Capítulo 1: INFERNO PESSOAL NA TERRA

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Degustação de original pela autora Gabriela Flumignan

Obra "Quatro Elementos a Traição"

DIREITOS AUTORAIS PRESERVADOS

Reprodução, cópia ou distribuição não autorizada

31.531.068/0001-20


1. INFERNO PESSOAL NA TERRA

Passei o dedo entre as letras, como se estivessem mais sujas do que meu rosto, banhado em lágrimas. Elaine Meni e Carlos Helie. Não era nem por minha causa que eu lamentava aquela perda. Minha maior preocupação era Isabela.

– Vocês devem ser os únicos que eu gostaria de ver nesse aniversário – Disse mais para mim mesma do que para eles. – Eu estou com saudades.

Estou com saudades. Meu estômago nunca se acostumou com isso.

Lá estava eu, novamente, no cemitério para falar com meus pais na esperança de que eles estivessem me escutando do suposto paraíso. Se eles pudessem me ouvir, sei que iam saber como estou infeliz... Ao menos naquele dia. Fora o futuro de minha irmã, eu não tinha exatamente perspectivas para mim mesma. Sei que existem coisas muito piores no mundo do que passar o aniversário órfã, coisas muito mais sérias, mas não tenho certeza se existe muita coisa pior do que simplesmente perder quem mais ama na vida. Ao menos, foi a coisa mais difícil que já aconteceu comigo, e talvez o mais difícil para outra pessoa fosse simples pra mim... Vai entender. Cada um com o carma que tem, não é mesmo?

Imaginava que deveria sentir um rush no meu aniversário. Como se completar 16 anos nos fizesse atravessar um túnel mágico da transformação. Mas não sentia nada diferente. Bom, não para melhor, pelo menos. Sabia que era o relógio correndo contra o meu tempo. Eu precisava pensar em como estabilizar minha vida e da mina irmã.

Deixei lá uma das últimas fotos que restara dos meus pais. Era a minha favorita: tiramos no meu aniversário de 15 anos (sim, a exceção da perca do hábito. E juro que se me perguntarem se foi festa de debutantes, serei obrigada a bater em vocês). Mesmo eu tendo conseguido escapar de festa nos anos anteriores, eles insistiam que essa idade era importante. Como eu via em seus olhos que estavam mais empolgados do que eu, concordei com uma comemoração simples. Minha irmã saiu com a boca toda cheia de bolo, minha mãe rindo enquanto limpava todo o chantilly e meu pai me abraçando. O último que eles presenciaram vivos. Não sabia o que ia acontecer com a fotografia, mas pouco me importava, eu só queria deixá-la ali.

Ao lado coloquei algumas flores. As favoritas de minha mãe, e responsáveis pelo cheiro agradável de lavanda que seu quarto tinha. Eu inspirava aquilo com prazer. Sempre bem recebida.

Até hoje não superei o que aconteceu com eles dez meses atrás. E foi isso mesmo que vocês leram, meus caros leitores: dez meses. Não dez minutos ou dez dias, e eu ainda chorava feito um bebê. Deve ser a explicação para as lágrimas quentes e salgadas que desciam pelo meu rosto enquanto eu me levantada para ir embora.

E tem sido assim quase toda semana.

Não deveria reprimir o passado: quanto mais se corrói, mais é difícil de superar. Mas eu acreditava que tinha direito a alguns momentos... Pelo menos quando ninguém estivesse olhando, e pelo menos até eu decidir o que fazer.

Se a história fosse outra eu poderia sair com amigos, mas descobri que se não está disponível ou em condições psicológicas, especialmente se mudou de cidade, são poucos os colegas que restam... Ou nenhum. O carinho fica limitado a mensagens em redes sociais como "saudades": mas ainda sim, ninguém mantinha a conversa das mensagens, ou atendia meus telefonemas. Talvez eles tivessem medo de se reencontrar comigo para eu ficar chorando. O fato é que, infelizmente, ninguém ficou ao meu lado depois do que aconteceu.

Degustação original "Quatro Elementos a Traição"Onde as histórias ganham vida. Descobre agora