ENQUANTO ESPERO

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                                                                                                                             (Meryl & Peter)


Olho a neve caindo através da janela, os floquinhos balançando de um lado para o outro, ao sabor do vento, alvos tais quais pequeninos chumaços de algodão doce, rodopiando no ar, leves e suaves, antes de cair no chão escorregadio e me distraio com esse lindo espetáculo da natureza, perfeito nesse período lúdico de festejos natalinos. Nós, os Chapman, moramos em New Jersey desde sempre, aqui nos casamos, criamos nosso filho, e foi aqui que meu Usher foi eleito, por duas vezes, Governador do Estado.

De onde eu estou sentada, esticando o pescoço, posso ver os enormes pinheiros cheios de luzinhas dos Sarandon, nossos vizinhos há mais de trinta anos, e sem que eu me esforce, um sorriso tolo brota no meu rosto, ao contemplar o boneco de neve na porta de minha casa, feito pelas crianças da rua, o que rapidamente me faz me lembrar de meu Peter, nunca vi uma criança gostar tanto de natal quanto o meu filho.

É engraçado que eu pense nele ao ver a criançada, já que deixou as calças curtas há tanto tempo, se tornando um rapaz lindo aos vinte e oito anos de idade.

Peter, quando pequeno, se juntava aos coleguinhas e espalhava bonecos de neve por toda a rua, fazia questão de descascar as maçãs para a torta da ceia, além de sempre me ajudar a ornamentar a árvore de natal. Em se tratando de natal, aqui em casa, ele sempre foi o primeiro a se envolver em tudo, o mais animado, o último a dormir, um festeiro, isso sim é o que ele é.

Ansioso como ele só, dias antes da grande noite, já colocava na janela o sapatinho para receber o seu presente e na véspera de natal, sempre adormecia encolhido no tapete da sala, esperando surpreender o coitadinho do Papai Noel, quando ele descesse pela chaminé.

A vida realmente é surpreendente, eu nunca poderia imaginar que aquele garotinho franzino e tímido, que se escondia de tudo e todos agarrado em minhas pernas, se transformaria em um médico dedicado e corajoso, tão preocupado com as causas humanitárias, correndo o mundo afora para salvar a vida dos que mais precisam.

Esse altruísmo ele herdou de Usher, um exemplo de político ativo e ético, que até hoje, ainda tem vários projetos sociais, idealizados por ele, em vigor em nosso estado.

Não que eu seja uma pessoa insensível ou uma mulher deslumbrada com a vida luxuosa que sempre tivemos, de forma alguma, mas nunca omiti que eu achei um despautério sem tamanho, o meu único filho, criado com todo o conforto, insistir em se voluntariar como cirurgião pediatra na ONG Médico sem fronteiras e se embrenhar nos confins miseráveis do Haiti.

Ai... Espeto o dedo na agulha de tricô, chupo a pontinha do dedo suja de sangue para estancar o corte, levanto o suéter verde-musgo e dou uma última conferida no presente do meu filho, mesmo ainda faltando fazer umas boas carreiras, até que está ficando bonito, acho que Peter vai gostar.

Viro o punho para observar o visor do relógio e confiro que já são vinte horas, esse menino está muito atrasado, será que perdeu o voo das quatorze horas e chegará mais tarde?

Antes que eu reclame do atraso de Peter, Usher entra na sala com os seus passos lentos e acalma os meus ânimos de mãe neurótica, dizendo que ele já deve estar chegando. Ele segura a minha mão e me chama até o seu escritório para que eu veja o seu mais novo bebezinho: um trem de brinquedo.

Chamar essa locomotiva a vapor de brinquedo é uma tremenda de uma falta de respeito ao trabalho engenhoso do meu marido. Me inclino para frente ajeitando os óculos de perto para ver melhor e observo os detalhes do designer, as pequeninas janelas envidraçadas, as engrenagens e os vagões recriados à perfeição. Usher me olha em silêncio aguardando a minha opinião, e eu demonstro a minha admiração com o seu protótipo, abraçando-o pela cintura e distribuindo beijinhos por sua barba cerrada até os seus lábios.

Naquela Estação - completo até dia 01/04/2018Onde as histórias ganham vida. Descobre agora