Herança

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Então era isso? Um bar? Sua grande herança era um bar esquecido no meio do nada? O velho devia estar de brincadeira, uma grande brincadeira de mau gosto. Sempre odiara aquele ambiente. Era a primeira criança a não querer frequentar o local de trabalho de seus pais, um bar cinzento com a mesma clientela de sempre; provavelmente alguma briga no fim da noite e aquele cheiro insuportável de gordura.

- Então é isso? - Roselynn voltou-se para o advogado - Um inventário todo para isso? - nem fez questão de esconder a decepção.

- Na realidade não - o advogado ergueu lentamente os óculos, como se enxergasse melhor sem eles - Mas, a senhorita só terá direito a outra parte da herança, se permanecer com o bar por, no mínimo, três meses.

Roselynn nervosa segurou com força no braço da cadeira. Devia ter seguido seus instintos e nem comparecido ao funeral. Já não falava mais com o pai, parecia hipócrita despedir-se dele e receber todos aqueles cumprimentos na igreja. Além do mais, sua vida não era lá essas maravilhas, mas voltar à cidade que crescera, e que abandonara logo após a formatura, não estava nos seus planos.

- O que significa permanecer com o bar? - disse com a boca seca, precisava beber um pouco de água.

- Não vendê-lo. Administrá-lo, comparecendo dia a dia, até que o prazo acabe - o doutor Owen disse tão normalmente que nem percebeu o impacto que causou na mulher à sua frente.

- Depois de morto, meu pai vai ter o que sempre quis: transformar-me em funcionária daquele lugar! - ela pensou alto e viu o olhar estupefato do advogado.

- Vai ser proprietária, senhorita Rose - ele abriu um grande sorriso - Não funcionária.

- Lynn - ela corrigiu, se fosse para chamá-la por apelido que fosse esse. Não gostava de flores e odiava que seu nome lembrasse uma flor das mais populares - Mas, isso é impossível, não tenho como tocar aquilo, nem sei, nem quero.

- Se a senhorita está se referindo ao dinheiro para as despesas do bar, saiba que seu pai estava fazendo um bom trabalho, tem um bom capital para investir, não passará por dificuldades - o advogado sorriu novamente, dessa vez com os olhos, num contentamento que chegou a lhe provocar náuseas.

Suspirou, sentindo-se presa àquele lugar. O advogado estendeu-lhe um envelope. Ela pegou-o, examinou o seu conteúdo. Antes que tivesse se familiarizado com as chaves, ele intrometeu-se:

- A chave do bar e da casa que fica em cima dele. Logo que adoeceu, seu pai vendeu a casa em que você cresceu.

Roselynn balançou os ombros, dos males o menor, era o que lhe faltava, prestes a completar trinta anos, ter que dormir em seu quarto de adolescente. Ela agradeceu, cumprimentou o homem e deixou o escritório.

Uma vez na rua, irritou-se com o clima daquela cidade, com o jeito como o sol a cegava, com qualquer coisa na qual reparasse, enquanto caminhava. Disse a si mesma que fazia parte de seu caminho, quando passou no bar.

Na porta estava a placa: Fechado por luto. Não mexeu nela. Mordeu levemente o lábio inferior e teve de tomar coragem para enfiar a chave na fechadura e girá-la. Foi como dar dois passos para dentro do passado: viu sua mãe atendendo os clientes com o seu melhor sorriso, enquanto seu pai, dentro do balcão, gritava os pedidos para o cozinheiro.

Respirou fundo: sua prisão por três meses. Não foi preciso acender as luzes, um raio de sol entrou com ela, iluminando o lugar. Aproximou-se devagar do balcão e passou a mão nele, procurando por pó, mas estava espetacularmente limpo. Foi nessa inspeção despreocupada que encontrou a rosa negra. Ela estava sobre o balcão, mais à esquerda, perto do último banco.

Deve ser do velório, ela pensou. Esse era um dos motivos para não gostar de flores, lembrava-se apenas de coisas ruins. Mas, quem levaria rosas negras para um velório? Elas eram exuberantes, tinham lá sua beleza, mas eram muito tristes, achou de extremo mau gosto. Apanhou a rosa, ferindo-se em seu espinho, segundo motivo para não gostar de flores, e jogou-a no cesto de lixo mais próximo.

Mal sabia que essa era apenas a primeira rosa.

Rosas Para Você (Degustação) Onde as histórias ganham vida. Descobre agora