___ Credo, papo sério assim tão cedo!

___ Crau, não me faça apelar!

___ Tá bom, é melhor prometer logo antes que você declare que vai sair por aí contando os meus podres! Mas é aquela história de sempre, camarada: eu seguro os seus, você segura os meus!

___ Eu sei que eu vou me arrepender... – com direito a gestos negativos de cabeça e praticamente arrancando os cabelos, Eros continua — Mas, se eu não contar isso a alguém, logo, vou explodir!

___ Na verdade você é gay e só pegou tanta mulher a vida inteira para não ter que confessar que a sua verdadeira paixão é mesmo uma rola desse...

Eros imediatamente se levantou e saiu, não olhando para o sinal que o estilista fazia com as mãos, já gargalhando.

___ Meu, espera aí! Eu tava só te zoando para descontrair o clima! Eros, volta aqui!!!

Num salto, o flexível estilista, que até então sentara em posição de iogue no chão, deixou seu apartamento, adentrando a sala vazia de Eros, em seguida.

___ Eu juro que, a partir de agora, vou ficar em silêncio cara, juro! – e levou ambas as mãos a boca, empurrando a porta com o pé.

___ O dia em que você ficar em silêncio — enfatizou — Eu confesso o quanto eu gosto de rola!

___ Tá bom! Não está mais aqui quem falou, foi uma provocação patética, eu sei, é que eu ainda não tomei minha dose de cafeína e cara, confesso que estou meio desequilibrado porque a caixa tá muito cheia, sabe como é, desde que mudei ainda não peguei ninguém e...

O alto suspiro de Eros fez Crau calar-se, recolocando as duas mãos sobre a boca.

Eros se recostou no balcão de madeira que dividia a sala da cozinha e cruzou os braços nus:

___ Posso falar agora?

Ainda com as mãos sobre a boca, o estilista fez um exagerado gesto positivo de cabeça.

___ O que você sabe sobre a Catharina?

Imediatamente os olhos de Crau refletiram um brilho enlouquecido e acusador que ele conhecia bem.

___ Ah! Sem palhaçada você prometeu!

Sorrindo maliciosamente o estilista sentou-se ao lado dele, sobre o balcão:

___ Primeiro, eu sabia que você ia gostar! — o sinal de violão que ele fez com as mãos foi solenemente ignorado por Eros — Tá, tá legal, deixando tudo isso de lado e olha, não é pouca coisa não! — riu outra vez, gesticulando como se estivesse amassando algo no ar, mesmo diante da expressão impassível do amigo — A gata é absolutamente sensacional! Tenho conversado bastante com ela desde que cheguei e cara, ela é tão brilhante e doida, quanto é gostosa!

O olhar reprovador de Eros fê-lo sentir que ofendera a honra de uma donzela ou coisa assim e isso era absurdo! Desde quando falar que uma mulher é gostosa era ofensa?

___ Como assim brilhante e doida?

___ Porque gostosa você já conferiu, né? — mais risos unilaterais — Você logo vai saber! Como a própria me disse, daqui a uns dias você se acostuma e nem acha mais tão estranho assim!

Ele se lembrou, ela dissera ao próprio a mesma coisa. Desistindo de tentar entender e se sentindo muito ridículo para perguntar se ela tinha algum homem especial em sua vida, ele decidiu continuar e recomeçou, titubeante:

___ Crau, ela é... Lembra daquelas fotos antigas que eu vi no castelo dos Rossi?

___ Como vou esquecer? Você ficou uma semana falando sem parar em como o cara da lenda mais famosa de Vila Velha do Caminho Real era você escrito e no quanto isso... — Crau se interrompeu imediatamente — Pera aí, ela é...?

___ Sabrina Espósito!

O outro deixou o maxilar cair, como se tivesse praticamente acabado de fraturá-lo.

___ Agora você imagina como é que eu fiquei quando dei de cara com ela na redação! Tive que me convencer de que não estava transportando essa esquizofrenia para o mundo real!

___ Esquizofrenia foi a última coisa a me passar pela cabeça apresentado a Cathy B., cara! — mesmo chocado ele tinha que fazer sua piadinha — Caraca véio, eu não sei o que dizer!

Se o amigo também não sabia, era fim da linha de qualquer jeito.

___ Você comentou algo?

___ Claro que não! O que eu ia dizer: nossa, muito prazer! Que estranho, há algumas semanas eu vi fotos de uma mulher que foi brutalmente assassinada, que era a sua cara!

Crau suspirou.

___ Isso é a coisa mais absurda que já me aconteceu! E o pior é que eu pareço sair da órbita perto dela, não consigo nem por segundo parar de pensar nas fotos, na história...

___ Que nada! Você tava sussa ontem, até se divertiu, se estava surtado, conseguiu esconder muito bem!

___ Você acha que eu devo contar para ela? Mas como vou chegar num assunto desses...

___ Não conta! — o estilista saltou do balcão — Não conta nada, nadinha mesmo, ainda mais sem provas!

Eros ficou sem entender.

___ Juro, cara, a gata tem umas ideias totalmente não convencionais sobre a vida, relacionamentos e tal! Meu véio, se você chegar falando desses papos malucos, ela te acerta bem no meio da cara, sério!!!

Foi a vez de Eros ficar assustado. Ela era tão louca assim? Lhe pareceu tão simpática! Contendo a curiosidade de perguntar como o amigo, que chegara há pouquíssimo tempo, já sabia tanto sobre Cathy, Eros continuou:

___ Crau, é impossível que tudo tenha sido só uma coincidência, que eu tenha visto por acaso aquelas fotos, apenas alguns dias antes de conhecê-la! — ele se aproximou do amigo, como que querendo convencê-lo — Sabe aquela tatuagem que ela tem, no ombro?

O outro respondeu que sim.

___ Sabrina está com um colar com o mesmo símbolo, em uma das fotos! — ambos suspiraram dessa vez — Eu... Eu não sei o que pensar!

___ Cara, não pense! — o estilista começou, depois de alguns segundos de silêncio — Não dê mais corda para isso porque está além do que eu e você sabemos lidar!

"Grande consolo!" Eros pensou e percebendo isso, Crau continuou:

___ A Agnes é uma pessoa que pode te ajudar com isso! Mas não esqueça que estamos falando de jornalistas, então você tem que ter a prova, cara! Tem que voltar lá e implorar para o Sr. Rossi te deixar copiar aquelas fotos e daqui a um tempo, depois que você estiver mais chegado nelas e na própria Cathy, você decide se vale a pena tocar no assunto.

___ E se ela tiver correndo algum perigo?

___ Perigo... Risco de vida, você quer dizer???

___ Não, não pode ser... Né?

___ Que pesado, mano!

___ Ah, qual é! Isso é ridículo! — Eros descartou a possibilidade. Seria loucura demais. Certo?

___ Ou é uma força superior dando uma segunda chance, irmão!

___ Eu nem acredito em reencarnação!

___ Mas bem que pensou que não podia ser só coincidência você estar tão obcecado em pesquisar sobre a vida de um cara e de repente, ele ser igualzinho a você!

___ Eu só queria provar que a lenda mais famosa de Vila Velha do Caminho Real era uma fraude construída por algum idiota que queria pegar mulher!

___ E pode ter encontrado a SUA mulher!

Resmungando coisas incompreensíveis, Eros dirigiu-se para o quarto e fechando a porta atrás de si, fez Crau entender que o assunto estava encerrado.

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1 "Dia especial", Tiago Iorc, 2014.

Desde o Princípio - Livro 1 - Passado no PresenteWhere stories live. Discover now