VINTE E NOVE | A VERDADE

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         Malya queria acreditar que possuía algum tipo de pureza, porém as sombras no seu coração lhe lembravam constantemente o quão quebrada ela era. Não compreendia o porquê do destino tê-la colocado como Lectus. As dúvidas só acumulavam sua tormenta cheia de culpa e fracasso.

         — Tens razão. Não és uma heroína, és uma guerreira. Resistiu todos esses anos a um portal infernal que jazia dentro de teu peito, irá sobreviver às lembranças. Não desista agora. – Arden dizia cada palavra com toda a verdade de sua alma. – Se estás certa, como eu acredito que está, iremos perecer em muito breve. Só tu podes nos salvar. Não peço que faças por mim, mas pelos outros. – ele se afastou da cela, dando seu último incentivo para destruir o derrotismo dela.

        O príncipe deu as costas para Malya, caminhando até um arbusto, onde pegou as sacolas e armas da celosiana. Colocou-as na abertura da cela, depois saiu. Deixando a mulher imersas aos seus pensamentos. Relutava entre acreditar nele, com uma esperança ingênua, enquanto sua dor magoava o peito. Uma farpa impossível de ser retirada. A questão era se Malya enfiaria a lasca até que ela findasse sua vida ou tornaria o objeto parte de si, usando como uma arma.

    Kelaya era uma traidora. Estava mais que certa disso, fizera questão de apontar para os outros, ameaçara a mestiça. Como faria isso entocada na cela? Entregue ao derrotismo? Seus amigos estavam em perigo, mesmo eles lhe tendo negado apoio, ainda se importava com eles. Tinha passado por tanto, sobrevivido à dúzias de coisas assoladoras, matou Lappam e expulsou a voz de sua cabeça. Foram anos de resistência, de comprometimento e luta para que se tornasse forte. Construiu um alicerce, uma confiança em si mesma e nas habilidades que as feiticeiras  cultivaram, descobriu isso com o decorrer dos desafios. Mas o passado tragou tudo como uma onda derruba um castelo de areia, sem compaixão.

     Todavia, Arden dera a ela a oportunidade de escolher. Jogar tudo fora e se entregar aos pecados de sua vida, esperando um encerramento cruel ou abnegar da culpa e se erguer? Escolheu a segunda opção. Levantou-se e pegou suas coisas, saiu do acampamento com passos sorrateiros. Conhecia o deserto, ficaria lá, até descobrir o que deveria fazer. Não tinha muito tempo para pensar, mas estava certa de uma coisa: não podia fazer nada pelas pessoas que matou, entretanto, podia fazer algo pelas a que ainda estavam vivas.

     Assim que ficou a uma distância segura do acampamento, começou a correr, temendo que percebessem sua ausência. O príncipe, já tinha um plano pronto, desferiu uma lesão com sua lâmina no próprio abdômen. Diria que Malya fugiu com o uso de magia, isso daria a ela tempo de fuga e permitiria que ele continuasse no grupo. Rezava para que as coisas se ajeitassem depois, confiava nas habilidades e índole da celosiana.

   ✶✶✶

      Malya andou entre os paredões rochosos na busca por um abrigo, tinha avançando na direção da Fronteira Mortem. Na sua cabeça, um artimanha se tecia, esperaria a expedição passar por ali e interceptaria Kelaya. Depois disso? Bem, isso ainda não estava definido. Escondeu-se entre duas pedras que eram um pouco mais altas que ela, o solo já não era arenoso mas árido e algumas cactáceas esverdeavam o laranja infinito. Escutou os canidae uivarem ao longe, sentiu saudades de quando os coiotes gigantes eram sua maior preocupação. Riu consigo mesma da tragicomédia que sua vida era, amaldiçoada por tudo e todos. Sem amigos ou conquistas. Um nome roubado e uns anos de criação por Feiticeiras.

     Fechou os olhos, respirando o ar frio que a variação de temperatura do deserto proporcionava. Encostada nas pedras duras e ásperas, com fome e sede. Era uma noite de lua carmim, a luz vermelha se escondia nas nuvens que figuravam no céu. Ouvia os insetos do lugar, apreciando estar viva. Desejou voltar no tempo, retornar para época, na qual vivia com a Feiticeiras das Dunas, aprendendo encantamentos bobos e movimentos com espadas. Quando trabalhava na fábrica, ouvindo as falas vulgares de Pashan e recebendo os pães recheados de presente. Quase podia esquecer do medo que sentia no mesmo período, quase.

Contos de Lucem - Ressurgir SombrioDove le storie prendono vita. Scoprilo ora