14. A verdade dói

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A humana fez com que ele apoiasse a testa suada no seu ombro para envolver o seu abdômen com uma longa atadura, assim Ji-ah não correria o risco de encará-lo, estava difícil fazer isso naquele momento.

Yeon a observa com cuidado, notou que ela se mantinha focada no que fazia para não ter que encará-lo, ele chegou a ter uma ponta de esperança que eles não fossem ter uma discussão.

— Então, você vai me dizer agora o que está acontecendo? — Yeon viu suas esperanças irem pelo ralo ao ouvir a voz de Ji-ah pronunciar essas palavras enquanto finalizava o curativo colocando um pedaço de esparadrapo. Esse foi o tempo que ela teve para reunir forças para olhar Yeon nos olhos, precisava ter aquela conversa olhando para ele.

— Taluipa me deu um serviço... — com muito lamento Lee Yeon foi contando para ela a respeito das almas terem escapado, de Rang e do trato com Taluipa. A medida que falava via a expressão de incredulidade no rosto de Ji-ah.

— Ji-ah, mas entenda eu não podia... — ele começou a argumentar, mas ela o interrompeu.

— Porque você ainda não me conta nada? — Ji-ah se levantou, passou uma das mãos no cabelo tentando organizar os pensamentos.

— Pelo mesmo motivo amor, eu não queria que se machucasse e nem fizesse algo perigoso para tentar me proteger. Você passou toda a sua vida buscando viver normalmente como as outras pessoas, e justo agora que você conseguiu, eu não poderia tirar isso de você. — como o espaço entre a mesa, Ji-ah e ele era pequeno, Yeon se manteve sentado, tinha a cabeça inclinada para cima para que pudesse vê-la.

— Yeon pior do que ter uma vida atribulada por conta de seres míticos, é ter sido enganada por você. Eu estou me sentindo uma tola, você me fez pensar que era um humano, me preocupei com você durante todo esse tempo à toa, sem falar na Mi-rae, a nossa filha, Yeon...

O peso da verdade havia atingido Ji-ah como um mar revolto, sentia como se tivesse sendo engolida pelas ondas e sendo atraída cada vez mais para o fundo do mar. Ela deu as costas e se afastou alguns passos, levando as costas da mão direita a boca. Ainda não tinha parado para pensar sobre a filha, ela também era uma raposa, e não tinha ideia das implicações que isso teria na sua vida. Seus ombros penderam e as lágrimas vieram, a humana estava triste e ferida.

Entendia que o que Yeon havia feito teria sido para poupá-la, mas agora ele tinha se machucado, e se tivesse acontecido algo mais grave? Ela saberia como? Ficaria como? Não dava para relevar algo assim tão sério, ela precisava colocar a cabeça no lugar, e Yeon precisava entender que eles eram um casal, e que por mais que as coisas fossem atípicas, ele teria que aprender a compartilhar as coisas com ela. Ji-ah sentiu as mãos frias de Yeon nos seus ombros, ele estava prestes abraça-la e se desvencilhou dele antes disso.

— Eu preciso de um tempo, Yeon.

— Ji-ah...

Apesar de ter certeza do que tinha dito, era difícil para ela olhar para Yeon naquele momento, agora além de abatido olhava para ela com uma expressão triste, e não sabia o que poderia fazer caso ele voltasse a falar de novo. Deu as costas para ele sem ouvir o que ele ainda teria para falar o deixando sozinho na sala e se trancou no quarto para pensar no que faria.

Ji-ah se sentou no chão com as costas encostadas na porta, por mais que tentasse não conseguia parar de chorar. Ela se lembrou da primeira vez que Yeon tinha ido dormir na sua casa, e do que tinha dito para ele sobre não se apoiar em alguém por ter medo de se decepcionar e acabar sozinha novamente. Esse não era o caso, mas Ji-ah estava sem chão, confiava nele, e ficava extremamente triste por saber que o sonho que ele mais queria realizar não tinha acontecido. Ele não era humano e nem ficaria velhinho ao seu lado vendo Mi-rae se tornar uma mulher.

Ela ouviu a porta da frente bater, Yeon havia saído. Passaram várias coisas pela cabeça de Ji-ah, a mais concreta era que ela realmente precisava de um tempo para digerir tudo isso. Sem pensar muito nas consequências que seu ato poderia levar, pegou uma bolsa grande e colocou algumas mudas de roupas dentro dela.

Ji-ah pegou a bolsa e foi até o quarto da filha, que dormia profundamente. Ficou olhando para ela no berço, deixando escapar um suspiro ao ver como Mi-rae lembrava o pai, e só agora ela tinha a verdadeira noção do quanto. Eram muitas as suas dúvidas em relação a filha, se preocupava bastante com o futuro dela, não seria como uma criança normal. A mãe se culpou um pouco, se não tivesse trabalhando tanto e ficasse mais tempo com a filha, talvez tivesse percebido os sinais de que a Mi-rae era uma meia raposa antes, precisava corrigir isso imediatamente. A humana pegou a bolsa da filha e começou a arrumá-la também.

— Mamãe? — Mi-rae diz em pé no berço, coçando o olho.

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Yeon saiu de casa para dar mais espaço para Ji-ah. Era angustiante demais ouvi-la chorar e não poder tê-la nos braços, se perguntava quando que essa noite acabaria, estava exausto, e se sentindo bastante culpado. O que seria dali pra frente? Por mais que estivesse triste e angustiado por ter brigado com Ji-ah, sentia que um peso de uma tonelada havia saído de seus ombros. Agora que ela sabia de tudo, achava que seria um pouco melhor a coleta da quarta alma sem ter que inventar mais alguma outra desculpa para ela. Ainda faltava uma alma a ser coletada antes do irmão, e o silêncio de Taluipa sobre isso o incomodava bastante, mas não conseguia pensar bem sobre isso agora. O que ele queria mesmo era voltar para casa e poder se resolver com Ji-ah, passou muito tempo esperando por ela, e não queria perder tempo com brigas.

Deixou seus passos o levarem até uma praça há uns quatro quarteirões de distância da sua casa. O outono estava chegando ao fim e as temperaturas já começavam a cair, Yeon colocou as mãos nos bolsos, saindo uma fina camada de fumaça da sua boca ao respirar. Yeon detestava o frio e poderia passar mais mil anos, nunca se acostumaria com ele.

Ao longe, avistou uma figura sentada num banco, ele parecia distraído e a forma despojada que  os braços estavam por cima das costas do banco o lembrava muito alguém. Foi então que lembrou de onde o conhecia, era o filho de um dos convidados da sogra no jantar, Yeon se perguntou o que ele estaria fazendo ali àquela hora da madrugada, o rapaz morava por perto, talvez? Não estava muito a fim de conversar, mas seria indelicado passar por ele sem cumprimenta-lo.

I'll be there: uma segunda chanceWhere stories live. Discover now