Barrett McCiain sentou‐se à mesa, no pátio sul da Tierra dei Sol. De imediato, uma criada mexicana aproximou‐se para servi‐lo. — Só quero uma xícara de café, Dolores. E enquanto a Srta. Emily não vier, pode esperar lá dentro. — Si. — Com um sorriso no rosto moreno, Dolores fez uma reverência e desapareceu no interior da casa da fazenda. O sol acabava de surgir no horizonte. Todas as manhãs, Barrett McCiain levantava‐se antes do amanhecer. Fazia isto desde a infância e continuaria a fazer enquanto vivesse. Os longos anos de trabalho duro, levantando‐se cedo e dormindo cedo, tinham se transformado no padrão de sua vida. Atualmente rico e poderoso, Barrett não tinha mais necessidade de trabalhar tanto quanto antes, e mesmo assim continuava a administrar, com mão de ferro, a enorme fazenda no sudoeste do Texas. Com quinhentos mil acres de terra, quarenta mil cabeças de gado de raça, setecentos cavalos, cem vaqueiros, quinze empregados domésticos e uma casa espaçosa, sua propriedade era uma das maiores do Texas, constituindo‐se num verdadeiro império. Barrett McCiain gostava de sentar‐se no pátio sul, em meio ao silêncio da manhã, e correr os olhos pela vasta extensão de ferra, que era sua. Sob o bigode branco e bem aparado, seus lábios finos sempre se curvavam num sorriso. Tudoaquilo era seu. Tudo. Desde as terras que se estendiam para muito além do horizonte, até o mais gordo bezerro, o mais forte vaqueiro, a mais bela peça de mobília e o mais delicado copo de cristal. Tudo e todos pertenciam a ele. E logo outra belíssima possessão se juntaria ao que já tinha. Barrett McCiain tomou um gole de café e olhou em torno, assegurando‐se de que estava sozinho. Sorrindo, colocou a xícara sobre a mesa e enfiou a mão no bolso do casaco, retirando uma pequena fotografia. Quase com ternura, ele a colocou sobre a toalha de linho branco, contemplando a moça sorridente ali retratada. Nunca vira um rosto tão lindo. Nem os cabelos presos na nuca, num coque apertado, conseguiam diminuir‐lhe a beleza. Na verdade, o penteado severo até servia para realçar‐lhe os traços delicados, mostrando a perfeição dos olhos grandes e brilhantes, do nariz pequeno e arrebitado, do queixo oval, dos lábios cheios e do pescoço longo e gracioso. Ela estava sentada, com as mãos no colo e a saia cobrindo os pés que, com certeza, eram pequenos e bem‐feitos. Os ombros também eram esbeltos, formando um quadro delicioso com a cintura fina e os seios arredondados. Sorrindo tolamente, Barrett McClain passou o indicador pela foto, murmurando num tom apaixonado: — Ah, minha menina! Será que você tem idéia do quanto é bonita? Mal posso esperar para provar seu corpo delicioso. Deve ter sido por vontade de Deus que mantive minha amizade com seu pai, durante todos esses anos. Agora, quando ele tanto precisa, posso estender a mão a vocês dois. — Barrett riu baixinho, antes de acrescentar: — E como vou estender a mão para você, minha pequena! Se bem conheço. Jeremiah Webster, ele a educou da forma certa. Você deve ser tão pura e inocente quanto um bebê. Mas não tenha medo, minha linda, estou mais que ansioso para transformá‐la numa mulher. A idéia lhe era tão agradável, que o fez sentir uma pontinha de culpa. Mas isso logo desapareceu, e ele disse para o ar, com certa irritação: — Não haverá pecado nisso. Estaremos casados, e será meu dever mantê‐la satisfeita, para que ela não se sinta tentada a fazer algo que possa comprometer sua alma imortal! Com os olhos brilhando de alegria, Barrett meneou a cabeça branca várias vezes. Como sempre, conseguiu se convencer de que o que pretendia fazer era certo e santificado. E se, por acaso, o que era certo e santificado ainda lhe trouxesse prazeres terrenos, melhor. — Bom dia, Barrett. A voz suave da cunhada trouxe‐o de volta à realidade. Agarrando a fotografia com ar de culpa, Barrett enfiou‐a no bolso e se levantou. — Bom dia, Emily. Ele sorriu cortesmente e puxou a cadeira para que ela se sentasse, voltandoentão à sua. — Havia alguém aqui com você, Barrett? Tive a impressão de ouvir vozes — Emily York comentou, tocando a campainha de prata para chamar os criados. — Não. Dolores é que estava aqui, um minuto atrás. — Deve ter sido isso, então. Ah, aí está ela! Bom dia, Dolores. Esta manhã, vou preferir um prato de leite e cereais. Colocando sobre a mesa as frutas que trazia artisticamente arrumadas numa fruteira de cristal, Dolores inclinou‐se para servir café à patroa. — Quer acrescentar mel e passas? — Não, só creme e uma colher de açúcar. Quando a mexicana desapareceu no interior da casa, Emily voltou‐se para o cunhado. — Recebeu mais alguma notícia da chegada dos Webster, Barrett? Barrett McClain dissera à irmã da falecida esposa que um amigo em dificuldades lhe pedira ajuda. Ao longo do tempo, ele falara com freqüência de Jeremiah Webster, embora não o visse há mais de vinte anos, desde 1865, o fim da Guerra de Secessão dos Estados Unidos. Fora durante aqueles tempos sangrentos de tragédia que os dois homens se conheceram e fizeram amizade. Barrett, dez anos mais velho que Jeremiah, havia sido o oficial‐comandante do amigo, no bravo Terceiro Regimento da Louisiana. Juntos, eles tinham visto batalhas ferozes, partilhado sonhos e falado de Deus. Para Jeremiah, Barrett admitira que a esposa que o esperava no Texas, uma linda mulher de cabelos escuros e olhos azuis, não era tão religiosa quanto deveria. Muitas vezes ela não comparecia aos serviços dominicais por pura preguiça. Pecos, seu único filho era uma criança difícil e voluntariosa: Aparentemente, herdara as más qualidades da mãe, sendo necessário puni‐lo, com freqüência, pelos modos desrespeitosos que tinha. Jeremiah Webster meneara a cabeça num_gesto de entendimento, penalizado pelo amigo. Na sua opinião, não podia haver nada pior que ser vítima de uma mulher sem moral irrepreensível. E fora isso que dissera ao amigo, acrescentando que talvez fosse melhor Barrett abandonar a esposa. — Bem que eu gostaria — replicara Barrett. — Mas não posso, por causa do menino. Na verdade, havia outra razão para ele não. Abandonar a esposa. A fazenda no Texas, da qual ele tanto falara para Jeremiah, pertencia única e exclusivamente a ela. Com a morte precoce do pai, treze anos atrás, a linda Kathryn York tornara‐seuma das mulheres mais ricas do Texas. Na época, ele já a cortejava, a um mês após a morte de John York, casara‐se com ela. — Você é um bom homem, Barrett McClain — dissera Jeremiah Webster contemplando o amigo com admiração. — Vou rezar por você, pela sua esposa e pelo seu filho. — Obrigado, Jeremiah. — Barrett ficara emocionado. — E eu rezarei para que a mulher de sua vida seja tão pura de coração e devota quanto você. — Esse é o único tipo de mulher por quem posso me apaixonar — Jeremiah afirmara com ênfase, sem saber que a mulher que o destino lhe reservava faria a de Barrett McClain parecer uma santa. — Barrett? — repetiu Emily, notando que ele estava distraído. — Recebeu mais alguma notícia dos Webster? — Recebi um telegrama, ontem. — Brincando com o lado esquerdo do bigode branco, Barrett tentou esconder a excitação. — Na próxima quinta‐feira, Jeremiah e a filha tomarão o barco que vai de Nova Orleans a Galveston. De lá, irão de trem até Marfa. Se tudo correr bem, estarão aqui no dia primeiro de maio. Emily tomou um gole da xícara de porcelana, e perguntou: — Quantos anos tem a filha desse seu amigo, Barrett? Ela é da idade de Pecos ou mais velha? Barrett enfiou a mão no bolso do casaco, tirando um cigarro. — Você se importa que eu fume, Emily? — Claro que não. — Ela sorriu com doçura. — Já ouvi você falar dessa moça muitas vezes, mas nunca fiquei sabendo que idade ela tem. — Infelizmente, a Srta. Webster é muito nova. Mas isso não tem remédio, tem? Ela precisa da minha ajuda, e eu a ajudarei. — Que idade? — Dezoito! Tomado pela raiva, Barrett teve vontade de gritar que aquilo não era da conta dela, mas se conteve. Havia muitos anos, Emily e ele viviam sob uma trégua não muito firme, se bem que tremendamente necessária. Após a morte de Kathryn, ele precisara de alguém para tomar conta de Pecos, e ela, solteira e sem dinheiro, tinha necessidade de um lar e segurança. Que eles não gostavam um do outro, todos sabiam. Durante aqueles anos, Emily lhe dedicara um ódio profundo e silencioso. Ela nascera no quarto principal do primeiro andar e nunca vivera em outro lugar. Dez anos mais nova que a irmã, Emily tinha catorze anos quando o pai morrera. Ela atribuíra a sua pouca idade o fato do11 pai ter deixado tudo que tinha para Kathryn, exigindo apenas, em seu testamento, que a filha mais velha cuidasse da mais nova. John York também havia declarado, nesse testamento, estar certo de que a filha mais velha daria à irmã o que lhe era de direito, assim que Emily atingisse a maioridade. Kathryn provavelmente teria feito isso, se não tivesse se casado com Barrett McClain. Quando Emily atingiu idade suficiente para reclamar sua parte na herança do pai, Barrett já estava no comando de tudo, e ela jamais conseguira que ele lhe desse uma resposta clara e precisa, quando tocava nesse assunto. Naturalmente, Barrett sempre lhe assegurava que só precisava pedir para ter tudo o que queria e precisava. Não havia motivos para preocupação. Ela confiava nele, não confiava? Afinal, todos naquela região do Texas sabiam o quanto Barrett McClain era bom. Ele não ia à igreja todos os domingos? E não rezava sempre? E não estava sempre pedindo à esposa e ao filho, e também à própria Emily, que o acompanhassem aos serviços dominicais e lessem com ela a Bíblia, para serem puros de mente e alma? Emiíy jamais entenderia como Barrett McClain convencera Kathryn a deixar tudo para ele, em seu testamento. Mas fora isso que acontecera. Ao morrer, aos trinta e sete anos, Kathryn deixara a irmã, de vinte e sete anos, e o filho, de onze, completamente sem dinheiro. Barrett McClain herdara tudo e ainda tivera a audácia de aparentar surpresa, ao ouvir a leitura do testamento. Comentando que essa era a vontade de Deus, Barrett garantira a Emily que ela teria um lar em Tierra dei Sol, enquanto desejasse. Emily, que nunca fora muito independente ficara. Não tinha capacidade de ganhar a vida fora e ainda por cima amava o sobrinho como se fosse seu próprio filho. Com os anos, a amargura que ela sentia em relação à situação fora diminuindo. Bastava‐lhe saber que, com a morte de Barrett, seu adorado sobrinho herdaria tudo. Só isso lhe importava. Agora, no entanto, Emily sentia que a herança do sobrinho podia estar em risco. Sentada ao lado do cunhado, ouvindo‐o falar de seu próximo casamento com uma garota de dezoito anos de idade, ela se arrepiou da cabeça aos pés. Pecos na certa ficaria furioso quando soubesse da novidade. Calmamente, ela disse: — Eu sei que você quer ajudar um velho e bom amigo, Barrett, mas não acha que está indo longe demais com essa história de casamento? Dezoito anos! Ela é uma criança, Barrett! Você não pode se casar com uma garota de dezoito anos. Barrett tragou e soltou vagarosamente a fumaça do cigarro, como se o que a cunhada dissera não o afetasse em absoluto. — Ela pode ser jovem, Emily, mas Jeremiah me garantiu que é muito eficiente. Desde que a mãe os abandonou, vem tomando conta de tudo, na casa.Jeremiah também me disse que Angie... ahn, a garota... é muito eficiente na cozinha, na limpeza e... — E o que tem isso a ver com esse casamento? — Emily interrompeu‐o, indignada. — Você tem uma casa cheia de criados, Barrett. Dificilmente ela terá que desempenhar qualquer tarefa doméstica, não é? — Tem razão, mas... É que... — Barrett, por que você não traz essa menina para cá e simplesmente a deixa viver conosco? Não há a menor necessidade de se casar com a coitadinha e... — Estou chocado com você, Emily York! — Barrett tentou parecer tão indignado quanto a cunhada. — Está realmente sugerindo que uma moça solteira viva comigo, sem as bênçãos da igreja? Todos ficariam escandalizados, e com razão! — Isso é ridículo, e você sabe. Eu moro aqui, ela estaria muito bem protegida de qualquer falatório. Não haveria nada de errado se essa criança vivesse sob o seu teto. Ninguém pensaria... Sentindo o sangue subir‐lhe ao rosto, Barrett apagou o cigarro na xícara de café e inclinou‐se por sobre a mesa. — O que você me diz de Pecos? — O que tem Pecos? — Ele também mora aqui, durante uma parte do ano. E poderia... Se sentir tentando a... As pessoas falariam! Emily apoiou os cotovelos sobre a mesa, unindo os dedos sob o queixo. — Você sabe muito bem que Pecos passa mais tempo fora do que aqui. Além disso, ele não dará a menor atenção a essa garota, a menos que ela seja extraordinariamente... Bonita. — Emily fez uma ligeira pausa, depois perguntou: — Ela é Barrett? — Como é que eu vou saber? Eu nunca a vi, e você sabe disso! — Hum... Eu só pensei que talvez o pai a tivesse descrito, numa das cartas que lhe mandou. Ou mesmo lhe enviado uma fotografia. Barrett quase perdeu a compostura. Seu primeiro impulso foi mentir, mas não o fez. — Jeremiah me mandou mesmo uma fotografia da filha. É meio embaçada, mas ela me pareceu sadia e de feições agradáveis. Num gesto lento, Emily baixou as mãos para o colo. Pelo jeito do cunhado, sabia que a moça devia ser bonita. Uma onda de medo assaltou‐a. Se a garota era realmente bonita, poderia muito bem convencer o tolo do Barrett a lhe deixar tudo que tinha depois que se casassem.Tão decidida quanto Barrett a manter a compostura, Emily tentou convencê‐lo novamente de que não devia casar‐se, usando seu tom de voz mais agradável: — Barrett, eu sei que você é um bom homem e quer fazer o que for melhor pelo seu amigo. Por favor, não se sinta obrigado a casar‐se com essa menina. Já é muita generosidade recebê‐la nesta casa. O povo de Marfa sabe que tipo de homem você é, e ninguém verá nada de mal no fato de ter aqui a filha de seu velho amigo depois que ele morrer. Não quer pensar melhor no que vai fazer? Eu o ajudarei no que puder, juro! Pelo menos deixe a moça viver conosco uns seis meses, antes de se casar com ela! Barrett estendeu a mão para uma colher de prata, pondo‐se a brincar com ela. — Teve notícias de Pecos, ultimamente? — perguntou. — Não. Há várias semanas que não ouço nada dele. Mas você conhece Peco, qualquer dia ele aparece. — Exatamente! E antes que ele apareça, pretendo me casar com Angie Webster. Não quero que Pecos... — Alguém falou em mim? — indagou uma voz grave e alegre, vinda da outra extremidade do pátio. Emily e Barrett voltaram‐se ao mesmo tempo. Um homem alto e sorridente caminhava para eles. Seus cabelos, de um preto azulado, brilhavam ao sol, e seu corpo esbelto movia‐se com a graça de um felino, cada passo acompanhado pelo som tilintante de uma espora de prata. A camisa branca e folgada que ele usava estava aberta até o meio do peito, expondo‐lhe os pêlos escuros e crespos. Um cinturão de couro preto e macio pendia‐lhe dos quadris, e o cabo brilhante de seu revólver refletia os raios do sol, cegando temporariamente o atônito Barrett McClain. Junto à mesa, o homem alto e esbelto parou, exibindo os dentes muito brancos num sorriso aberto. Inclinando‐se então para Emily York, envolveu‐lhe o rosto com os dedos longos e morenos, beijando‐a na testa e perguntando num tom alegre: — Como vai a minha garota favorita? Com um sorriso de boas‐vindas iluminando‐lhe as feições, Emily ergueu os braços e segurou as mãos dele. — Pecos! Você voltou!
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Anjo Maldito
RomanceAngie foi prometida em casamento ao pai, um homem muito mais velho que prometera um casamento sem sexo, embora desejasse e queria mais, muito mais.... Mas ela foi seduzida por o filho, um conquistador irresistível, o mais ousado dos homens... E num...