XVIII. Vivo

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Os céus haviam enegrecido há muito e, tão escuro quanto lá fora, estava a maioria dos cômodos dentro da casa. O relógio na barra superior da tela do celular dizia dez e vinte e dois; a porcentagem da bateria, onze. Engolido no silêncio da residência, estava eu, pela primeira vez na vida, completamente sozinho.

Normalmente, às noites estivais de sábado como essa, estaríamos quase todos em casa. O que Ellie faz a cada fim de semana, nunca foi algo previsível, mas era certo que meus pais e eu estaríamos seguindo a rotina. Meu pai e minha mãe veriam uma longa sessão de filmes até um deles dormir primeiro, enquanto eu já estaria no meu quarto obedecendo ao "toque de recolher das 22h15" (já havia tentado estender até as onze, mas nenhum argumento funcionou). No entanto, dessa vez, quase todos estavam seguindo um plano diferente.

Meus pais tinham substituído a longa sessão de filmes por uma viagem não tão longa até Salem. Era uma visita fora de época à família de minha mãe, e como aquelas pessoas e eu não nos damos muito bem, supliquei para ficar. Não teria sido um problema se Ellie ficasse também e se encarregasse de cuidar de mim. Infelizmente, dessa vez ela estava mais longe que eles. Na sexta à tarde havia saído rumo a Seattle e provavelmente só estaria de volta na segunda-feira. No início meus pais estavam relutantes — principalmente minha mãe — em me deixar completamente sozinho na cidade. Mas após uma inumerável quantidade de tentativas, finalmente cederam. De manhã, durante a despedida, pensei que talvez tivessem desistido da ideia quando mamãe me deu um abraço tão exageradamente apertado — como se depois de me soltar nunca mais fôssemos nos ver — e com muita relutância entrou no carro.

Eu havia lhes assegurado ser responsável e ter idade o suficiente para cuidar de mim mesmo, mas mais tarde percebi que não tinha tanta certeza assim. Eu não sei cozinhar. Não estava sendo problema durante o dia, enquanto comia porcarias em lanchonetes e jogava conversa fora com George. Mas agora à noite, não sabia o que fazer. Sequer me lembrava de onde podia ter mais dinheiro para recorrer ao serviço de delivery de alguma pizzaria. Quem sabe depois que o celular terminasse de carregar, eu descesse para checar a despensa.

Você devia vir aqui na Mariam, dizia a mensagem de George no visor do aparelho celular. Embora eu tivesse pensado que George estaria ocupado demais para me responder, estávamos nos falando desde que eu chegara a casa. Minha aposta era que ele estava entediado. Sasha, eu, estamos todos aqui! Você tem que vir!

Com certeza George estava entediado. Ao ler os nomes, já podia visualizar toda a cena se estender na minha mente. Sasha provavelmente estaria deitado de bruços com a cabeça no colo de Mariam, enquanto a garota lhe esticaria os cachos dourados apenas para vê-los se enrolar novamente. Mariam tinha alguma obsessão estranha por cabelos alheios e, desde que Andie vociferou-lhe algo como "ninguém toca nos meus dreads" (realmente, faça qualquer coisa, mas não toque o cabelo dele!), os únicos outros cabelos interessantes pertenciam a Sasha. Certamente Sasha e Mariam estariam tão entretidos com seu passatempo estranho que George seria o único designado a manter a conversa viva. Aposto que estava se contendo para não fazer um comentário ácido aos dois amigos.

Antes mesmo que eu tivesse a oportunidade de começar a digitar a resposta, enviou, E Zoe e Andie virão com o garoto do centro!

Ele decididamente queria que eu fosse lá. George Ralph Holling não citaria o "garoto do centro" como "garoto do centro" se não quisesse chamar minha atenção. A única pessoa que se referia ao menino assim era Sasha, que é péssimo com nomes e há muito já havia desistido de memorizar. Kyle pode ser um dos prenomes mais simples do cartório, mas já havia sido difícil demais para Sasha aceitar que Andre e Andie eram a mesma pessoa. Então não exigíamos muito dele.

Kyle também nunca fora muito exigente, preferia se manter quieto e despercebido a maior parte do tempo. Nós o conhecemos no meio de um dia até que ensolarado de outono quando estávamos na casa de Zoe, e George resolveu convidar o garoto para entrar e enchê-lo de perguntas. Kyle e Zoe são vizinhos, e mesmo tendo estado por lá inúmeras vezes, nunca notara a existência do menino até aquele momento. Pobre Kyle, naquele dia parecera um pouco assustado e hesitante. Mas não o culpo de forma alguma, eu também ficaria desconfiado se um vizinho repentinamente se interessasse por mim.

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