Laços Que Nos Unem

Capítulo 03

— Aos olhos de alguns sim, mas sabemos bem que foi difícil para Camila se recuperar da lesão que sofreu. Perdeu dois anos, mas o importante que está correndo atrás e logo terá o resultado que sempre sonhou.

Madalena observou o marido que sorria enquanto pegava o celular e discava o número da filha caçula. Baixou os olhos por alguns instantes enquanto sentia raiva de si própria. Apertou os talheres com força, fechou os olhos por alguns instantes e se recompôs. Observou o marido que conversava animadamente com a filha.

Por mais que fosse ligada a Maria Eduarda e o marido tratasse ambas como mesmo carinho. Rogério parecia ter uma ligação a mais com Camila, talvez pelo fato dela própria não conseguir saber lidar com a filha. Por mais que Camila fora uma gravidez inesperada, jamais conseguiu sentir a sensação de amor e carinho preencher seu peito como fora na primeira gestação.

Sabia o quanto isso magoava o marido afinal era claro a diferença de tratamento que dava paras filhas. Mas sabia que algo dentro de si, jamais iria conseguir dar aquele passo a mais, não com Camila.

— Oi Cami.

A jovem ergueu o rosto e encarou Tarcísio Noveira. Filho de Cristina, sua técnica. Franziu as sobrancelhas, tombou a cabeça e olhou na direção da mulher que conversava com outras atletas. Voltou os olhos para o rapaz que exibia um sorriso charmoso. Soltou um suspiro baixo de resignação. Já havia perdido o número de Não que já havia falado para aquele garoto, mas parecia que ele gostava do desafio.

— Oi.

— Estava pensando, sábado sei que não terá treino com a minha mãe, então poderíamos...

— Não, não poderíamos e não vamos. — Camila se levantou e encarou o rapaz nos olhos — Olha, será a última vez que digo. Não quero absolutamente nada com você. Pois estou focada na seleção e não quero distrações em minha vida. E sim, realmente sábado não terei treino com a sua mãe, mas eu ainda assim irei treinar aqui no ginásio.

Tarcísio encarou a jovem que o olhava de forma dura e estava com os punhos fechados. Apenas balançou a cabeça, cruzou os braços e tombou a cabeça.

— Pode falar. Você gosta de mulher não é!? Por isso é tão... — ele apontou em sua direção enquanto subia e descia mão — machona. — sorriu de modo provocativo.

Camila arqueou uma sobrancelha, ergueu a cabeça e o encarou. Sabia que algumas meninas ali no ginásio tinham aquele tipo de pensamento preconceituoso. Afinal ninguém entendia o porquê de ter dezenove anos e ainda ser virgem. Sem contar que muitas alegavam que ela apenas não se assumia pelo fato de viver cercada por mulheres.

Ouviu os risinhos vindo atrás de si. Tarcísio fazia sucesso com as meninas, menos com ela. Sem pensar duas vezes, sorriu de modo educado e então soltou:

— Cristina, seu filho está me assediando.

— Oi?!

Ganhou a atenção de todos e então continuou a falar:

— Sim, ele está me assediando. Afinal novamente recusei um convite dele e apenas por isso ele acaba de me chamar de lésbica. Não que seja um problema, afinal mulheres sempre tendem a crescer psicologicamente mais rápido que os homens. Todos queremos alguém maduro ao nosso lado e não um moleque birrento.

— Sua bisc...

Tarcísio partiu para cima de Camila, se aproveitando da diferença de altura. Camila ao perceber o movimento do rapaz a sua frente, se esquivou e deu alguns passos para trás, indo assim em direção a sua técnica. Sorriu no momento que o corpo alto de Cristina ficou a sua frente.

— Saia agora.

— Mãe...

— Mãe nada, pelo que me lembro, eu lhe dei educação Tarcísio. E lhe ensinei que não é não. Talvez o fato de os hormônios afetarem sua capacidade cognitiva em raciocinar direito esteja falhando, vou lembra-lo novamente. Aqui dentro quem manda sou eu! Fora do meu ginásio.

Cristina apontava em direção a saída do ginásio. O rapaz bufava de raiva e encarou Camila que permanecia atrás da técnica. Balançou a cabeça e apontou em sua direção, quase avançando sobre a própria mãe.

— SAPATONA!

— FORA TARCÍSIO!

Cristina gritou e logo os outros técnicos se aproximaram e retiraram o rapaz do local. Camila sentia seu coração disparado por toda aquela situação. Sentiu os olhares sobre ela, percebeu um grupinho de meninas cochichando entre si. Todas ali queriam de certa forma a atenção do rapaz que acabara de ser expulso do ginásio.

Pouco se importava com aquela atenção. Estava focada apenas em conseguir a pontuação para que pudesse conseguir que os olheiros da seleção pudessem lhe sondar e poder mostrar o quão pronta estava. Fechou os olhos por alguns minutos até abri-los ao sentir uma mão em seu ombro. Cristina lhe encarava de forma envergonhada.

— Me desculpa por tudo isso.

— Tudo bem. — sussurrou — Só garanta que ele...

Parou a frase no meio, nem gostaria de imaginar o que ele poderia fazer. Afinal se não soube nem respeitar a própria mãe, quem dirá ela que o havia recusado inúmeras vezes e agora havia lhe humilhado de alguma forma.

— Não se preocupe. Dou minha palavra que Tarcísio não irá fazer nada.

Apenas acenou com a cabeça, tocou em seu pescoço ao sentir a tensão por toda aquela cena. Se encaminhou em direção ao vestiário e ficou sentada em dos bancos que continha ali dentro. Não entendia qual o problema que as pessoas tinham em não respeitar certas escolhas.

Sim, havia escolhido em esperar. Não queria sair transando com qualquer um, não que isso fosse problema, afinal cada um sabe o que faz da própria vida. Mas ela queria algo solido. Por mais que não tivesse o mesmo pensamento que sua mãe sobre a questão do casamento, admirava muito o relacionamento dos pais.

E queria aquilo para si. Queria um homem que lhe apoiasse com as escolha que faria em relação a sua carreira. Não que não fosse apoiar as escolhas dele também, mas como poderia aceitar qualquer um sendo que era filha de um relacionamento onde ambos se apoiavam. Por mais que sua mãe tivesse feito a escolha dela, ainda assim sempre a viu apoiando e ajudando seu pai nas escolha que ele fazia em relação a própria carreira.

Apenas queria que as pessoas respeitassem a decisão que havia tomado para si, mas a cada dia parecia que isso seria transformado em algo banal.