Prólogo

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CHOVIA.

Era tudo o que o jovem guardião se permitia saber enquanto embrulhava o livro, seus dedos trabalhando freneticamente à medida que os estrondos do lado de fora apenas aumentavam. Por mais que tivesse poder para fazer parar, ele sabia que não era isso o que deveria fazer.

Ajeitou a capa nos ombros enquanto, na frente da porta, tomava coragem para sair para o caos que havia se tornado o reino. Com a chuva incessante, os moradores do Vale das Flores corriam de um lado para o outro na tentativa de salvar suas vidas já que tentar salvar algo de seus bens parecia ser inútil.

Respirando fundo, ele colocou seus pés para fora, afundando suas botas na terra encharcada. Por um momento, a emoção ao ver tudo o que conhecia sendo destruído pela enxurrada que demolia o lindo Vale das Flores o fez parar. As gotas caiam nas peles nuas daqueles que não esperavam que a tempestade viesse. Pinicavam como inúmeras agulhas finas, como se dissessem que o reino cairia da mesma forma que aquelas gotas de chuva. E ele sabia que era inevitável.

Apressando os passos, o rapaz passou pela praça principal. Sua visão estava turva, coberta pelo véu cinzento de água que jorrava de apenas um ponto do céu. Ele tentou trazer à memória uma figura de como aquilo um dia fora. As inúmeras barracas de vendedores expondo os mais raros tipos de flores que somente poderiam ser encontradas no Vale das Flores. Os festivais que comemoravam todo cada ano. As danças no pátio do palácio do Rei, onde os sorrisos eram os traços principais de seu povo. Mas nada aparecia em sua mente com clareza. Toda sua memória parecia ter sido intoxicada, como se a tempestade em si trouxesse algum tipo de maldição, apagando da memória tudo o que seu tão amado reino fora um dia.

Ele engoliu a seco ao saber que, muito provavelmente, era exatamente isso o que estava acontecendo.

Fixando somente no chão à sua frente, ele fez de tudo para se apressar, tentando ignorar o som de gritos histéricos ao seu redor enquanto mães procuravam por seus filhos na comoção que havia tomado conta das ruas. Ele precisava ser rápido. Precisava focar em seu último dever.

O livro pesou em seus braços, apesar de não ser uma das maiores cópias. Ele sabia que parecia um tolo ao tentar salvar apenas o pequeno livro de tecido azul enquanto o reino todo se preocupava em salvar suas vidas. Porém, ele sabia que se não fizesse isso, não haveria um futuro para reino. Ele apertou o livro para mais perto de si, sentido que muito em breve seu corpo encharcado estragaria o livro, apesar de tantas camadas de proteção.

Algo ao seu redor chamou a sua atenção desviando-o de seus pensamentos. As vozes surpresas das pessoas em sua volta levantaram suas suspeitas e foi quando ele percebeu que finalmente, depois de incontáveis horas, a chuva havia cessado. Nenhuma gota agora caia no chão.

Os moradores do Vale das Flores começaram a entoar cantos de alegria, abraçando-se uns aos outros, celebrando o fim da tragédia que os estava levando à beira da morte. Todos pararam de fazer o que estavam fazendo para se alegrarem.

Mas, porque ele tinha a sensação de o pior ainda estaria por vir?

Foi quando um ponto no alto das cadeias de montanhas que rodeavam o Vale chamou sua atenção. Ele queria poder afirmar que estava errado, mas o estranho brilho avermelhado não deixava.

A princípio, ninguém notou. Todos estavam ocupados demais acalmando uns aos outros do que eles pensavam ter chegado ao fim.

Ele continuou caminhando para longe do centro do vilarejo, mantendo seus olhos fixos no ponto brilhante que apenas se multiplicava ali em cima, como dezenas de estrelas festejando no céu.

O grito cortante que parecia vir de todas as direções chamou a atenção de todos, e foi então que ele soube que tudo estava acabado. A costumeira sensação de formigamento na ponta de seus dedos sumiu. O ar pareceu ter ficado um pouco mais denso. Sua força parecia estar se esvaindo. Ele soube que não viveria muito mais do que os moradores de seu próprio reino.

Os inúmeros pontos luminosos tomaram conta do céu, fazendo seu próprio espetáculo nas alturas. Pessoas começaram a perguntar umas para as outras o que deveria ser aquilo. Os pontos de luz cresciam como lindas flores com pétalas de fogo, que floresciam por toda a extensão do céu cinzento.

A primeira bola de fogo deu abertura às batidas de uma música melancólica e mortal, lançando para o ar um grupo de pessoas mais próximas. As chamas se alastraram com velocidade, consumindo o que havia sobrado da forte tempestade, tornando os rostos de alegria em pânico em questões de segundos. Com seus braços graciosos, alcançavam tudo o que viam pela frente, embalando para a morte o reino.

Vale das Flores, o reino que foi destruído por água e fogo.

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