Capítulo III

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Como resposta, o outro soldado ergueu um indicador sobre os lábios, pedindo silêncio sem retirar os olhos do general.

– Percebam que, em minha primeira afirmação, usei a palavra "quase" – Greene prosseguiu. – Enquanto o governo fantoche de Vichy não se decide em depor as armas, alguns núcleos de seus soldados continuam hostis no interior. E desconfio que, mesmo depois da rendição, alguns poucos seguirão lutando.

O general fez uma pausa, contemplando o regimento banhado pelo halo dourado do sol através das janelas, para então informar:

– O 67º foi escalado para cuidar de um desses núcleos. Está situado a sudeste, deserto adentro. O alto comando cogitou ignorá-lo, mas a posição pode ameaçar tanto nosso avanço ao sul quanto a leste, impedindo que nos reunamos às demais tropas na Argélia.

– Parece que a guerra prosseguirá mesmo a leste daqui... – manifestou-se um coronel, sem pedir permissão a falar; o que, todavia, não incomodou o general.

– Hitler jogará suas cartas na Tunísia, é o que apostamos – o ar grave de Greene foi suavizado por breve sorriso. – Partiremos em quatro dias. Até lá, o comando conta com nossa ajuda para patrulhar as ruas da cidade. Estão dispensados.

O general arrumou os papéis novamente na pasta e saiu, enquanto todos os soldados também se levantavam e encaminhavam-se à porta entre bocejos e resmungos.

O soldado moreno de antes, reunindo-se ao companheiro que o cutucara agora com abertura a conversar, indagou em tom intrigado:

– Como soube dessa negociação entre Eisenhower e os franceses?

– Ouvi um pessoal da Inteligência comentar naquela taverna à qual fui ontem à noite – o outro esclareceu, balançando a cabeça em pretensa reprovação. – Umas bebidas aqui, outras ali, e já estão disparando segredos de Estado a quem quiser escutar. Aqueles pôsteres mandando a gente calar a boca para o inimigo não ouvir... Ah, como fazem sentido, Jimmy!

Percorrendo um dos corredores do térreo do hotel – decorado com tapetes no chão e paredes, colunatas de padrões coloridos e lâmpadas em suportes forrados de arabescos que tornavam sua luz admiravelmente fragmentada – a dupla logo chegou à recepção junto a outros soldados, detendo-se a poucos passos da saída à rua.

– O sargento instruiu a nos reunirmos na Praça Lyautey – lembrou o militar inteirado dos assuntos de Inteligência. – De lá partirá nossa patrulha.

– Uma boa caminhada sob o sol, então – suspirou o colega, fitando de maneira vaga a claridade penetrando pela porta.

– Uma boa caminhada...

Andar pelas ruas e vielas de Casablanca deu vazão em James Roberts a uma série de recordações. Se o hotel, tão diferente do Copacabana Palace, privara-o de lembrar-se do primeiro encontro amoroso com Maria Aparecida, o clima exterior remetia tanto ao Rio que o soldado sentiu vontade de pegar o primeiro bonde ao Leme para vê-la – caso houvesse uma linha cujos trilhos atravessassem o oceano.

Os sobrados e prédios compondo a Cidade Velha – ou, em árabe, "Medina" – formavam extensão contínua de contornos quadrados e telhados planos até o porto, os vãos entre si criando um labirinto de becos que os estrangeiros sequer cogitavam adentrar. Avançando ao lado do amigo, Jimmy tinha seus sentidos inebriados por uma mistura de cheiros, sons e visões; a metrópole árabe pulsando viva diante de si ao rumarem até seu coração.

Conforme as ruas se abriam à Praça Lyautey, no entanto, ambos avistaram algo que aludia mais às suas terras natais do que propriamente ao Marrocos...

A fileira de mulheres de véu e túnica no começo pouco se diferenciou de um grupo de senhoras muçulmanas ocultando suas figuras. Porém, o padrão das cores nos trajes – preto e branco – e os crucifixos pendendo dos pescoços indicavam uma devoção distinta do islamismo.

Outono no Rio - DEGUSTAÇÃOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora