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- Mãe!!! Mãaaaaaaaaaaaaaaaaae!!

- Que é isso Carolina? Tá pegando fogo aonde?

- Rá, rá, rá, engraçadinha! Onde a senhora está?

- Aqui na cozinha, para variar. - fui caminhando para cozinha após jogar minhas coisas da faculdade no sofá da sala.

- Oi mãe, - disse sorrindo.

- Oi filha, que desespero todo é esse?

- Adivinha?

- Filha, você não acha que se eu fosse boa em adivinhar as coisas eu já não estaria rica? - olhou para mim como se eu fosse uma tonta.

- Nossa, como a senhora está engraçadinha hoje...

- Anda logo Carolina, fala logo o que aconteceu? Por que entrou em casa no desespero?

- Lembra daquele concurso para a bolsa de estudos para Faculdade de Lisboa?

- Lembro.

- Então, eu fui uma das selecionadas! - quase gritei ao dizer, mas controlei. Meu pai odiava que você falasse num tom de voz muito alto dentro de casa.

- Parabéns minha filha - saiu da pia da cozinha e veio até a mesa onde eu estava encostada para me abraçar. Depois se afastou um pouco colocando suas mãos ao lado em meus ombros, - agora só precisamos convencer seu pai minha filha.

- Pois é... Papai. - meu pai é Tenente-General do Exército Brasileiro. Dizer que ele leva ao rigor todas as regras, inclusive as criadas por ele é eufemismo. Para meu pai, mulher serve para ser dona de casa, subordinada à um homem e acabou. Para eu conseguir cursar um ensino superior foi um custo. Foi muita chantagem de minha mãe e muita, muita paciência para escutar todos os sermões como se eu fosse um dos aspirantes ao exército.

- Não se preocupe minha filha. Vamos dar um jeitinho. Confia em mim. - deu uma piscadinha e um sorriso confortante. Fiquei tão feliz com a possibilidade de conhecer outro País e aprimorar meus estudos que eu sequer lembrei das possíveis reações do meu pai.

Eu e meu pai nunca tivemos um relacionamento dos sonhos. Desde criança foi apenas um ato de subordinação: meu pai manda e eu obedeço. Simples assim. Nas poucas vezes que eu arrisquei desafiá-lo em alguma coisa eu acabei perdendo coisas, de castigo ou até mesmo apanhando.

A demonstração de carinho de papai é simples: se ele está com o semblante tranquilo é porque você está fazendo tudo certo. Se ele tiver com o meio entre suas sobrancelhas enrugado é porque ele está irritado. E normalmente era comigo.

Acredito que meu pai tenha sido feliz em saber que minha mãe estava grávida até saber que eu era menina. Duvido muito que ele teria as mesmas expressões e reações se eu fosse homem, se ele tivesse seu suposto sucessor na carreira militar.

Apesar que atualmente isso não são cargos únicos e exclusivamente do gênero masculino, na cabeça de papai isso não passa de um absurdo. Sorte que não houve nenhuma coitada que caiu em seu regimento. Pelo menos ainda. Mas tenho até dó de pensar na futura coitada que cair em suas mãos. Se ele já não facilita para os homens, imagina só para as mulheres.

Minha única esperança é que minha mãe sabe envolver papai nos dedinhos. Mesmo sabendo não ter o amor que gostaria de ter de papai, eu sei o quanto que ele a ama e isso para mim é suficiente. Um dia, quem sabe, eu poderei encontrar alguém que me ame o suficiente por meu pai e por qualquer outro amor, então, só por saber que mamãe tem isso já me dou por satisfeita.

Enquanto mamãe voltava para seus afazeres, fui para meu quarto levar a bagunça que eu havia deixado na sala e organizar minhas coisas antes de papai chegar. Ele odiava bagunça.

O segredo de Carolina (DEGUSTAÇÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora