Capítulo II - Os parças do futebol

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Se tem uma coisa que minha família sabe fazer é dar festa. Quando desci, petiscos e salgadinhos já estavam rolando pela festa. Abuelita me puxou pela mão antes que eu pegasse uma caipirinha que passava na mão do garçom.


- Hija, comprei vinho branco que você gosta. Deixa essas bebidas ruins para os convidados. Pedi que deixassem na geladeira, vai lá e se serve quanto quiser. Comprei uma caixa para nós duas – Abuelita levantou a taça e eu entendi o recado. Ela sempre falava que precisávamos manter a linha e sabia que vodca era o desvio de todas as linhas para mim. Cochichei com o barman que pegasse meu vinho e segui para a área do salão cumprimentando as pessoas e dando uns sorrisos falsos para os amigos da família que eu não gostava.


Bernardo me encontrou enquanto eu ia em direção ao garçom com coxinhas e perguntou como resolvi o problema do chuveiro. Inventei que era só encaixe e demorei porque faltou o jeito, mas que tinha resolvido. Ele pareceu acreditar e meus olhos encontraram os olhos da Carol, em uma mesa cheia de meninas. Ela me sorriu discreta e eu acenei com a cabeça. Analisei a mesa e constatei que não seria bom chegar ali. Das seis meninas, eu já tinha ficado com cinco e a sexta era a namorada do meu primo que, por sinal, me odiava por algum motivo que eu não lembro, mas ela com certeza sabe, porque me olhou com laser nos olhos.
Felipe gritou, literalmente gri-tou para que eu me juntasse aos meninos em uma mesa próxima ao barril de chope e fui sem pensar duas vezes. Conversamos sobre tudo, principalmente tudo o que eles tinham vergonha de falar perto das meninas que andavam com a gente mas, de acordo com eles, eu era "parça" e nosso grupo no aplicativo de mensagem chamava Parças do Neymar e só tinha eu de mulher no bonde. Todos com idade entre 20 e 25 anos mas, quem nos ouvia conversar, jurava que tínhamos 14 anos por comentários idiotas que soltávamos só por nos sentirmos confortáveis. Eu estava de costas para o salão, então, completamente a parte do que acontecia atrás de mim, até que Felipe me chutou com a discrição de um mamute para que eu calasse a boca. Era meu primo vindo com a namorada de poleiro, Carol e mais uma amiga.
Carol me abraçou como se fôssemos amigas e meu primo começou a conversar sobre jogarmos uma partidinha de futebol no campinho do condomínio e, comigo, dava para montar dois times. Em minha terceira taça de vinho, já vi que o plano de minha abuelita de me manter no eixo ia dar errado. Carol sussurrou no meu ouvido sem que ninguém percebesse.

- Por favor, fica no time dos sem camisa – e continuou com cara de paisagem enquanto os meninos concordavam em jogar antes que anoitecesse e enchesse de mosquito. Bê ficou encarregado de pegar as blusas e shorts para jogarmos, inclusive o meu, que já estava no meio dessa bagunça. Carol conversava distraída com a amiga sobre alguma série de TV que eu nunca ouvi falar, mas não tirava a mão do meu ombro, o que fazia Felipe praticamente ter um tique nervoso mexendo a cabeça como se quisesse me avisar que era para tirar o braço dela dali o quanto antes.

Pedi licença e fui ao banheiro social me trocar assim que Bernardo voltou com as roupas. Ao sair do banheiro, encontrei minha avó, que balançou a cabeça negativamente e riu. – Estava igual uma princesinha e agora com essa chuteira pendurada no ombro...
Dei um beijo em sua bochecha, aproveitei para matar o restante do vinho que estava em seu copo e ri de volta – É só futebol com os meninos, buelita. Jajá volto de princesinha para a senhora.

Na direção do campinho, onde os meninos esperavam, encontrei minha madrinha com uns amigos e fui intimada a parar para cumprimentar. Carmem, espetacular com seus 45 anos, o marido e os três filhos iriam passar o final de semana hospedados conosco e eu ri falando que seria divertido ter tanta gente em casa. Aproveitei para avisar à minha madrinha que talvez estendesse as férias para ficar mais uma semana com meus avós o que, de verdade, não faria diferença nenhuma na vida de ninguém, mas eu só queria uma desculpa para ir para o campinho.

Alguma coisa sobre o tempo, sobre o destino e sobre vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora