VINTE E TRÊS | A TRAVESSIA

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        A moça ficou desconcertada por ter revelado tanto, passou a mão na testa, avaliando se deveria contar.

        — Roubei ele. Anh, bem... Isso não é o mais honroso, mas Malya Basmah era nome de uma menina em Celosia. Ela era filha de um mercador, que... – conteve a língua. – É uma história longa.

          Malya Basmah era nome de uma jovem filha de um mercador de água, a família dela foi toda assassinada pela gangue de Lappam. A Lectus já estava sob o poder do bruxo nesse período, lembrava-se da mãe da família morta chamar a filha. Com pouca idade, a órfã assumiu a identidade daquela que perdeu a vida tão precocemente. Antes disso, as pessoas lhe chamavam de cordeirinho ou ratinha do deserto. Ter um nome, fez com que ela se sentisse uma pessoa de verdade. Ainda que sempre que a noite caía, Lappam lhe usasse como objeto.
 
         — Um dia você me conta. – Zaire sorriu, vendo a moça se levantar. – Malya, espere um momento.

         A celosiana retornou ao seu lugar, olhou para os olhos castanhos do rapaz e a cicatriz que não atrapalhava em nada a beleza de seu rosto.

         — Sim? – indagou.

         — Poderá contar sempre comigo. Eu prometo. – ele apertou a mão nua da morena, a qual enrubesceu assentindo envergonhada. Zaire usara muita coragem para dizer aquelas coisas, porém sabia que a mulher precisava daquilo. E ele estava disposto presenteá-la com o suporte.

       A celosiana saiu da fogueira meio cambaleante, não sabia de onde vinha aquelas sentenças reconfortantes, mas agradeceu mentalmente o apoio. Os irmãos palladianos já tinha ido para a própria cabana. Assim como a princesa, que passara a maior parte do caminho bocejando e reclamando com seu irmão, por conta das poucas paradas.

         — Não me leve a mal, Basmah. Mas preciso que passe a noite na mesma barraca que eu. – Arden interceptou a mulher, no instante que ela se afastou da fogueira.

         As barracas estavam distantes da área de alimentação, o maior contingente de soldados permitia tal luxo. Do mesmo modo que nenhum dos membros da expedição precisaria ficar em claro fazendo vigias, já que tinham outras pessoas a quem delegar essa função.

         — Compreendo. – meneou a cabeça derrota, segurava o cajado firme, como se o gesto evitasse que o objeto caísse em mãos erradas.

           — Trouxe algumas almofadas para teu conforto, não precisas dormir só na lona. – o smaragdino afirmou, tentando ser gentil.

        Os locais, nos quais dormiriam seguiam nos extremos da tenda. O silêncio que pairava era no mínimo desconfortável para ambos.

         — Sei que não gostas disso. – Arden quebrou o acordo tácito do ambiente. – Também não me agradas que fique aqui contra tua vontade.

          Malya permaneceu calada, escutando o som metálico da armadura sendo retirada. O príncipe gemeu um pouco, ainda sentindo as lesões em processo de cura. A celosiana se lembrou da travessia do Mar Asiri, na qual as Sirenas lhe induziram a uma fantasia que tinha o príncipe e o amaranto como personagens ativos. Apertou as pálpebras, tentando fazer as lembranças sumirem. Sentia-se patética por tecer um devaneio tão ridículo, cheio de uma adolescência tardia e de uma luxúria que ela não tinha o direito de apreciar.

        — Não sou seu colega de quarto ideal, embora esteja disposto a fazer o possível para me tornar. – o espírito zombateiro de Arden que se apagara momentaneamente nos últimos dias, estava acesso outra vez.

         — Pode começar calando a boca. – retorquiu sucinta, arrancando uma gargalhada do príncipe. Apertou o amuleto preto e caiu no sono.

Contos de Lucem - Ressurgir SombrioWhere stories live. Discover now