Admirando o espetáculo, seu olhar acompanhando os contornos curvos do Pão de Açúcar tal qual fosse um doce gigantesco imerso num panorama ainda maior de delícias, James perguntou-se se outro lugar do mundo podia oferecer o mesmo deslumbramento que o Rio. Mesmo com o país vivendo entre a euforia e a tensão, sujeito à vontade de um ditador, os braços abertos do Cristo ao topo do Corcovado aparentavam garantir bênçãos suficientes para que o encanto daquela terra não se perdesse – e, embora a criação protestante do rapaz o houvesse ensinado a repudiar ídolos, não podia agradecer mais àquela representação de Deus pela dádiva.

Um presbiteriano com inclinação ao catolicismo; criança do frio Connecticut que, mesmo com pouca resistência ao calor, preferia muito mais as praias tropicais... Um cidadão norte-americano registrado com nome inglês, mas cuja pele parda e cabelos negros, herdados da mãe, remetiam muito mais àquela outra terra.

Assim era James Roberts, marcante ponte entre os Estados Unidos e o Brasil. E o rapaz vinha cada vez mais considerando dinamitá-la, estabelecendo-se de vez daquele lado da travessia.

– Precisa perder esse receio, gringo – aconselhou Chico. – Se não deixar que o samba baixe aos seus pés, nenhuma moça vai notar seus encantos.

– Existem as mulheres que não gostam de dançar... – James protestou, as mãos enfiadas nos bolsos reforçando seu incômodo com a direção da conversa.

– Como a Cidinha? – Almir especulou. – Com o perdão da palavra, mas, estando com ela, aí sim você dançaria!

O amigo se referia ao temperamento difícil da jovem, digno de notoriedade em todo Rio de Janeiro. Menina rica, tratada com tudo do bom e do melhor a ponto de se tornar enjoada. Sendo também de família abastada, James costumava frequentar os mesmos espaços que Maria Aparecida e seus pais, o que lhes garantira certa aproximação. Jamais ousara partir a um flerte, todavia; ainda que ela se mostrasse aberta. Não bastando as histórias que a cercavam, o próprio rapaz sentia-se velejando seu barco por águas tempestuosas demais.

– Eu e a Cidinha somos só amigos – James justificou-se, querendo ter um guarda-chuva para cobrir-se das alegações dos chegados que sabia virem em seguida.

– A depender do pai dela, vocês já estariam casados com o Vargas como padrinho – Almir provocou. – O general vive falando aos quatro ventos que quer um marido estrangeiro à filha. Americanos são ótimo partido... Embora eu tenha certeza que o velho preferiria um alemão!

Sabendo do envolvimento do pai de Cidinha no Ministério da Guerra e da posição majoritária favorável a Hitler em seus corredores, James compreendeu e não se irritou com a analogia. Temia, aliás, que um dia a estátua do Cristo desse lugar a um monumento em pedra do líder nazista com o braço em riste e bigodinho à cara. Não que política realmente lhe importasse e o alinhamento de Vargas com a Alemanha o irritasse a nível pessoal, porém era algo capaz de trazer a guerra até ali – e com isso seu paraíso estaria comprometido.

Droga, seria ele tão egoísta assim?

– Tem ideia de quando verá sua "amiga" de novo? – Chico questionou malicioso.

– Haverá um jantar diplomático no Copacabana Palace semana que vem, e acredito que ela estará lá com o pai e a família – James respondeu meio desconcertado. – Meu pai é um dos organizadores. Parte do esforço da embaixada americana em estreitar os laços com o presidente Vargas.

– Eu tomaria cuidado, ou seus laços com a Cidinha logo estarão bem estreitos também... – Almir afirmou. – A ponto de não conseguir mais se desenrolar!

Numa careta, James girou um pé e chutou areia sobre as calças do amigo. Este desviou tarde, sem evitar ter as barras da vestimenta cobertas de grãos – revidando ao também erguer o sapato e despejar um amontoado deles sobre Roberts.

Outono no Rio - DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now