Ou seja, conheciam como ninguém a saga dos Monteaux.

Aos poucos, a cerca da fazenda surgiu à minha frente. Nem percebi e já estava de frente à porteira. Abri-a devagar e entrei na propriedade onde minha irmã – que abrira mão do sobrenome "Monteaux" ao se casar – e cunhado viviam.

O sol dava seus últimos suspiros antes de desaparecer completamente. Cruzei a horta, situada perto do celeiro, no qual estavam guardadas as ferramentas e repousavam os cavalos. Eram três belos animais: um macho e forte, embora teimoso, costumava ser montado por meu cunhado Lorieau. Os dois outros eram éguas. Uma delas, de estatura média, era montaria preferencial de minha irmã; e a última, ainda filhote e filha dos dois demais equinos, pertencia à minha sobrinha.

Achava curioso como aqueles cavalos refletiam seus donos no porte e comportamento...

A casa da fazenda não era muito grande: formada por dois quartos, uma sala e uma cozinha com fogão a lenha. Havia uma porta do lado de fora, dando à escada que levava até a adega de vinhos subterrânea; e, também fora da casa, existia pequena construção de um metro quadrado onde se faziam as necessidades da natureza.

Bati à porta da sala duas vezes até meu cunhado atender:

– Ah, é você, Grenoble? Entre.

– Obrigado, Lorieau – respondi, entrando pela porta e notando tanto a careta quanto o tom descontente do anfitrião. – Não parece muito feliz em me ver...

– O que faz aqui numa terça-feira? Você só costuma vir aos domingos. Deve saber que, nestes tempos, visitas inesperadas são mau agouro... Sente-se.

Acomodei-me numa cadeira. Antes havia várias poltronas ali, porém agora só restava uma, onde Lorieau sentou-se. Teve que vender as outras para pagar dívidas na cidade. Cada vez que eu retornava àquela casa, notava mais peças da mobília ou objetos ausentes. As poltronas, por exemplo, desapareceriam uma a cada visita. Era certo que nem a de meu cunhado restaria...

– Por que está aqui, Grenoble? – perguntou Lorieau.

– Tenho algo a contar a vocês – declarei, extenuado tanto pela caminhada quanto o teor da informação.

– É uma notícia boa ou ruim?

– Já que evocou os tempos de guerra logo que entrei, acha poder haver notícias boas neles, meu cunhado?

Nisso, Claire veio da cozinha, apoiou-se ao batente da abertura entre os dois cômodos e, vendo-me, saudou:

– Olá, meu irmão.

– Boa noite, querida irmã.

– O que faz aqui numa terça?

– Tenho uma notícia para dar, como adiantei ao seu marido – fiz uma pausa, bufando. – Mas como se juntou a nós, é justo que toda a casa ouça. Poderia chamar minha bela sobrinha Joana?

– Sim.

Claire foi chamá-la em seu quarto. Ela veio – sorridente, como sempre – segurando seus livros de estudos, pois estava fazendo as tarefas de casa dadas há cinco dias, pois nesse período não tivera aula na segunda-feira. Diante da ocupação nazista, o funcionamento de muitas das escolas tornava-se incerto. Circulavam relatos de professores desaparecendo, alguns envolvidos com a Resistência.

– Olá, tio Grenoble – saudou a radiante jovem. – Muito boa noite.

– Boa noite, sobrinha.

Joana, em seus dezessete anos, era bela como as personagens dos épicos e canções. Tinha cabelos negros, olhos azuis e linhas do rosto esculpidas de modo suave e perfeito. Devido à sua beleza, vários rapazes a cortejavam. Lorieau era severo e não aceitava que nenhum deles tivesse um sentimento maior que amizade por sua filha. Chegava aos extremos dessa ideia, aliás, movido por uma mistura de zelo paternal e fervor religioso: desejava que ela fosse sempre casta e, futuramente, planejava mandá-la a um convento.

Outono no Rio - DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now