O Meta-Detetive

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Parada em frente à porta de um escritório que anunciava prestar serviços paranormais, decidi reavaliar as minhas escolhas de vida para ver o que me levou a este maldito buraco.

A delegacia onde estava sendo treinada oferecia um programa de estágios com profissionais do ramo investigativo. Confiante em minhas habilidades, escolhi o estágio que apresentava o maior grau de rejeições, o que era evitado pelos meus colegas. Agora, Deus me pune pela minha soberba, tal qual Ícaro — Ícaro sendo um primo meu que se estatelou no chão depois de tentar andar de patinete de costas — e sou obrigada a trabalhar até o fim do ano letivo com o tipo de escória que engana senhorinhas evangélicas. É, esse é um bom resumo. Vamos acabar logo com isso.

Bati na porta, que, destrancada, abriu sozinha. Todas as potências de base dois não fariam jus ao quanto eu pensei duas vezes. Em um momento de insanidade momentânea, resolvi entrar.

Adentrar o escritório era uma experiência surreal. Encontrei-me numa sala coberta parede a parede em estantes, recheadas generosamente com o que estimei ser centenas de livros. Três delas, ao menos, a quarta e última parede contendo apenas a porta e um rombo. Decorando a sala, apenas uma mesa de escritório, um sofá coberto por uma pilha de roupas sujas e uma mesa de centro vazia.

Ok, com certeza isso é um sinal. Vazei.

No meio do meu primeiro passo em direção à porta, ouvi o barulho distinto de roupas caindo no chão. Olhei rapidamente para trás, acabando por testemunhar um homem crescido se remexendo como uma lagarta para emergir de seu casulo fétido, sua tumba malcheirosa: a pilha de roupas sujas. A cena me lembrou um parto. Caiu uma lágrima do meu olho. Provavelmente por causa do cheiro.

— "Vooochê é a ixtagiária?" — O rosto que espiava para fora da pilha dizia, letárgico.

Respirei fundo. Agora estava feito. Havia cavado minha cova, restava deitar-me nela.

— S-sou eu! O senhor Augusto Dumas está?

— "Ixtá falano cum'ele" — confirmava, minha esperança de que fosse algum subalterno desleixado explodia em milhões de pedacinhos.

Para seu crédito, Augusto Dumas não demorou muito para recuperar a compostura esperada de um adulto recém-acordado ou de uma criança de três anos. Em pé (leia-se: visível), era alto e esbelto (leia-se: um poste desengonçado), vestia-se com um sobretudo bege característico (leia-se: clichê), e ostentava uma cabeça de madeixas louras e erráticas (leia-se: uma bagunça desarrumada). O mais marcante sobre o homem, porém, eram seus olhos. Suas íris eram completamente negras, sem ao menos refletirem luz, como pontinhos pretos desenhados em um personagem de desenho animado.

— Perdoe a bagunça, senhorita... — Ele pausava caracteristicamente, para que lhe informasse meu nome.

— Jane. Jane Bordon, senhor.

— Jane como "Djeini" ou Jane como "Jâni"?

— C-como "Djeini" — respondi, confusa. Ele não tinha acabado de ouvir meu nome?

— Ah, sim, claro. Perdoe a bagunça, srta. Jane. Passei a noite em claro lendo, acabei não lavando a roupa — explicava, pescando com dificuldade uma meia das costas de seu sobretudo. — Farei sua entrevista imediatamente.

A palavra entrevista, não vou mentir, deixou-me nervosa. Não nervosa como ficaria para uma entrevista de respeito, nervosa pois senti-me insultada. Insultada que este homem, que havia me mostrado pico do antiprofissional segundos antes, tivesse a hipocrisia de me considerar desqualificada. Farta, decidi que queria por tudo em pratos limpos.

— Sr. Dumas, antes de iniciarmos, gostaria que abrisse o jogo. — Tentei esconder minha satisfação ao desafiá-lo. — Não sou nenhuma idiota, sei que isso atrai clientes, e como meu estágio é temporário, não vou pedir que mude, mas queria que não perdesse seu tempo tentando me convencer de espíritos malignos e amuletos.

Registros do Meta-DetetiveWhere stories live. Discover now