– Nos daria o privilégio de seu nome? – Jimmy pediu, o incômodo à coxa em muito aplacado pela euforia em saber mais sobre aquela noviça.

Embalando a última toalha, ela replicou num leve sorriso – parte lisonjeado, parte sem jeito:

– Joana. Joana Lorieau.

Como que animado em ouvir a resposta, Roberts tentou mais uma vez se erguer do leito; apenas para ter o corpo quase nocauteado por um terrível espasmo ao encostar o pé da perna ferida ao chão.

– Andar sozinho será um problema por alguns dias – a enfermeira alertou, surgindo à sua esquerda para ampará-lo. – Venha, posso ajudá-lo.

– Melhor não, irmã... – com ar desconfiado, Ted veio da direção oposta. – Levarei Jim de volta ao QG. Fico grato pela ajuda.

James foi tomado pelas sensações conflitantes do reconforto oriundo do contato dos dedos de Joana com seu braço, servindo-lhe de apoio, e da insatisfação em relação a Theodore pela intervenção indesejada, fazendo-o lançar-lhe um olhar tão ameaçador quanto os nazistas apontando as Lugers.

– Ela pode vir conosco – Roberts retificou, conseguindo ficar de pé com a ajuda de Joana. Depois se voltou a Ted: – Você servirá de escolta para protegê-la nas ruas do caminho até o hotel. Nunca se sabe o que esperar com espiões chucrutes espalhados pela cidade.

– Teria facilitado tudo ela nos levar direto ao convento dela ao invés deste lugar... – o companheiro retorquiu.

A queixa sem cabimento fez Jimmy coçar a nuca envergonhado, ao que a noviça tornou claro o motivo do constrangimento:

– Homens não são permitidos.

Foi a vez de Theodore olhar o chão com as bochechas queimando, James finalmente dando os primeiros passos sobre ele conforme Joana o orientava até a porta.

– Que lugar é este, afinal? – Roberts perguntou ao cruzarem-na.

A resposta não veio dos lábios da francesa, e sim do próprio corredor a seguir: inúmeras pessoas encontravam-se deitadas pelo chão em macas iguais à de Jimmy, algumas somente cobertas de suor em estado febril, enquanto outras exibiam curativos ensanguentados onde antes possuíam membros. Havia indivíduos com as cabeças envoltas em faixas, um homem sem ambas as pernas... E, no auge do desalento, uma mãe fraca e magra segurava, no colo, um menino com a pele repleta de feridas.

Andando de um lado a outro enquanto faziam trabalho equivalente ao de trinta outras de si, três freiras trajadas do mesmo modo que Joana atendiam os doentes; tanto o cansaço quanto a consternação evidentes em seus semblantes.

– Nossa Ordem atua voluntariamente aqui – a noviça explanou. – Isto é o mais próximo de um hospital público com que boa parte de Casablanca pode contar. Várias dessas pessoas foram feridas durante o desembarque das tropas americanas. Outros já sofriam com a miséria devido aos desmandos do governo colonial francês. Seja Paris ou Vichy, pouca coisa muda.

– Soa bem amarga em relação ao seu país... – Ted observou.

– Por isso mesmo não devemos nos prender a governo algum, soldado. A guerra acende o patriotismo em muitos, mas não pode fechar nossos olhos àqueles que pouco têm a se orgulhar desta ou daquela bandeira.

Jimmy não negou o alívio ao saírem ao ambiente aberto da rua, mesmo com o sol escaldante ofuscando sua visão. O coração pesava devido à situação dos pacientes, e até sentia alguma culpa por ter desviado os esforços de Joana a si. O ocorrido ao menos permitira que a jovem, dona de pupilas tão hipnotizantes e senso de justiça tão admirável, o reencontrasse após o fugaz contato daquela manhã. O contínuo roçar do braço da moça ao seu, servindo-lhe de apoio, permitiu que seu interior se tranquilizasse e ele agradecesse aos céus pela presença dela – já considerada a si um presente.

Outono no Rio - DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now