Todas as horas ferem

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O odor que desce das montanhas do gelo eterno de R'oy me deixa num estado de alerta constante. É verdade que estou em alerta desde que vim para as Terras Ermas do Sul, mas o temor de ser perseguida pelo inimigo não pode me afastar de meu objetivo.

Já passei pelo Grande Marco há dias, o monumento que marca o fim das terras conhecidas pelos homens, mas ainda consigo ver seu topo daqui, do sopé das montanhas. Caminho por entre as gigantescas árvores enquanto tenho pequenos lampejos de lembranças deste lugar. Lembranças de quando eu era apenas uma criança e o mundo era menos complicado.

Naquela época já vivíamos em guerra, claro, nosso mundo começou com uma guerra, e eu era preparada para ela. Preparada para uma responsabilidade que eu não esperava ter, imaginava que minha função exigiria mais das minhas habilidades com uma borduna do que minha maturidade, e esta última demorou a chegar.

Continuo caminhando pelos antigos caminhos, só conhecidos pelas guerreiras do meu povo, quando um estranho se apresenta.

- O que fazes aqui guerreira? A guerra está para além do Grande Marco.

- Dos meus assuntos eu cuido andarilho. Você deveria me dizer o que faz aqui, onde não há nada.

- Sou um mago guardião, menina. Tu me deve respeito.

- Huuh...

- Como ousa?! Diga o que veio fazer nas Terras Ermas! - meu treinamento me permite ver a aura do traidor, um servo de Ukna.

- Você não é um mago guardião, vi o último deles morrer em batalha. Você serve a ele, ao tirano!

Ele invoca o poder obscuro de seu mestre ao tocar o solo com seu cajado. Então, de um pequeno ponto escuro no chão surgem criaturas. Olhos como pedras brilhantes e dentes que saltam da boca em busca de carne para perfurar.

- Ahhhhhh! - corro para a batalha. Infelizmente, para o falso mago, hoje não é o dia da minha morte.

Saco minhas pequenas facas e me jogo sobre uma das criaturas. Sei que são capazes de lutar enquanto a magia do mago durar, mas eu não preciso de tanto tempo.

Elas avançam e eu finjo estar quase sendo subjugada, o suficiente para o velho baixar a guarda e tentar um ataque final. Jogo as duas bestas ao longe e atiro uma de minhas facas no cajado dele. A gema negra, de onde ele tira sua força, é destruída, e agora ele não passa de um velho.

- Você vai perecer amazona! Nada pode parar a fúria de meu mestre...

- Volte pra ele rastejando, velho. Vai ver como ele não terá mais misericórdia por você do que tem pelo assado da ceia. - continuo meu caminho e ele permanece no chão.

- Vai morrer, sua imunda! Assim como as últimas putas da sua estirpe!

- Eu não vou sujar as minhas armas com seu sangue de traidor. - pego o cajado dele e cravo em sua perna, atravessando-a até atingir o solo.

- Arrrrgh! Amazona desgraçadaaaa!!!

- Vai morrer congelado. Adeus.

Não tenho mais tempo para perder com distrações. A atmosfera inebriante da longa noite só é perturbada pelo assobio do vento que vem da montanha, um sinal de mau agouro, como meu povo costuma dizer. Sei que logo estas terras também estarão sob a sombra da guerra.

Após mais um tempo caminhando, chego na margem do Rio-mar de R'oy. Preciso atravessar o caudaloso rio, sem ferramentas ou ajuda, só uma verdadeira guerreira, desprovida de maldade no coração, pode fazê-lo. Quando somos jovens, é a prova final que uma amazona deve realizar para conhecer o mundo e voltar, trazendo honra para seu povo.

Todas as horas feremWhere stories live. Discover now