A tua presença me basta como presente

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Ali, na frente da réplica formulada pela sua mente que se assemelhava à casa de Urokodaki, Giyu se lembrou do próprio aniversário, a vida acordada fresca na memória o trazendo à lucidez necessária para prosseguir. Recordou-se de tudo, desde os parabéns recebidos dos pilares de manhã — alguns mais sinceros e animados que outros — até o momento no qual deitou-se no futon e adormeceu, recobrando a consciência no sonho atual.

Ao seu redor tudo imitava o escuro noturno da montanha, iluminada pela lua cheia e as diversas estrelas mais distantes e reproduzindo o som dos animais locais e do farfalhar das folhas com dedicação. Girou com os pés determinados a não se aproximar de nada, encontrando a porta com o olhar e, consequentemente, se tornando ciente da claridade passando pelas extremidades da porta e janela, alimentando o receio que já nutria por tanto tempo: havia alguém do outro lado.

Para piorar não era qualquer pessoa, sua alma gêmea aguardava dentro da morada.

Desde os dezoito passava por isso, seu subconsciente insistia em escolher a mesma localidade para o encontro que deveria ocorrer duas vezes ao ano, porém nunca se vira chamado para o íntimo da mente de outra pessoa. Era assim que funcionava, a partir daquela idade maldita ele deveria conhecer seja lá quem fosse dentro da residência, todavia ele sempre recusava, uma atitude que ele acreditava ser mútua.

Além de simplesmente sumir entre o alcance da floresta imitada, a outra maneira de evitar se verem era não dormir antes da meia-noite, quando acabava o efeito mais forte da conexão, era o que acreditava que sua alma gêmea fazia. Por outro lado Tomioka tinha uma rotina do sono controlada e não era um evento metafísico que o alteraria quando podia calmamente aproveitar uma caminhada entre as árvores e ainda se sentir relaxado no dia seguinte.

Esta vez não deveria ser diferente, contudo algo na inconsistência do fogo da provável lanterna o fez parar, estava verdadeiramente disposto a fazer isso para o resto da vida? Hoje seria o quinto ano, o aniversário de vinte e um, em fuga do que poderia ser um relacionamento interessante, trazer alívio em meio ao costume de ter companheiros e si mesmo correndo risco de vida incessante.

Por que ele era tão contrário a sequer se verem em primeiro lugar? Que mal lhe faria trocar algumas palavras, conhecer o outro humano? Não era como se necessariamente levasse a romance como a maioria da população exaltava, uma amizade faria bem para lutar com a solidão e a natureza tímida do caçador de demônios.

O jovem se aproximou da entrada, respirando fundo, ainda incerto em tomar a decisão que contrariaria tudo que havia feito nas últimas quatro vezes que se encontrou naquela situação. Empurrou a madeira, sendo recebido com um sorriso feliz e uma voz masculina:

— Cheguei a achar que nunca teria outra chance de te ver.

Giyu paralisou onde estava, analisando o rosto à sua frente com incredulidade, perdendo a pose calma para sofrer o efeitos da surpresa avassaladora que tomou conta do seu corpo, completamente tenso. Nunca lhe ocorreu a ideia que seu parceiro não estivesse o evitando, mas sim morto. Era a única outra explicação, a qual não considerou por preferir crer que tinham um entendimento mútuo de afastamento, uma ilusão para se sentir melhor com suas atitudes.

Sabito o fitava com saudade evidente, sentado no chão do casebre em cima das próprias pernas, ao lado de uma lanterna acesa que iluminava principalmente o lado direito, destacando a cicatriz de sua bochecha e a máscara feita à mão por Sakonji que cobria parte da cabeleira. Estava mais velho, os fios cor de pêssego desciam até metade das costas, as linhas da mandíbula ficaram mais definidas, assim como outras características masculinas, e as roupas se adequavam para altura nova, levemente maior que a do amigo.

O pilar da água imitou o posicionamento do outro homem, observando-o de cima a baixo para absorver que aquilo realmente estava acontecendo, junto com o choque de rever o parceiro falecido ele tinha agora a informação que ele era sua alma gêmea. Aceitou o abraço de bom grado, agarrando a yukata alheia como que para ter certeza que era ele, não conseguindo evitar as lágrimas que passaram a borrar sua visão e molhar o tecido.

A tua presença me basta como presenteWhere stories live. Discover now