Capítulo 0-Cinzas sobre as chamas

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Poeira e sangue, era tudo que se pairava no ar, a destruição diante de seus próprios olhos e o cheiro pútrido de morte estagnava todo o ar

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Poeira e sangue, era tudo que se pairava no ar, a destruição diante de seus próprios olhos e o cheiro pútrido de morte estagnava todo o ar. Corpos de civis e soldados jogados por todos os cantos, banhados com o sangue de vítimas inocentes; homens, mulheres e crianças. As cinzas sobre as chamas dos soldados intimidadores que carregavam grandes lanças-chamas em suas costas, caídos e imponentes. O fogo, que consumia rapidamente as casas de madeira humildes e destruía o pouco que restava daquela pequena vila. As chamas rubras iluminavam aquela noite escura, as cinzas sobrevoavam nos céus e a fumaça subia como um aviso do ataque aquela vila

A chuva que, de pingos em pingos em lugares isolados, timidamente caiam no chão de rua manchadas com vidas inocentes, os sons amenos que a garoa fazia ao bater nos metais dos tanks espalhados ao longo da rua e que iam aos poucos lavando as poças rubras de sangue disperso no chão da alameda de tijolos ladrilhados, apagando as chamas e as poucas brasas que restavam entre as casas

As flores vermelhas estavam florescendo no horizonte sob o anoitecer. As chamas aumentavam as sombras dos grandes veículos de metal abandonados e vazios, eram cadáveres e as almas errantes, e esses cadáveres estavam a mercê dos pássaros noturnos

Um silêncio cruel ecoava...não um silêncio, mas apenas as gotas de chuva que aos poucos aumentavam

Envolto por aquela luz carmesim, a figura daquela garota, com olhos esverdeados e rosto sujo, com os cabelos longos e escuros, encobrindo sua face, de estatura baixa; apenas uma criança, que trazia consigo a morte...Suas roupas cor de fuligem eram trapos esfarrapados e rasgados de uma camiseta que era grande de mais para ela, que mais se parecia com um vestido. Uma gargantilha escura, que, de alguma maneira, lembrava a um cachorro treinado, estava presa a seu pescoço. Um cheiro que parecia com uma mistura de chuva, animais selvagens e sangue exalava do corpo dela. Tudo que a envolvia era sujo. No entanto, em vez de simplesmente ser uma criança ligeiramente lamacenta que precisava ser limpa

Não haviam palavras que pudesse usar para descrever o sentimento que sentia ao ver aquela garota sobre a chuva, coberta com o sangue daqueles soldados, sendo lavado pela água fria da chuva, que ao mesmo tempo, fazia doer as feridas de cortes e queimaduras por todo seu corpo. Mas aquela dor não era nada para aquela garota, aquela chuva numa noite fria não impedia que a chama de sentimentos ruins a consumisse por completo. Seu rosto frio com uma expressão apática, não era comum de se ver em uma criança; aquilo não poderia ser mais uma criança. Aquele mesmo olhar de um soldado; uma máquina de guerra, mesmo em seu belo rosto inocente, refletia a perda de sua inocência. E era isso que aquela jovem e bela garota sentia, um vazio, causado por raiva, tristeza, uma vingança que terminava em lágrimas que decaiam em seu rosto misturando entre os pingos de chuva e suas mãos que segurava um revólver manchada com o sangue de seu antigo dono

—Me perdoe, Deus, por favor me perdoe—ela implorou em um sussurro fechando os olhos, encarando a pistola ensanguentada em suas mãos

Naquela noite, consumida pelas chamas que transformara as memórias daquelas vidas perdidas em meras cinzas de lembranças, que desapareceriam em meio a uma guerra sem propósito.

Ich kann das Licht sehen

Essas foram as palavras que ressoavam em sua cabeça, uma frase de um idioma estrangeiro, que para ela não era tão estranho assim. Aquelas lembranças distantes sempre a assombravam; fantasmas passados. Um pesadelo que sempre iria a perseguir

Mas é isso que eu mereço

Repetia para si mesmo. Não conseguindo se perdoar por aquela noite. Nem era isso que buscava. Para ela, não era alguém merecedora de perdão, seriam meras palavras vazias, que não traria as vidas que haviam tirado; uma desculpa para esquecer seus pecados

Foi quando finalmente a garota acordou de seus sonhos ruins...memórias distantes ruins

Órfã de Guerra(História sem capa)Where stories live. Discover now