Capítulo 1 - Emma

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Steve, o motorista do Evan, me trouxe na manhã seguinte para meu apartamento. A casa ainda estava silenciosa quando tirei meus saltos e andei até o chuveiro. O perfume doce de Evan estava impregnado em mim, nos fios dos meus cabelos, nas minhas roupas, nas dobras do meu corpo. Tomei um banho demorado, e depois me enrolei em um roupão felpudo que eu tinha desde a adolescência. Enrolei os cabelos em um coque molhado e fui à cozinha comer algo.

Quando terminei de comer cereal e pão de sabe-se-lá-que-dia, acomodei meu corpo no sofá velho enquanto observava as fotos na estante vendo meus pais. Tentava não pensar naquele dia, mas mesmo assim as lembranças surgem como um cheiro desagradável. A memória traz consigo um ar gelado parecido com o frio na espinha que senti no dia em que soube que eles tinham morrido.

A culpa era minha? Não sei.

Talvez nunca saiba.

Talvez morra com uma culpa que jurava ser minha mas que poderia ter sido só um acaso cruel do destino.

Meu momento nostálgico e cruel de culpa deu lugar ao barulho vindo ao pé da escada, olho para o lado vendo Charlie penteando os cabelos. Somos parecidas, temos os mesmos olhos azuis e cabelos loiros escuros, se não fosse pela idade talvez achassem que fossemos gêmeas. A única diferença entre nós era a idade e o modo como escolhemos lidar com a vida.

— Está se sentindo melhor? – perguntei enquanto me acomodava no sofá.

Nossa casa não era tão grande, mas não era pequena. De início havíamos pensado que a casa estava na herança, mas infelizmente o advogado nos deu a péssima notícia de que, se quiséssemos ficar ali, teríamos que pagar o aluguel. Prontamente minha ideia era ir para um lugar mais barato, mas... Charlie havia passado por tanta coisa, merecia ficar na casa dos nossos pais.

Eu não sabia por quanto tempo continuaríamos morando naquela casa, ser puta não era lá bem remunerado e o que eu ganhava variava de acordo com as noites. Pagar aluguel naquele bairro do centro era complicado.

— Você chegou tarde ontem à noite – disse Charlie, mudando de assunto.

— Tive que passar na casa do Evan. Para pagar o vestido.

Era ridículo admitir aquele tipo de coisa. Sim, ridículo. Era como dizer em voz alta que "fui trepar com ele até que Evan se cansasse porque precisava pagar a porcaria do vestido que ele me mandou usar".

Nunca foi minha intenção ser prostituta, obviamente que não. Quando meus pais morreram deixando nada além de dívidas, precisei pensar além do que um trabalho convencional me proporcionava. Charlie precisava de mim, eu precisava cuidar dela e não me importava de ser uma acompanhante se isso lhe desse uma vida razoável.

— Não gosto quando você sai – declarou Charlie – Sinceramente, acho que...

A interrompi.

— Charlie, você sabe que não posso pagar o tratamento só trabalhando em um café. E eu não me importo Evan é rico e ajuda no tratamento, além do mais ainda temos que pagar o aluguel – forcei um sorriso – Você sabe que o câncer...e nossos pais não deixaram dinheiro nenhum. E eu vou dar um jeito nisso.

Ela foi diagnosticada com câncer de pulmão aos dez anos, há seis ela convive com isso. Dentre os tipos existentes felizmente ela tem o caso mais comum conhecido como adenocarcinoma. A cirurgia nunca é muito eficaz nesse caso, optamos por utilizá-la como último recurso.

Charlie fez a radioterapia, fez pouco efeito, mas nem metade do que era para ser feito. Consegui o dinheiro para fazer um procedimento chamado ressecção completa, embora houvesse um risco, já que poucas pessoas são candidatas a ela, felizmente minha irmã era.

Rendição (COMPLETA) [EM PROCESSO DE REVISÃO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora