POV MILENA

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No outro dia quando acordei, a Luiza já tinha saído. Minha cabeça doía muito. Levantei, tomei um banho e chorei muito, nossa e como chorei. Resolvi voltar logo para a casa da minha irmã, olhei o relógio e vi que já estava na hora do almoço. Estranhei, pois a casa estava quieta, sem conversas, acho que todos saíram. Comecei a arrumar minha mala, ia embora nessa mesma tarde. Sairia um ônibus há uma hora e outro no fim da tarde. Viajaria no da tarde. Escutei o carro dos meus pais chegando. Logo ouvi passos e sabia que eles viriam direto para o meu quarto, me dar um sermão pelo estado que cheguei. Até agora não acredito no que o Otávio me disse. E pior ainda, no que eu fiz. Tinha usado o menino que nem sei quem era, para me vingar de Otavio. Ele era uma graça, muito bonzinho e o beijo dele era familiar. Ouço uma batida na porta e logo meus pais entram, mas param na porta mesmo. Não olho para trás, continuo o que estou fazendo.

_Filha, precisamos conversar.

Meu pai fala atrás de mim. Ele esta se aproximando aos poucos. Me viro para ele e falo.

_ Olha pai, não acha que já estou bem grandinha. Tenho 23 anos, sei cuidar de mim. Estou falando isso porque sei que vão falar sobre o que aconteceu ontem à noite. Não vai mais se repetir, tive uma noite péssima e descontei na bebida. Mas pronto, já aprendi a lição e nunca mais farei isso.

Fico olhando para eles. Um olha para o outro e reparo que minha mãe estava chorando. Vou até ela e a abraço com força.

_ Mãe, se acalme. Confie em mim. Nunca mais irei fazer isso, eu prometo, não precisa chorar.

Sinto minha mãe chorar em meu ombro.

_ Filha, por mais que você mereça um sermão sobre o que aconteceu ontem, não é sobre isso que queremos conversar, aconteceu um acidente com o pessoal da sua turma.

Meu coração para de bater na hora. Cambaleio e me seguro na minha mãe. Depois que o Otávio saiu, eu senti um aperto no peito. Por isso que bebi tanto. Disfarçadamente liguei para ele. Mas ele não atendeu. Eu iria pedir para ele voltar.

Meu pai me olha e diz:

_ Querida, dois que estavam no carro com o Otavio morreram. E o...

_ Não pai, não quero saber quem viveu e quem morreu. Não quero saber. Quero ter na minha memória eles vivos. Não quero saber, por favor, pare de contar.

Eu corto meu pai. Solto minha mãe e vou até minha mala. Fecho ela e me viro para eles.

_ Eu quero que o senhor me leve ate a rodoviária, voltarei hoje mesmo para tubarão.

Não vou ficar aqui, não posso. Não sem ele. Não sem eles.

Meu pai me leva para a rodoviária e se despede de mim. Minha mãe chora abraçada comigo. Eu não derrubo uma lagrima. Peço para irem embora e me deixarem sozinha, com muita relutância eles fazem o que pedi. Vou à lojinha da rodoviária e compro um novo chip, definitivamente não quero contato com mais ninguém que não seja meus pais. Assim que cadastro o chip, eu entro na pagina do Facebook e desfaço minha conta e assim vai... Twitter, Instagram. Todos os tipos de rede social que eu estava eu desfaço. O ônibus chega, entro e sento na minha poltrona. Assim que o ônibus sai da rodoviária eu me permito chorar. Choro muito. Relembro o sorriso de cada um deles, como nos divertimos ate o Otávio falar o que falou. Parece que foi tudo uma despedida. Sei que todos vão pensar que sou egoísta. Mas sei que quem sobreviveu estará mais morto do que quem se foi e também não quero saber quem viveu e quem morreu. Porque se entre os mortos estiver Otávio, meu mundo vai parar. Não posso viver sem ele. Tínhamos tantas coisas para falar, para fazermos juntos. Isso é total culpa minha, se eu não tivesse a brilhante idéia de me vingar dele, agora estaríamos acordando juntinhos, depois de uma noite bem gostosa. E iríamos encontrar a turma e rir com eles, eu iria pedir para minha irmã mandar minhas coisas, pedir transferência da faculdade e avisar no meu serviço que eu não voltaria mais. Eu seria tão feliz. Mas não, eu tive que ser orgulhosa, que estúpida eu fui meu Deus. Como vou olhar para a cara de cada um dos sobreviventes? Não, eu tenho que partir e nunca mais olhar para trás. Eu estou quebrada, uma parte de mim morreu.

Não comi durante a viagem inteira. Apenas sai do ônibus para ir ao banheiro e comprar água. Choro a viagem praticamente inteira. Quando chego a Tubarão minha irmã esta a minha espera, sem falar nada ela me abraça e eu caio de joelhos puxando ela comigo. Eu choro alto, soluço e falo para ela que acabou, que morreram. Ela apenas me abraça.

Rafael ajoelha junto a nós e nos abraça também. Ficamos assim não sei por quanto tempo. Ate que Rafael fala que é melhor irmos embora. Chego em casa, tomo um banho e deito na cama.

Na manhã seguinte, Karina vem até meu quarto e me fala que o Otavio esta bem, teve algumas fraturas, mas esta bem, a Karen também. Mas o Carlos faleceu esta manhã e a Gabi com o Michel na hora do acidente.

Me desabo a chorar. Minha irmã deita do meu lado e me abraça. Choro abraçada a ela, passamos o dia assim, algumas horas eu choro e em outras lembro de coisas que aconteceram no passado e acabo sorrindo. E assim fico por vários dias. Só me alimento quando vejo a Karina chorar me implorando para comer. Mas a vontade que tenho é morrer.

Depois de mais ou menos um mês, minha mãe liga para minha irmã e fala que quer falar comigo ou ela vai vir aqui pessoalmente. Com muita relutância atendo o telefone.

_ Oi mãe, eu estou bem, fique tranqüila.

Vou logo falando.

_Eu sei.

Ela fala com ironia.

_Eu sei que você esta bem. Por isso vou ser curta e grossa Milena, eu não criei a minha filha para ser uma pessoa egoísta, que vira as costas para os amigos no momento que mais precisam. Eu te dei o tempo necessário. Mas agora chega entendeu? Chega! Eu quero que você pegue suas coisas e volte imediatamente. Não quero mais desculpas e nem mais uma palavra. Venha e sofra junto com todos, como uma mulher, não como uma menina de 6 anos mimada. Venha dar a força necessária para seus amigos e assim vocês se ajudam a amenizar essa dor juntos. E finalizando filha, se você não voltar agora, você pode nunca mais ver o Otavio novamente.

Enquanto minha mãe falava, estava chorando, mas nessa última parte me chamou mais a atenção e então perguntei:

_ Espera mãe, como assim? Me explica por que posso nunca mais ver o Otávio?

Fico confusa. Eu preciso vê-lo, abraçá-lo. Preciso estar com ele. Me levanto da cama com o celular no ouvido.

_ Ele tentou suicídio e ficou uma semana internado. E nesse tempo ele chamava pelos que morreram e por você filha. Os pais dele estão desesperados. Me pediram ajuda para te convencer a voltar e ajudá-lo.

Minhas lagrimas começam a cair, ele não morreu no acidente, mas tentou se matar? E se ele tivesse conseguido? Eu iria perdê-lo duas vezes. Ele é um idiota. Minha decisão já esta mais que tomada, vou voltar. E ficarei com ele pelo tempo que ele precisar de mim. Nem que eu tenha que ir morar na casa dele. Eu não o deixarei mais. Ele queira ou não, eu vou ficar junto dele.

Te esqueci? Só que não.Onde as histórias ganham vida. Descobre agora