17 - Pela família

49 9 10
                                    

Sahira não falou nada por um bom tempo, em choque pelo que ouvira, e só prestou metade da atenção no que se desenrolou.

Jaguares e onças de várias partes do continente chegaram horas depois da expulsão dos tigres, que levou a madrugada e a manhã inteira para acontecer. Reis e rainhas das florestas, cerrados, pampas e demais regiões se reuniram para discutir o que fazer sobre os leões.

-- Eles invadiram nossas terras! – rugiu o rei Ivair – Devemos mostrar que não aceitaremos isso passivamente.

-- Quantos de nós podem lutar? – a rainha do cerrado perguntou, seu filhote encolhido entre suas patas – Naturalmente os filhotes, idosos, fêmeas grávidas ou cuidando de filhotes pequenos não podem ir para o fronte.

-- Talvez precisemos de ajuda. Acho que os leopardos ao sul de Xangô estariam dispostos a ajudar, suas florestas também começaram a ser tomadas – Anami sugeriu e a maioria concordou com a ideia. Ela e Acir se voluntariaram a partir imediatamente para recrutar os aliados.

Sahira afastou-se pouco depois deles irem, e foi até Iana, sentada debaixo de um pau-brasil.

-- Ekom vai mesmo te aceitar de volta?

-- Ele faria isso porque quer a magia secreta dos leões, e só eu tenho acesso a ela.

-- Acho que meu irmão está em Xangô com ele.

-- Eu ouvi aqueles dois também – Iana olhou para ela, com a mesma preocupação – Mas talvez seja sua mãe, não acha?

-- Mais fácil ser o Sef, disseram que é pequeno como eu. E do jeito que ele é, com certeza quer negociar alguma paz com Ekom.

-- Isso não é bom – Iana flexionou as garras. Nenhuma frase podia descrever melhor a situação.

Sahira foi para cima de um jequitibá, em cujo galho Sirhan se deitara, mirando o nada pensativamente.

-- As onças vão atacar os leões – ela avisou. Ele respondeu secamente:

-- Era o que você queria, não é?

-- Mas você também devia ir. É a sua casa, você pode voltar e lutar por ela.

Sirhan rosnou com raiva e desceu da árvore. Sahira o seguiu e ele falou, sem conter a irritação:

-- Pare de tentar me convencer a ir! Não entra nessa sua cabeça que eu não quero me meter com aquele ligre? Eu estava em paz aqui antes de você e a leoa aparecerem.

Foi a vez de Sahira se irritar. Ela correu para ultrapassar Sirhan e parou de frente para ele.

-- Você acha que é o único que já passou por isso? Eu também vivia em paz na minha casa, mas há coisas que não podemos controlar, como um bando de leões invadindo tudo. Agora podemos fazer algo a respeito em vez de se esconder o tempo todo.

-- E quanto ao Halim? Ele mora aqui há anos e não vejo ninguém repreendê-lo por isso.

-- Ele não estava fugindo de nada, e encontrou um lar aqui por acaso.

-- Eu também encontrei minha casa aqui, e não quero perdê-la. Não quero entrar numa guerra.

Sahira suspirou com tristeza, mas manteve a voz firme ao responder:

-- Também prefiro não brigar se possível, mas tem horas em que é preciso fazer alguma coisa. Se aqueles que podem fazer o bem não se movem para melhorar o mundo, os maus correm livres destruindo-o, e os inocentes sofrem.

Aquele era um dos primeiros ensinamentos de sua mãe, que contara que era o dever de um feiticeiro sempre zelar pelo bem maior quando outro felino tentasse perturbar a paz.

O leão apenas desviou o olhar dela, sem saber o que responder. Sahira virou-se e se afastou dele. Foi na direção do Rio Verde, pois pretendia atravessá-lo para ir a Xangô sozinha se preciso.

-- Ei, aonde você vai? – Halim indagou ao vê-la partir.

-- Ajudar meu irmão. Ele não pode sozinho contra um monte de felinos enormes.

-- E você pode?

-- Sou melhor em magia do que ele, e não sou tão pacifista. Não tente me impedir – olhou para ele pondo as pequenas garras para fora.

-- Não sou seu pai para mandar você parar. Faça o que acha que é melhor para sua família, eu faria o mesmo.

-- Obrigada, Halim.

-- E não se esqueça – Shaya falou do alto de um galho – Ligres costumam ser orgulhosos e fazem de tudo para defender sua honra, mesmo que isso faça mal a eles.

Ela agradeceu a ajuda, apesar de não entender muito bem o que ele queria dizer, e correu até o Rio Verde. Só ao chegar ela lembrou-se que a passagem tinha hora para ser usada, e em breve o sol desapareceria no horizonte, levando junto sua chance de se aproximar de Sef até amanhecer.

Pela sua conta, anoiteceria em mais ou menos uma hora, então era melhor correr. Pulou na rocha mais próxima.

A travessia de Iana se dera em uma hora, mas o espaço percorrido por uma leoa adulta não era o mesmo que um filhote de gato. Sahira apenas via a outra margem ao longe quando a água começou a cobrir as rochas.

Apesar de ter acelerado ao sentir as patas molharem, a água subiu mais rápido ainda, e logo Sahira estava chapinhando, depois nadando precariamente, com a maior parte de sua energia focada em manter a cabeça na superfície.

Enfim ela chegou à margem. Exausta, arrastou-se para longe do rio e vomitou um pouco daquela água salgada esquisita que engolira, sem entender como Halim podia gostar de nadar; ficar tão molhado era horrível. Mas finalmente estava ali, novamente do outro lado do Rio Verde.

Sahira comeu algumas folhas de grama próximas da margem para acalmar o estômago embrulhado e seguiu para a savana que se estendia à sua frente. Apenas distância em terra a separava de Sef agora.

A Feiticeira de BastWhere stories live. Discover now