Cinzento Ponto Prateado

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Novamente, aqui, nessa posição de súdito e emissário de algo terrível.
Outro planeta que me foi encarregado de encontrar para Galactus. Outra chance de redenção desperdiçada.
Planando pelo cosmo, acima das últimas formas de vida do universo, tendo consciência de que ele chegará em pouco tempo, não consigo mais pensar em últimas palavras, como antes fazia.

Quando cada quark que te compõe é banhado pela luz de estrelas que há muito deixaram de existir, que uma extensão do seu corpo absorve, em uma travessia ponta a ponta no universo, as coisas se tornam mais irregulares.
Os batimentos do meu coração — sendo este o único fator que me lembra do porquê eu continuo fazendo o que faço, embora recentemente tenha tido minhas dúvidas —, ecoam pelo meu corpo, que é revertido em energia pela maldição abaixo de mim.
Carregando parte do poder cósmico de Galactus como um fardo, eu poderia manipular a matéria deste planeta para que ele não o encontrasse, mas de que adiantaria? Quando se trata de outras formas de vida, tudo em relação a elas é tão fútil, tão ínfimo.

Quando demonstrado piedade, medo ou contradição perante o mais fraco, ele deixa de acreditar em você. Galactus não permitiria a continuidade da existência de Shalla-Bal e Zenn-La se eu falhasse. Sem resistência.
No meu mais recente trabalho, encontrei uma civilização que obteve 1000 anos de avanço científico em 50, no último século deles, mas seus "cientistas" ainda não conseguem nem dividir um átomo e o avistamento de outros povos ainda é algo novo por lá, e inclusive motivo de guerra.

Cada pessoa, objeto, forma de arte que esses seres amaram, tudo o que eles julgavam importante. Todo rei, imperador, príncipe que um dia pensou que sua existência tinha um valor inestimável. Tudo o que uma vez, com muita dificuldade, conseguiram obter. Todo ego, todo amor, dor, impotência, toda ignorância. Todas as vezes em que confessaram ou prometeram amar uns aos outros. Promessas, juramentos. Tudo com o que cada uma dessas mentes já se importou, agora, com a destruição do planeta sendo iminente, valeu de algo?
Rezam e fazem preces para algo que não os escuta. Nem um mísero meteoro "Ele" consegue desviar, nunca interveio Galactus, por que agora seria diferente?
Tendo quase que como uma marca de maldição este título de "arauto de Galactus", assisti a morte de trilhões de seres pelo Devorador de Planetas. Bilhões de formas de vida, infinitas vezes em que tudo o que um dia importou para eles, ele fez simplesmente evaporar.
Zenn-La talvez não seja grato a mim, quem sabe? Talvez não valha mais a pena me sacrificar por um amor, quando tudo o que sinto é raiva pela mediocridade.

Se não fosse pelas mentes fracas que se perdem e se importam com situações inúteis e sem sentido, eu não estaria aqui, de qualquer forma. O suicídio de meus pais, talvez, porém, não tenha sido tão útil.
Se não tivesse sido me negado a benção do arrependimento, acredito que toda essa história teria sido diferente. Mas, novamente, de que importa ou adianta agora?

Assisti nebulosas nascerem, morrerem, outras explodirem e colapsarem.

Isso tudo é... sufocante.

Porém, tudo me trouxe até aqui. O último planeta do nosso universo com condições climáticas capazes de abrigar vida. 

A seta do tempo é, em sua maneira, impiedosa e bela.

Planando acima do planeta e observando-o, percebo uma sombra que acaba de o cobrir por inteiro.

Cinzento Ponto Prateado.Where stories live. Discover now