Um Dia Antes

58 14 0
                                    

Durmo a viagem de carro inteira, graças ao remédio que me deram no hospital. O médico entrou em acordo com o Guilherme e eles ajustaram meu remédio, tenho dois pela manhã é apenas um a noite. Meus pais deixaram os remédios comigo, acho que como prova da confiança deles em mim.

Meu quarto na casa de campo é gigante, o que me deixa sufocada. Mas não fico muito nele, meus pais insistem para que eu vá tomar sol, de modo que coloco um biquíni e me deito em uma bóia na piscina, com os fones de ouvido e um livro.

Minha mãe vibra de felicidade, mas ela não sabe que estou lá para evitar conversas. Quero ficar sozinha, quero terminar para mim mesma a história que não pude terminar para o Guilherme.

Aumento o som da playlist instrumental, deixo o livro aberto para que eles pensem que estou lendo através do óculos de sol, mas minha cabeça está naquele último dia, quase um ano atrás.

"O Rô, o Vinicius e eu estamos saindo da faculdade, é a semana do Vinicius dirigir. Ele e o Rô revezam e eu pago o estacionamento, o que acaba sendo justo para todo mundo. Nós saímos um pouco mais tarde que o normal porque a minha professora liberou tarde, depois de dar uma bronca enorme na sala, devido às notas.

Eu estou sentada na frente, tendo uma leve discussão com o Rodrigo sobre a atual namoradinha dele e posso ver pelo retrovisor, que ele não quer escutar, mas não vou perder meu melhor amigo para uma qualquer. Alguém que o ame de verdade não vai se importar com a melhor amiga dele.

Nós paramos em um semáforo e alguém bate na janela do Vinicius, olho assustada e vejo a arma quebrando o vidro do carro.

- Vamos passando carteira e celular, sem girar se não eu atiro.

Meu coração dispara, o Vinicius pega o meu celular, que está na mão, bem como o dele que esta plugado no som e entrega.

- Vai - o homem grita enquanto um outro para na minha janela - carteira também.

O Rodrigo é o primeiro a se mexer, entregando o que pedem. Eu consigo pegar a minha e o Vinicius simplesmente passa para o homem. Vejo um pequeno corte na sua testa e odeio imensamente o carro da frente que não se mexeu e nem fez nada para ajudar.

Acho que ele vai embora depois de conseguir o que quer, mas a minha janela está sendo quebrada e o Vinicius tem uma arma apontada para barriga, por isso não arranca com o carro.

- Eu quero essa aqui também - o homem do meu lado da janela grita para o outro, eu demoro um momento para registrar que é de mim que ele está falando.

O Vinicius segura minha mão e de repente eu me toco que é comigo o problema e que o carro da frente não se move pois é o carro deles, deve ter alguém naquele volante. Os carros da pista do lado passam voando por nós, como se não fosse nada.

- Vocês já tem o que querem - o Vinicius fala, apertando minha mão com uma força que machuca - por favor , deixem a gente ir embora.

- Eu acho que não, vamos abrindo essa porta e liberando a belezinha que ninguém se machuca - o homem ao meu lado coloca a mão por dentro e abre a minha porta.

Tudo acontece mais rápido do que eu posso entender, de repente a mão do Vinicius tenta agarrar a arma que está apontada para ele enquanto o segundo homem tenta me tirar do carro, escuto um tiro e vejo a testa do Rodrigo sangrando, enquanto ele desaba no banco.

Há uma sirene de polícia muito alta enquanto o homem tenta me arrastar para o carro deles, então o mundo todo para com o segundo baque surdo de tiro. Um policial agarra o homem que me segura e eu me solto, correndo para o som do tiro, só para ver meu namorado caído no chão, aos meus pés.

Ele me olha e o fantasma de um sorriso aparece em seus lábios, eu seguro seu rosto, desejando que fosse o contrário, que quem estivesse deitada naquela poça de sangue fosse eu e não ele. Eu deito minha cabeça em seu peito, mesmo sabendo que não há mais nenhuma vida naquele corpo. Ali eu grito, eu choro, eu me despedaço e morro junto com ele. "

Sinto as lágrimas quentes rolando pelo meu rosto, minhas mãos estão tremendo, meu coração está batendo desesperado e as saudades que eu sinto dele, do Rô, da minha vida, são maiores que qualquer outra coisa que eu já senti.

Abraço o livro que nem sei sobre o que é e me deixo ali, chorando até as lágrimas secarem. Depois simplesmente pensando em como a vida pode mudar tanto em questão de minutos. Eu amaldiçoo aqueles minutos, mas sou infinitamente grata por ter conhecido aqueles dois.

Algo dentro de mim desperta, como uma certeza. A deixo guardada no fundo da minha mente.

Aproveito o resto do dia com os meus pais. Almoço com eles, brinco, dou risada, assisto TV e converso. A felicidade dos dois pela filha estar ali ao lado deles e bem é algo contagiante.

Depois de jantar, jogamos baralho é meu pai até bebe uma cerveja, coisa que só faz quando está muito relaxado. Ele não me deixa ganhar, mas me esforço mesmo assim. Mamãe reclama que eu só jogo coisas de menino, por isso depois me deito para ver uma comédia romântica com ela.

Chego no quarto e abro a caixa que meus pais trouxeram para cá, a que contém as coisas que o Vinicius me deu, pego meu ursinho e o abraço. O cheiro dele está lá, fraco, mas ainda assim, muito real.

Adormeço com a saudade dele me fazendo companhia.

Me EsperaWhere stories live. Discover now