Capitulo 1- Ordem
- Já era sem tempo! – Melina, na sua milésima sétima volta, viu sua companheira real transformar-se de cascavel à vampira na sua habitual nuvem de poeira vermelha. – Mas qual é o teu problema? Desapareces por sei lá quantas horas e achas que está tudo um máximo, né?
- Deixa-te de sarcasmos, rafeira! Já não se pode caçar em paz?
Kira sabia o quanto ela detestava ser chamada de rafeira e todos os outros insultos caninos, afinal Melina se transformava em lobo, no máximo um aster siberiano branco, e não admitia ser chamada de qualquer outra coisa de valor inferior.
- Pouco me mordo para o que fazes ou deixas de fazer. O problema é que eu já passei de sede à fome e a Ordem não pode ficar a mercê de qualquer um. Tu e o Dero vão e só voltam às quinhentas, e eu fico aqui com a garganta a arder.
- Nada te impedia de sair, minha cara!
- E deixava a Ordem com quem? Com os morcegos? - E os criados da mansão murmuraram ofendidos pela maneira como o seu animalius foi usado como um insulto. Mas não se pronunciaram. Ninguém em toda Trévaz ousava enfrentar a realeza, a Ordem. Tudo o que podiam fazer era cumprir e fazer cumprir as leis impostas por aqueles que decidiram pôr um fim a confusão criada pelos seus semelhantes fora de controlo. Se o objectivo comum era dominar a raça humana, tácticas seriam necessárias, e por mais apelador que fosse a ideia de sair por aí a atacar todos eles, quanto mais mito os vampiros fossem, melhor.
- Mas o que é que se passa?
- Chegou a vossa majestade! – Melina, bem conhecida pelos seus incessantes sarcasmos, viu Dero entrar porta adentro, no meio do caos criado por ela.
- Dero, meu caro, fica longe que a chiuaua está nervosa! – Kira sabia ser insuportável nas horas mais impróprias.
- Já te disse para não me chamares disso! Olha que eu te arrebento!
Apesar de corpulento, Dero é muito rápido, e agarrou Melina mesmo a tempo. Se não o fizesse, Kira teria provavelmente perdido o olho. Rei da selva, animalius ou não, Dero era a cabeça da Ordem e o equilíbrio entre as duas que escolhera para reinar consigo Trévaz, o reino vampírico. Prezava pela integridade de sua realeza e o mais importante: daquelas que escolheu como irmãs. O raro amor fraterno partilhado pelos três responsáveis pela Ordem era o que mantinha o reino sob controlo absoluto. E até Kira e Melina que estavam em constante conflito dariam a vida por qualquer um deles.
- Melina, vê se apanhas um pouco de ar, ficar muito tempo fechada faz-te mal.
- Não me digas! – Respondeu ela com uma careta e em vez de optar pela saída convencional, Melina saltou pela janela quase já animalius. Uma visão perturbadora para aqueles não habituados a ver alguém no estado: metade lobo, metade mulher.
- E tu? Onde é que andaste, gatinho?
- Kira deixa-te desses nomes. São realmente irritantes.
- Vais responder ou não?
- Estava por aí – respondeu Dero enquanto subia as escadas para os seus aposentos. Não queria prolongar a conversa, pois sabia onde iria parar.
- Por aí nada. Aposto que andaste outra vez atrás daquela humana. Dero, se não te conhecesse diria que estás obcecado.
- E se estiver?
- Dero, como membro da Ordem, eu te proíbo de rondares aquela humana!
- Kira, para de te expores ao ridículo – levantou ele a voz, já impaciente. Temperamental, Dero não gostava de ser insultado, contrariado e nem mesmo questionado, e pela mesma razão estava disposto a violar as regras se necessário fosse.