No oceano

🐚 Um

Embora precisávamos sempre viver em alto mar, a cada trinta anos tínhamos que subir para superfície onde viveriamos com os humanos por alguns meses.

Quase toda minha vida antiga fora apagada e só me lembro de alguns fleches que às vezes invadem minha mente.

Anemoni era a responsável por encontrar roupas que servissem na gente e Tuane de conseguir dinheiro. Eu detestava viver em superfície e de conviver com os humanos, tinha me acostumado tão bem a viver como sereia e quando precisávamos ser "humanas" se tornava um pesadelo para mim.

Minha dívida com as sereias não estava nem na metade, tinha cumprido somente duzentos anos e me restavam ainda oitocentos.

— O que você deseja fazer quando chegarmos ao nosso lá temporário? — Tuane, a sereia de pele escura brilhante me pergunta.

— Talvez assistir e admirar a evolução  que os humanos vem produzindo. — respondo nadando para o fundo.

— Eu adoraria dar uns beijos em alguém — Anemoni diz enquanto pegávamos conchas. — principalmente agora que minha dívida está quase no fim.

Tinha me esquecido, faltavam somente dois anos para Anemoni se tornar humana novamente e esquecer tudo que viverá com a gente. Tínhamos mil anos a pagar ao todo, Tuane precisava pagar mais trezentos anos.

Mas se por acaso quebramos as regras... éramos sentenciadas com mais mil anos, até agora nenhuma sereia quebrou essa regra.

— Ashel deveria conhecer gente nova. — Anemoni comenta, enquanto me entragava uma concha. — às vezes ser sereia pode ser bastante solitário.

— Gosto de ficar só. — digo e começo a me mover para superfície. Sento em uma das pedras e coloco todas as conchas alinhadas sobre elas.

A grande líder das sereias, proibia qualquer relação que tivéssemos com os humanos: seja amizade e até namoros. Sabíamos disso quando nos entregamos a irmandade.

— Izi é careta demais. — Anemoni diz se sentando ao meu lado.

Anemoni era conhecida por nós sereias como a mais talentosa, sua voz era doce e delicada como uma rosa.. Ela sempre comandava o canto quando precisávamos derrubar alguns marinheiros em alto mar, eu odiava ter que cantar e matar pessoas inocentes. Mas precisávamos fazer o que tinha que ser necessário para manter o equilíbrio de humanos e sereias.

E eu, alguns dizem que tenho uma beleza fora do comum. Meus cabelos eram tão pretos como o céu a noite, e minha pele morena as vezes lembrava troncos de árvores. Eu amava a minha cauda, adorava o tom azul quase indo para o verde.

— Izi, está mais do que certa. — Tuane diz — não podemos ter nenhuma relação com os humanos, vocês querem que a sentença de vocês aumentem para mais mil anos?

Anemoni e eu nos entre olhamos e rapidamente balançamos a cabeça em negativo.

— Então pronto.

Com um suspiro mergulho novamente na água e pego minhas conchas sobre a pedra.

— Onde vai? — Tuane pergunta.

— Preparar às coisas para a festa a noite.

Como forma de escapar daquela conversa resolvo adiantar os preparativos da festa, por ser a segunda lua cheia do ano hoje nossa líder Izi, faria uma poção para que nossa cauda se tornasse pernas temporárias.

Ela escolherá seis sereias para cumprir a missão de interagir com os humanos e de estudar a mente deles, não entendi o motivo de ter sido uma de suas escolhidas.

Quer dizer... sempre ando na linha e tento ao máximo ajudar as novatas a se adaptarem com esse mundo novo.

Bato minha cauda para o Recife ao fundo do mar, onde todas vivíamos. Éramos como uma espécie de família sem nenhum laço de sangue.

— Izi vai adorar. — Pik diz enquanto eu a entregava as conchas achadas. — pronta para a cerimônia de hoje a noite?

— Acho que sim. — respondo sem muita certeza.

— Não se preocupe, você irá se sair bem. — Pik era a sereia mais antiga da nossa irmandade, algumas de nós a chamavam de mãe pela sua sábia sabedoria.

Apenas concordo.

🐌

Antes que pudesse seguir para cerimônia eu sempre cantava sobre as pedras a noite, principalmente quando era lua cheia.

Penteava meus cabelos enquanto observava a lua.

Foi quando ouvir um barulho de homens, rapidamente mergulho na água e os observo ao longe curiosa. Fazia meses em que eu não via humanos.

— Mantenha o navio de pé homens. — alguém grita lá de cima.

Mas o navio cambaleava de um lado para o outro em agitação com o mar.

— Teremos que abandonar o navio capitão. — um dos homens grita.

Me mantenho escondida por entre as pedras, se Izi ou qualquer outra sereia me visse eu estaria encrencada.

— Abandonar o navio não é uma opção!

Se passaram alguns minutos quando o navio começou a afundar, vejo alguns homens desesperados se jogando no mar e outros ainda lutando para manter o navio de pé, mesmo que isso custasse suas vidas.

Vi vários homens se debatendo sobre às águas se afogando, eu não podia fazer nada. E depois de muito tempo, o mar foi tomado por um silêncio ensurdecedor.

Começo a nadar até os homens, agora que sei que todos estão mortos. O navio fora completamente afundado, e só os destroços deles continuavam a boiar assim como os corpos.

— Sinto muito. — falo para mim mesma me sentindo péssima por não ter os salvados.

Volto a nadar e tomo um susto ao ver um garoto ainda vivo tentando se segurar em um dos destroços ainda lutando por sua vida.

Resolvo ignorar e da as costas para voltar ao fundo mar.

Paro. E volto a olhar para ele de longe.

Irei me odiar por isso.

Nado até ele que se assusta ao me ver.

— Por favor, não me machuque. — ele fecha os olhos.

O garoto tinha cabelos loiros, pele clara e algo que me chamava a atenção.

— Não irei machucá-lo. — digo e aquela foi a primeira vez em que eu falará com um humano.

O garoto levantou os olhos e me olhou. E aquela também foi a primeira vez em que pude ver a linda cor de seus olhos, azuis como se fossem duas piscinas cristalinas.

— Vem, vou te tirar daqui. – estendo minhas mãos para que ele pudesse pegá-la e ele nega.

— Não! Você é uma sereia? Eu devo estar alucinando, aposto que foi o álcool que bebi durante o jantar. — riu. É claro que ele acha que isso é uma alucinação.

— Você não tem muita escolha, pode aceitar minha ajuda ou ficar aqui e ser comido pelos peixes.

Ele pareceu pensar e finalmente me dá as mãos.

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