouquinho. Tá tudo bem, o Brown está morto.

Carmem: Eu sonhei com ele. Me lembrei.. - Falei baixo sentindo o peito dele subir e descer com a respiração. - Ele vai me assombrar pra sempre, isso nunca vai realmente acabar sabia? Porque eu tenho tudo guardado aqui dentro. - Balanço minha cabeça. - Tudo e todos os anos do lado dele, tudo gravado bem aqui.. Pra sempre.

Pedaço: Porra, nem morto esse pau no cu te deixa em paz. - Resmungou um pouco bolado, soltei uma risada baixa e respirei fundo sentindo o coração dele bater. - Tu quer que eu vá caçar ele no inferno? Pô, eu vou.

Carmem: Não, você só tem passagem de ida e hospitalidade gratuita. - Ele riu e passou um dos braços em volta das minhas costas. Acariciando com as pontas dos dedos a região.

Pedaço: É, pô, verdade. Tu devia ir deitar de novo e tentar dormir, tá tarde. - Avisou e eu suspirei me afastando um pouco dele. Esfreguei as mãos nos meus olhos e concordei. - Quer que eu coloque o Jorge contigo? Pra tu não ficar sozinha..

Mordi minha bochecha por dentro, olhando para ele e pensando um pouquinho.. Eu tô sentindo falta da presença dele e de tudo, muita falta e queria que ele ficasse aqui pelo menos essa noite. Comigo. Só que eu quem acabou com tudo e não sei se tenho o direito de pedir isso pra ele, e isso pode acabar deixando tudo mais confuso.

Carmem: Não, tá tudo bem. - Sorri fraco e ele me olhou balançando a cabeça, tirando os braços em volta de mim. Soltei uma risada curiosa e aí ele me lançou um olhar curioso. - Quer ficar? Hoje..

Pedaço: Essa noite? - Concordei e ele olhou pro relógio. - Porra, Estrelinha, o que tu não me pede que eu não faço? Mas tu não vai me deixar no sofá né não, pô?

Carmem: Não. Eu.. é o convite foi pra dormir comigo.. - Ele sorriu debochando e eu ri. - Não faz essa cara, idiota.

Pedaço: Eu e tu? Dormindo? Na merma cama? - Cruzou os braços e eu revirei os olhos. - Pode dar certo, pô, vamos tentar.

Passei o olhar pelo braço dele e vi um pedaço de plástico brilhando, saindo por baixo da manga curta da camisa preta. Pisquei curiosa e aí olhei pra ele, se virando pra sair em direção ao corredor dos quartos.

Carmem: Tu fez uma tatuagem nova? - Ele não me respondeu mas ouvi a pequena risada. - Eu quero ver. O que é?

Ele ainda assim não me respondeu. Segui ele pela casa até o quarto, ele segurou a porta aberta e depois que entrei, ele fechou. Segui diretamente até a cama e subi nela, sentando no colchão e puxando a manta. Parei e olhei para ele erguendo minha cabeça, ele tirou o tênis e as meias, e aí tirou a polo preta por cima da cabeça e colocou no canto do quarto.

Estreitei os olhos curiosa, tentando enxergar o desenho da tatuagem na parte de cima do braço, quase na altura no ombro direito.

Pedaço: É uma cruz. - Falou e eu concordei mesmo não conseguindo identificar de longe. - Já deixo tu ver.

Carmem: Eu quero fazer uma tatuagem. - Ele parou de andar e me olhou, franzindo a testa. - O que foi?

Pedaço: Como assim? Tu quer fazer uma tatuagem? - Concordei e ele deu risada subindo na cama. - Sei não, não combina contigo.. mas se tu for fazer eu pago. Presente pra tu de aniversário.

Carmem: Tudo combina comigo, eu sou linda. De qualquer forma eu quero fazer algo pequeno, que não apareça muito, bem discreto. - Deitei observando a tatuagem nova no braço dele, uma cruz igual a aquela de Racionais. - Traço bonito. Quem fez?

Pedaço: Onde tu tá querendo fazer essa tatuagem? - Perguntou mais sério e eu ri. - Carmem, Carmem.. Essa eu fiz com o Vargas, fui na sorte e ele deu o nome pô.

Carmem: O Vargas? Meu segurança? - Ele fez que sim. - Em que momento da nossa vida ele virou tatuador?

Ele balançou os ombros e deitou do meu lado fazendo silêncio. Ergui o braço até o interruptor e bati os dedos nele, a luz apagou. Me ajeitei virando de lado, de costas para ele e ele de costas para mim. Me encolhi um pouco e fechei os olhos, ouvindo nada mais que as nossas respirações.

A cama balançou e ele se mexeu, senti uma mão na minha cabeça e outra passando por baixo de mim. Ele me puxou e grudou em mim. Minha cabeça encostou no ombro dele, meu corpo contra o dele e um braço em volta de mim, me apertando. Senti a respiração quente na minha nuca e relaxei um pouco mais.

Pedaço: Boa noite, Estrelinha.

Carmem: Boa noite, Anderson..

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