Capítulo 6 - Separe duas xícaras de momentos únicos

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"Não vai dar certo."

Johann parou de misturar os ingredientes na sua frente, mas foi só quando eu também soltei do lápis e levantei o rosto para lhe devolver o olhar que falou:

"Tem certeza de que quer acabar com seu bloqueio?"

"O que quer dizer?"

"Para quem diz que quer voltar a ter inspiração, você parece sempre pronta para negar qualquer sugestão que eu der."

Desviei meus olhos, mas ainda podia sentir os deles em mim. Kendra tinha falado a mesma coisa na noite anterior, quando liguei para ela para falar do nosso segundo encontro, uma degustação de vinho que tinha saído um pouco do controle a ponto de eu não ter tido nem capacidade mental de me lembrar do bloqueio. Toda vez em que dissera que duvidava desse acordo de Johann, ela confirmava sua teoria de que eu estava torcendo para não dar certo.

"Não é bem assim."

"Não tem problema se você não quiser," Johann continuou a falar e a mexer a massa que fazia. Eu estava sentada na bancada em que ele trabalhava, na altura perfeita caso ele quisesse uma distração, mas aproveitava a vista para desenhar e manter minha mão tão ocupada quando a dele. "Vou entender se você quiser só passar o resto do seu tempo aqui sem outros compromissos," quando falou isso, levantou o rosto para me sorrir como se guardasse o resto de sua ideia para ser passado em um olhar.

O sorriso que lhe devolvi se transformou rápido em uma mordida de lábio enquanto eu pensava. "Se eu não tivesse que terminar um livro, poderia ficar aqui bem mais do que só mais uma semana e meia."

Era o segundo dia em que passávamos o tempo todo juntos, na noite anterior tínhamos nos separado só na hora de dormir, completamente contra a minha vontade. Ainda não era tempo o suficiente para eu soltar indiretas sobre ficar mais do que o planejado, mas não consegui evitar.

Ele não devia ter entendido o significado das minhas palavras, pois voltou ao assunto do bloqueio sem problemas: "Por que você sem vai contra tudo que eu falo?"

"Eu não vou contra tudo," me defendi, mas até eu sabia que não era verdade.

"Falando sério agora," ele passou a massa para um cara ao seu lado, um dos poucos ainda na cozinha do Via Roma depois das nove da noite – tudo nessa cidade fechava cedo! – e se virou de vez para mim, vindo ficar logo na minha frente e cruzando os braços. "Você não tem tempo para ficar em negação, precisa começar a aceitar as coisas logo, principalmente as ruins. Se não quer terminar o livro, se está disposta e determinada a ir contra todas as ideias que eu for te dar, precisa admitir. Qual é o problema? Você quer terminar o livro ou não? E pode ser honesta."

Abri minha boca, pronta para contradizer tudo que ele tinha declarado, deixar bem claro que não tinha nada para aceitar. Mas as palavras não saíram e, por um segundo, quando meus lábios formaram a primeira, tive a certeza de que falaria exatamente o contrário.

Mas fechei a boca antes que algo pudesse sair. Nem pensar direito naquilo parecia seguro.

"Acho que sei o que está acontecendo," ele disse ao perceber que eu não iria falar nada. "Você está com medo do sucesso."

"Como é?" Sua sugestão me era tão absurda, que quase ri na hora. "O que é medo do sucesso?"

"É quando você não acredita que merece o sucesso que tem, então faz de tudo para se sabotar. É o que você está fazendo agora." Ele descruzou os braços. "Audrey, eu não queria ter que falar isso, porque sei que não foi fácil me contar tudo aquilo ontem." Tive que fugir de seus olhos nessa hora. Ainda não sabia como me sentia por ter despejado em cima dele toda a história com Esteban, motivada pelo álcool. "Mas a gente não tem muito tempo."

Receita (Infalível) de InspiraçãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora