Capítulo 2: O peso de alguém na sua vida (ou a falta dela).

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 -Acho que aconteceu na metade da oitava série, eu não me lembro direito como aconteceu. Mas eu lembro que até aí eu não tinha um amigo, não de verdade, eu tinha apenas uns colegas que eu considerava amigos. Mas não acho que eles eram de verdade, na maior parte do tempo eu participava das brincadeiras e conversas avulsas, mas em momentos importantes eu era deixado de lado, totalmente excluído...

Geralmente, quando falo muito, eu presto atenção no que eu digo, como se repensasse cada palavra antes de ser dita, e acabo me enrolando com as mesmas. Não tenho a prática de ser o centro de atenções, muito menos gosto disso, eu prefiro ser a pessoa que está tranquila em seu canto. Claro, há momentos como em apresentações escolares em que precisamos ser o centro, mas nessas situações eu consigo sair bem se eu souber a matéria e conhecer as pessoas para quem vou me apresentar.

Mas, falar com o coração é diferente, não é uma matéria, as palavras não tem como ser medidas, pensadas e calculadas. Falar com o coração é como verbalizar nossos sentimentos, tentar colocá-los numa forma padronizada de palavras mesmo sabendo que elas são insuficientes. Você tenta desesperadamente tentar achar a melhor forma de explicar seus sentimentos, mas só pode contar com a possibilidade do seu ouvinte já ter passado pelo mesmo para lhe compreender.

-... Como se eu não importasse, como um bobo da corte, que só servisse para divertir, mas nos assuntos sérios eu estava fora. Mas eu era inocente demais para perceber que eu era a última opção... Não, acho que eu percebia, mas eu tinha mais medo de ficar sozinho. Acho que eu era muito calado quando não estava brincando ou fazendo piadas, eu sempre observei mais do que falei, sempre absorvi mais do que expeli. –Sem perceber, eu acabei me empolgando, meus sentimentos e lembranças foram tomando formas sem que eu percebesse- Eu sinto que a minha "síndrome do observador'', como gosto de chamar, começou a partir desse momento. Quando eu realmente não tinha espaço de fala.

Quando me dei conta que estava falando muito, parei. Finalmente olho para meus parentes, e eles pareciam surpresos e interessados. Eu nunca falo muito, muito menos sobre mim, e muito menos ainda sobre como me sinto. Eles me olhavam com atenção, tinham o mesmo tipo de olhar, me pergunto se quando estou interessado em algo eu fico com o mesmo olhar.

-Você nunca me contou que passava por isso, filho. –Disse meu pai, que estava mais surpreso do que aparentava.

-Deve ser genético, nenhum de nós diz como se sente normalmente. Acho que somos geneticamente programados pra esconder nossos sentimentos –Meu avô diz isso soltando uma risadinha para aliviar o clima, como sempre faz em momentos assim. –Você gostou de nos contar sobre isso?

-Sim, mas eu me sentiria mais confortável se vocês me falassem sobre vocês também.

-Temos mais alguns dias aqui, podemos revezar quem discursa cada noite. –Meu pai disse com um pouco de temor, mas dava pra sentir que ele queria se abrir também.

Meu avô ficou em silêncio, apenas concordando com a cabeça. Parando pra pensar, não sei nada sobre ele, apenas coisas um pouco importantes que todo familiar deveria saber. Por exemplo, sei que se separou de sua mulher quando tinha por volta de uns 40 anos, desde então nunca mais conseguiu amar outra mulher. Sei que quando criança, seus pais se separaram, e ele tinha perdido a fé no amor, mas a sua ex-mulher o tinha feito acreditar nele por vários anos, e se separaram. Mas ele não deixou de acreditar no amor, ele diz que continua a acreditar, mas que aceitou que o amor não é amor porque é eterno, é bom demais para ser algo eterno.

-Mas o turno só muda quando cada um acabar sua história, ok?

-Certo. –Meu pai concorda.

-Tudo bem. –Meu avô diz, com pensamentos distantes –Mas ainda está na sua vez, pequeno. Até você terminar.

Histórias Jogadas ao Vento.Where stories live. Discover now