𝐂𝐚𝐩í𝐭𝐮𝐥𝐨 𝟑 - 𝘔𝘰𝘯𝘴𝘵𝘳𝘰

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["Todos nós sentimos a dor que as nossas mães carregam. Todos nós suspeitamos, até certo ponto, que somos parcialmente culpados pela sua dor. Nisso reside a culpa."]

...

Interior de Londres, Setembro de 1713.

Nicolas encarava fixamente o cômodo que costumava ser o seu quarto, porém que, desde a chegada das mais novas integrantes da família há alguns anos, tomaram para si. No começo, ele não se importou muito, uma vez que pensava que seria apenas algo temporário e, que, em breve, poderia retornar. Porém, as garotinhas agora já estavam com os seus três anos e o quarto permanecia para elas.

Suspirou pesadamente, decidindo apenas deixar a morada e encaminhar-se até ao estábulo, onde o mais novo cavalo, apelido de Storm, jazia a maior parte do tempo. Não sabia dizer o porquê, mas gostava muito de sentar ao lado do animal e conversar sobre o que sentia, mesmo que ele nunca lhe respondesse. O considerava um verdadeiro amigo sempre que relinchava às suas perguntas.

— Storm, cheguei! — Nicolas anuncia a sua chegada, sorrindo animadamente enquanto abria com certa dificuldade os grandes portões. — Sentiste a minha falta?! — Prosseguiu no mesmo tom, caminhando alegremente para dentro do estábulo.

Apesar de hoje ser o seu aniversário de dez anos, havia sido deixado sozinho na fazenda enquanto os seus pais e as suas irmãs foram passear no centro de Londres. Não se importava tanto assim, embora sentisse falta de ir até lá e explorar as vitrines das padarias com aqueles doces deliciosos. Porém, desde a chegada do seu padrasto e o nascimento das meninas, as suas idas ao centro foram se tornando cada vez mais esporádicas, chegando ao ponto de limitar-se a apenas uma vez ao mês, e somente em uma ocasião muito especial ou urgente.

— Como foi o seu dia, Storm? — O garotinho aproxima-se, afagando a crina do animal, que relincha em resposta. — É... imagino que tenha sido bom ficar aqui, não é? Sei que tu gostas de ficar em paz.

O menino sorri, passando ao seu lado e encostando o seu corpo no lombo de Storm, que vira a cabeça na sua direção, relinchando outra vez.

— Ah, o meu dia? Bem...— Nicolas respira fundo. — O meu dia... está sendo meio solitário. — Deu de ombros, aos poucos o sorriso se desmanchando. — Storm, o que tu achas que os meninos da minha idade fazem?

O cavalo balançou a cabeça negativamente, mexendo algumas vezes a pata no feno.

— Também não sabes? É... tu és um cavalo, né. Óbvio que não saberias. — Riu baixinho consigo mesmo, deixando ambas as mãos no pescoço de Storm e voltando a encostar-se nele. — Mas eu gostaria de saber. És o meu primeiro amigo, sabia? Nunca... falei com nenhum outro menino. Ou menina. A mamãe não deixa mais. Disse que é para o meu bem.

O cavalo relincha outra vez, esfregando a cabeça na de Nicolas, como se afagasse o seu cabelo.

— Ei, não precisas ser assim! — O menino ri, abraçando o animal. — Desde que ela parou de me colocar em vestidos, ela anda estranha, não achas, Storm? Ontem... eu ouvi a mamãe chorando e se perguntando o que ela fez de ruim para ter de lidar comigo. Eu não entendi o que ela quis dizer. Será que é tão ruim assim eu não usar mais vestidos? — Nicolas suspira pesadamente, afastando-se um pouco de Storm e fitando-o nos olhos escuros. — Quem sabe ela não gosta do meu nome. Mas... Nicolas é um nome bonito, não achas, Storm? Eu gosto de Nicolas. Porque eu sou o Nicolas.

Almas ContaminadasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora