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Por: Theodoro

Às vezes eu paro e fico pensando em coisas aleatórias e como o mundo é tão desigual em vários aspectos. Como poucas pessoas tem tanto e muitas têm tão pouco. Longe de mim ser invejoso, ou amaldiçoar a minha existência. Mas, tem dias que a dor é  tão forte que não dá pra segurar as lágrimas, ou os gritos. São  gritos internos, que não dá pra se materializar em sons audíveis. Bom, a vida nunca foi fácil em questão financeira para mim e pra minha família, mas sempre damos valor ao que realmente importa, que é o amor e a humildade. Princípios que minha mãe sempre pregou dentro da nossa casa, que foram absorvidos por quase todos os irmãos.  Enfim, desde muito cedo vejo minha mãe passar horas e horas em uma cozinha, preparando bolos, salgados e doces, pra vender na feira. De vez em quando ela faz os mesmos encomendados para o pessoal do bairro, algo que ela ama fazer e  todo mundo que prova ama e volta pra comer uma segunda vez. O sonho dela é  montar uma pequena doceria, porém  ela ainda não conseguiu realizar seu sonho. Segurando as lágrimas que teimavam em cair  pelo meu rosto. Eu observo minha mãe com uma caixa de sapatos nas mãos.

— Mãe, não precisava comprar esses sapatos — disse pra dona Rosália, vulgo minha mãe — esses sapatos ortopédicos custam o olho da cara!

— Para com isso Theodoro! você precisa desses sapatos. Você já passa por muita coisa meu pequeno — disse ela me abraçando — você acha que eu não vejo sua cara de dor? ou como seu tornozelo fica roxo? 

— Seus irmãos ajudaram a comprar — falou enquanto afaga meu cabelos com as mãos 

— Agora para de chorar meu pequeno — disse secando minhas lágrimas com os dedos. — Eu tô indo para a feira agora, deixei a Sara lá. Porém acho que ela não deve tá vendendo nada. Provavelmente deve está escondida com algum pano na cabeça. 

— Há mãe da um tempinho pra ela — disse tentando dar uma força pra Sara.

— Meu amor eu já dei todo tempo do mundo pra ela se arranjar na vida. Ela não estuda, não quer trabalhar e ainda não quer me ajudar na feira. E pra terminar de escrachar a dona Mirella, a velha fofoqueira da rua me disse que ela tá de gracinha com o Bidu o agiota do bairro.

— Meu Deus mãe! Esse povo fofoqueiro não tem o que fazer. Tenha paciência com a Sara mãe que tudo vai da certo. 

— Bom, vou tentar. Agora eu tô indo, não esquece de tomar os remédios — disse saindo do quarto e fechando a porta. 

 ***

Ajudo minha mãe na feira quando eu posso, porém com os bicos e as faxinas junto com o curso de administração que faço, quase não dá tempo. Sou o filho mais novo da casa. Tenho 3 irmãos mais velhos o Carlo de 30, Heitor de 24, e a Sara de 22. Cada um ajuda como pode aqui dentro de casa, menos a Sara, ela tem o sonho de ser famosa e meio que tem vergonha de trabalhar. O Heitor trabalha de barman em uma casa de show, ele faz faculdade de ciências biológicas. E por último tem o Carlo, mais conhecido como Carlão o mecânico. Ele trabalha em uma oficina aqui no bairro, foi o único que não terminou a escola, parou na oitava série, porque tinha que ajudar a minha mãe com as contas da casa já que meu pai, se é que posso chamar de pai, nos abandonou. Eu não tenho muitas memórias dele, já que era muito pequeno na época. Não sei quando foi que tudo aconteceu, e nem tenho coragem de perguntar já que qualquer assunto relacionado ao meu pai é meio que algo proibido. 

Pego os sapatos ortopédicos e calço, e quando piso no chão sinto um grande alívio. Aos dois anos fui diagnosticado com nanismo proporcional. Isso mesmo que você leu, sou um anão de 1m, e 44cm de altura, bom meu corpo é  uniforme, e perfeitamente saudável, apenas minhas orelhas são meio deformadas e meus pés são sensíveis. Essa sensibilidade sempre me causa inchaços e dores agudas ao andar, mas nunca deixei me limitar, por isso sempre suportei a dor e trabalhei mesmo com os protestos da minha mãe  e dos meus irmãos. Tenho que fazer consultas regulares uma vez por mês pra ver se encontram alguma anormalidade, e faço terapia hormonal. Me arrumo pra ir pra barbearia do Doc, onde limpo e recolho cabelos todos os dias às 8hs da manhã. 

***

Andando pela rua rumo ao trabalho que é  no mesmo bairro onde moro, passo na frente  da casa de Dona Amélia. Gosto muito de conversar com ela, e sempre a visito ela é  uma senhorinha cadeirante, porém muito falante e risonha. Ela é  vó  de dois rapazes, o kaike e o Caio, admito que as vezes eu vou visito sim na esperança de encontrar um de seus netos o  Caio, sempre tive uma paixonite escondida por ele, desde que dona Amélia chegou na vizinhança. E logo depois essa paixão se intensificou, já que ele começou a estudar na mesma sala que a minha. Porém, nunca tive coragem de me declarar, muito por me sentir extremamente feio e insuficiente. Quem iria gostar de um anão albino e ruivo? Ao ver dona Amélia na sacada, aceno de leve e sigo para o trabalho. O bairro não  é  lá essas coisas, tipo não é como você possa olhar e dizer nossa que bairro bonito, que bairro formoso. Mas, ele tem lá seu charme, as casas são  antigas, muitas com a tintura basta, porém na maioria sempre a plantas na frente, vasos de todos os tipos, desde potes de manteiga a vasos mais elaborados de barro. Os portes sempre tem aquele que está  com a luz quebrada ou que não  funciona. 

***

Estou sentado no sofá quando vejo Heitor entrar pela a porta. Sara logo sai em disparada para cima dele.

— Você conseguiu?! — gritou no seu pé de ouvido, Heitor balançou a cabeça afirmando e tirou algo do bolso — Aqui os passes pra casa de show. 

— Meu Deus! Eu te amo tanto — diz pegando os ingressos da mão dele e correndo pro quarto. 

Heitor se aproxima de mim e me abraça por trás.

— Então bebê, por quê você não vai com ela também?

— Eu? Em uma festa? — ironizei já no ar, pois Heitor havia me levantado com seus braços —

me bota no chão agora Heitor! 

— Mandei mais rindo em seguida. 

— Você passa todo tempo estudando ou fazendo esse bicos que você arranja sabe se lá Deus como. Eu acho que um descanso é bom, sabia? Além do mais, tenho certeza que a Sara vai convidar o Caio— falou ele pegando no meu ponto fraco. Heitor era o único que sabia dos meus segredos e sentimentos. 

Nunca fui de sentir calores ou atraído sexualmente por ninguém. Só recentemente que comecei a me descobrir, como já  relatei, quando dona Amélia chegou com os seus netos bonitões, contei pro Heitor que eu me sentir quente perto do Caio, e ele me disse que provavelmente eu era gay ou bi.E que os calores que eu comecei a sentir, se da pela a falta de hormônios que meu corpo não produzia fazendo com que eu tivesse um desenvolvimento sexual atrasado. 

— Mas eu acho que a Sara nunca me levaria — disse meio triste.

—Não se preocupa com a Sara, pois eu vou falar com ela. 

— Então tá bem! — digo o abraçando — Vou me arrumar então.

— Meu Deus não acredito que foi fácil assim! achei que ia ter que te chantagem algo do tipo. 

— Que Horror, Heitor. 

—E se a Sara sumir e só você ficar perto do bar que eu vou esta lar. Então vai logo se arrumar, eu também tô ido fazer o mesmo. 




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