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Carter

Cinco e meia da tarde. O almoço que pedi às uma ainda está sobre a mesa, as embalagens lacradas. Com certeza a comida inteira esfriou, mas agora tenho outras coisas para me preocupar além do meu estômago barulhento.

O quadro de cortiça com pistas que montei está preso à parede da sala de reuniões, me encarando. Resisto à vontade de rabiscar mais hipóteses para ele, mesmo sabendo que já não cabe nada. O quadro está abarrotado de recortes de jornais e matérias digitais que imprimi, fora os depoimentos de vítimas, de testemunhas oculares e um mapa da cidade de Boston. Várias anotações estão espremidas aqui em Post-its e no fim parece uma desordem ligada por alfinetes e linha vermelha. Uma desordem que só eu entendo, aliás.

No topo do quadro, quase desaparecido atrás do mapa, o título do meu grandioso projeto: O Caso Hydra.

Um bando de delinquentes com tatuagens de hidra, um monstro mitológico — o que gosto de pensar que representa o quão grotesco é esse grupo —, roubando peças valiosas ou simplesmente fazendo a limpa em joalherias espalhadas pela cidade tem me tirado o sono há bastante tempo. Trabalho nesse caso há meses e sempre me pego revoltado com o quão demorado está sendo para a polícia localizar essas pessoas. Isso porque eu não fui o único a pegar essa investigação. O Caso Hydra está aberto há quase dois anos e detetives bem mais experientes do que eu estiveram à par da situação. 

Outros departamentos acompanham o caso de perto, diversas equipes lutando para resolver o mistério.

Detesto admitir, mas a gangue trabalha bem para não ser descoberta. Eles agem como fantasmas e são os melhores em causar pânico em cada empreendimento no ramo de joias por aqui.

Me encosto na mesa e apoio meu peso em uma mão, inquieto. Inclino o corpo para trás e checo o quadro de um outro ângulo como se a resposta estivesse escondida em algum outro ponto de vista, quase deixando minha cabeça cair no ombro esquerdo ao virá-la. Semicerro os olhos. 

Cronch, cronch.

Suspiro.

Mas que merda...

Certo. Não sei o que é mais irritante. O fato de tudo no quadro estar igual mesmo depois da nova pista que recebi hoje ou o fato de que há uma pessoa mastigando alto há menos de dois metros de mim.

— Eu estou tentando me concentrar — Digo, sem me virar, mas parece que estou fazendo uma ameaça de morte graças ao meu tom de voz. Recebo como resposta um resmungo e mais sons de mastigação, agora lentos, como se fosse de propósito. Respiro fundo, profundamente incomodado. — Mave... porque não vai comer suas batatinhas junto com aquele cara da copiadora que é afim de você?

Finalmente olho na direção da segunda pessoa na sala comigo, minha expressão frustrada quando vejo que ele está sorrindo, a embalagem de Pringles sabor bacon no colo e as pernas jogadas nas costas da cadeira mais próxima ao longo da mesa longa e oval.

Maverick é meu parceiro no departamento de polícia há quase um ano. Não nos dávamos bem no início, ele sempre foi um pé no saco e ignorava com frequência a seriedade (inclusive, aqui está ele, lambendo o tempero das batatas dos dedos enquanto meu olhar poderia tê-lo desintegrado há muito tempo). Porém, com o avanço da coisa, nosso trabalho em equipe resolvendo pequenos problemas e agora esse novo caso, nós aprendemos a nos odiar menos e hoje em dia somos bons amigos. 

Não que isso me impeça de querer dar um soco nele de vez em quando.

— O cara da copiadora não é muito atraente — Mave dá de ombros e me lança uma piscadinha enquanto enfia outra batata na boca devagar, tentando parecer sedutor, imagino. — Já você...

Duplo ImpactoWhere stories live. Discover now