O Que o Espelho Diz - A Rainh...

נכתב על ידי MeewyWu

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Capa Atual: Foto de Alice Alinari, instagram: alice_alinari A Rainha da Beleza: O que o Espelho Diz. Bethany... עוד

Epígrafe
Prólogo
I - Alianças Diferentes
II - Um fantasma no Palácio
III - O Conselho Real
IV - Informação Vazada
V - Palácio de Verão e Vidro
VI - Chuva de Cristais
VII - Vidro Embaçado
VIII - Protetora de Paris
IX - Cavaleiro de Prata
X - Teia de Veludo Vermelho
XI - Carvão e Metal
XII - Ilusões Refletidas
XIII - Prismas
XIV - Retinta
XV - Sonhos de Marfim
XVI - Espadas de Madeira
XVII - Floresta de Esmeraldas
XVIII - Penas Prateadas
XIX - Corpos e Fantasmas
XXI - Palácio de Ferro
XXII - Cartas à Morte
XXIII - A espada vermelha
XXIV - Claro como Cristal
XXV - Coroa de Ossos
XXVI - Sapatos Brilhantes
XXVII - Segredo Americano
XXVIII - Posição Política
XXIX - Arte da Guerra
XXX - O Que o Espelho Diz
Epílogo
O Que o Espelho Diz - Por Meewy Wu
AESTHETICS

XX - Rios de Sangue

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נכתב על ידי MeewyWu

A Rainha da Beleza foi criada para gerar comoção, revolta, duvida e abrir/aprofundar questões que não se limitam a literatura, mas da nossa realidade ao longo séculos. Entre elas o racismo e, nesse momento do mundo, achei importante colocar esse aviso antes de um capítulo como o que virá a seguir (esse é um capitulo perigoso se alguém quiser interpretar da forma errada). A mensagem de A Rainha da Beleza nunca foi e nunca será que pessoas de pele negra são inimigas – mas sim, de como sempre a PRIMEIRA opção é usa-los. Como é fácil pinta-los como inimigos ao lutarem por direitos, torna-los inimigos, força-los a virarem o inimigo. Como é ridiculamente fácil justificar mata-los, estuprar suas mulheres, torturar suas crianças, arrancar os direitos pelos quais tantos deram o sangue como se arrancassem ervas daninhas. Como é perigosamente fácil tornar isso aceitável, de novo e de novo.

90% da minha família são pessoas negras, dos mais diversos tons, com as mais diversas histórias, dores, perdas. Mas eu sou uma mulher branca, e sei que esse não é o meu lugar de fala. Eu nunca vou ser totalmente capaz de entender, mas eu posso tentar. Ouvir. Interpretar. E transmitir uma terrível visão futurística, a fim de inspirar pessoas a lutarem para um futuro diferente do descrito nessa história.

Uma boa leitura, com carinho,

Meewy Wu, 02 de Junho de 2020.


-Dylan – Engasguei, me arrastando para trás, batendo contra o corpo morto de Gelo.

Ele olhou para os lados, estendendo a mão para mim – Vamos, não devemos ter muito tempo até que se reagrupem.

-Você está morto – foi tudo que eu consegui falar, incapaz de deixar de olhar seu rosto, incapaz de me mover – Morto!

-Acredito que nesse momento, qualquer um que nos visse acreditaria que estou mais vivo do que você Bethany – ela suspirou, quando sons ressoaram além das árvores – Sinto muito. Não tenho tempo para isso.

Antes que eu entendesse, ele agarrou meu braço, logo acima do cotovelo, e me puxou para cima até que eu estivesse em pé, me colocando em cima do cavalo e subindo logo atrás de mim – Espero que Isabel esteja dormindo quando chegarmos.

-Você está morto... – repeti, enquanto o trote do cavalo fazia minha cabeça girar, ao nos afastarmos daquela pilha de corpos. O corpo de Gelo, e de todos que ele matou para me manter viva.

-Se se sentir tonta, feche os olhos – ele aconselhou, aumentando a velocidade – Não vou deixar você cair, sabe-se lá quem estaria na frente da fila para me ver morto outra vez se eu fizesse isso.

Não respondi, apenas segui a orientação dele e deixei as pálpebras caírem, enquanto ele seguia falando consigo mesmo – Provavelmente a minha própria esposa.

Morto, pensei mais uma vez, enquanto percebia que não conseguiria manter os olhos fechados e seguir acordada ao mesmo tempo. Talvez fosse bom, dormir – talvez já tivéssemos chegado quando eu acordasse, e eu pudesse apenas por alguns minutos, fazer de conta que as últimas semanas foram uma mistura de sonhos bons e ruins.

-Bethany! – Gritou Dylan no meu ouvido, me fazendo arregalar os olhos. Não estávamos mais na floresta, pelo menos eu achava que não. Mas estava terrivelmente escuro e eu só conseguia senti-lo, sem enxerga-lo quando olhava para trás.

-Estou acordada – falei, e ele fez um "shhh" de advertência – O que aconteceu?

Os sons de metal rangendo me fizeram acreditar que talvez ele estivesse movendo a cabeça, mas ele deve ter percebido tão rápido quanto eu que eu não era capaz de enxergar isso – Eu deveria coloca-la num carro para que voltasse a Versalhes, mas o carro não apareceu. Acho que caímos em uma armadilha, estamos em um túnel, e acredito que estejamos encurralados.

Engoli em seco – Pelos homens do dragão?

-Não entendo. Não achei que existissem tantos – a respiração dele era rápida, pesada – Acha que consegue descer e subir sozinha, atrás de mim?

-Eu não enxergo nada! – arfei, apavorada. Dificilmente acharia o cavalo outra vez se descesse.

Ele rangeu os dentes, passando um braço pela minha cintura – Preciso que passe uma das pernas para o outro lado – ele explicou, me erguendo um pouco para que eu pudesse fazê-lo – Agora, me dê sua mão.

Encontrei os dedos dele, e então quando finalmente segurei ele desceu, apertando meus dedos como uma criança com medo do escuro. Sons ecoaram pelo túnel, eu não sadia de que lado. Possivelmente dos dois.

-Agora chegue um pouco para trás Bethany – ele mandou, apertando minha mão – Leve minha mão até seu joelho.

Eu o fiz, deixando que ele deslizasse a mão para fora da minha até alcançar o cavalo, e então ele subiu, dando uma risadinha – A Alemanha não me preparou para isso. Vamos tentar passar por eles o mais rápido que conseguirmos, eu preciso que se segure o mais firme que puder. Entendeu?

-Sim – gaguejei, antes de o cavalo avançar pelo túnel. Apertei a cintura dele, o aço duro e frio da armadura contra meus braços nus. O vestido de Abba além de ter sido destruído, não se mostrará muito prático. Ao menos eu sabia que a saia de seda tinha tecido o bastante para se amontoar na altura dos meus joelhos, entre mim e Dylan.

-Droga – xingou Dylan – Bethany, feche os olhos. Depressa!

Não fui rápida o bastante, tentando entender o que ele queria dizer. As luzes estouraram no meu rosto antes, clarões intensos começassem a piscar. Gritei, fechando os olhos com força e me encolhendo atrás de Dylan, sentindo meus olhos e meu cérebro queimarem, enquanto tudo seguia piscando do outro lado da minha visão.

Luz. Estavam nos atacando com luz. Mas que tipo de luz era aquela, que queimava daquela forma?

Uma mão agarrou minha perna. Em seguida, um tiro estourou nos meus ouvidos e a mão sumiu. Mais tiros seguiram.

-Estamos fora – exclamou Dylan, quando o exterior tornou-se apenas claridade – Pode abrir os olhos Bethany.

-Não – gemi – Não posso.

Ele fez um som irritado com a boca – Você olhou?

-Não. Sim. Eu não... – eu não conseguia nem pensar com meu cérebro queimando daquele jeito. – Desculpe.

-Não é culpa sua, mas preciso que siga segurando com força – ele avisou – Se corrermos, conseguiremos chegar ao palácio antes do final da tarde, e Cameron vai saber como resolver isso. Não tente abrir os olhos. Ainda está com sono?

Neguei. Eu não dormiria de novo, estava agitada demais para isso. Ele apenas começou a correr, sem falar mais nada, e se eu conseguisse pensar, perguntaria por que não nos seguiram mesmo depois de sairmos do túnel. Mas eu não pensei nisso e Dylan, provavelmente, estava mais preocupado em me levar para Cameron o mais rápido possível.

Eu adormeci outra vez. Eu sabia disso por que, quando acordei, Dylan tinha me colocado em frente a ele de novo, sem que eu sequer percebesse.

-Estamos chegando – ele falou, e assenti.

-Desculpe, eu não esperava dormir – suspirei, tentando abrir os olhos apenas para lembrar que não era completamente capaz de fazê-lo. O sol deveria estar se pondo, pensei, por que a única coisa que vi foi um alaranjado brilhante antes de apertar os olhos novamente.

-Está tudo bem, é o que acontece quando a adrenalina diminui – ele parecia estar sorrindo, pelo tom de voz, mas essa faísca sumiu na frase seguinte – Desculpe, não deveria ter colocado você em risco.

-O que? – franzi a testa, confusa – Do que está falando?

-Os homens que atacaram você na floresta e nos atacaram nos tuneis, estão atrás de mim desde que deixei Versalhes mais cedo – ele suspirou – Achei que tinha despistado ele, mas estava com tanta pressa de encontrar você que... Eu deveria ter sido mais cuidadoso.

-Talvez estivessem atrás de mim também – confessei – Foram eles que me sequestraram. Os homens do Dragão.

-Sempre achei que isso fosse algum tipo de lenda, algo que os negros inventaram para nos fazer parecer piores do que já somos – ele murmurou – Quem ganharia algo matando qualquer um de nós? Matando nos dois?

-Não queriam a mim – atrás dos meus olhos, o mundo ficou mais claro – Chegamos?

-Sim, chegamos – ele anunciou, diminuindo ainda mais a velocidade. Havia risadas e conversas e, em algum ponto, ouvi alguém exclamar longe de nós coisas como "a princesa" ou "o duque Dylan". Dylan parou o cavalo, em certo momento; ele desceu, e me puxou de cima do cavalo, me deixando a mercê dos meus próprios pés. Tentei abrir os olhos. Ver, eu precisava ver aquilo, precisava acreditar que era verdade. Obriguei meus olhos a abrirem, a serem úteis. Dylan passou o braço pelo meu e começou a me puxar em direção a degraus que eu não lembrava, me forçando a seguir ao lado dele, mais rápido do que eu gostaria e então vieram as luzes de um salão, e fechei os olhos mais uma vez, desistindo.

-Bethany! – eu reconhecia a voz de Fox antes dele se chocar contra mim, me encapsulando em seus braços como uma camisa de força humana. Incapaz de prever aquilo gemi quando meu braço foi pressionado. Ele se afastou – Você está gelada. Aqui, coloque isso. – senti algo quente contra meus ombros, envolvendo meus braços – Eu não acredito que está viva. Todos pensaram que você... Eu achava que você estava... O que aconteceu? Quem levou você, quem são as pessoas que enviaram aquela carta? Onde esconderam você? Foi ferida? Foi...

-Fox! – repreendeu Annie, em um misto de irritação e diversão – Deixe-a respirar, ela acabou de cruzar a porta. – Bethany, precisa se sentar? Está ferida?

-Eu... – balancei a cabeça, apertando os olhos. Atrás daquela luz que ainda explodia minha visão, e tentando manter os olhos abertos, nada além de vultos cruzavam a luz. Nem tinha certeza para que lado olhar. – Desculpe, eu não consigo...

-O que ela tem? – perguntou Fox, provavelmente para a irmã – Bethany?

-São os olhos dela – falou Dylan, que eu não perceberá que se afastará – Nós fomos atacados por um clarão de luz, ela olhou diretamente para ele, deveríamos leva-la de volta a Paris, ela precisa de um médico melhor do que os que temos aqui.

-Não – murmurei, tateando em vão até encontrar uma mão pequena para me apoiar. Annie – Você está certa, só preciso me sentar um pouco.

-Fox, ajude Dylan. Venha Bethany, aqui – ela soava impaciente, me puxando para alguma direção até me sentar em algo fofo – Desliguem algumas luzes! Chamem Cameron Blanc-Dumond em seu quarto.

Passos apresados por toda a sala, fechei os olhos, esfregando as palmas das mãos neles, deixando que se enchessem de lágrimas enquanto paravam de latejar.

-Pare de esfregar os olhos, suas mãos estão imundas – bufou Cameron, de algum longe de mim, provavelmente chegando ao salão – Vai acabar se machucando.

-Ou arranhando seu rosto – falou Elizabeth, da mesma direção que ele – Deite ela. Fique com os olhos fechados Bethany, vamos lhe dar algo que vai impedir a fotoqueratite de se desenvolver, mas você pode ficar tonta por alguns minutos.

-Acha que eram canhões de luz ultravioleta? – Dylan parecia descrente.

-Sem dúvidas eram luzes ultravioleta – falou Cameron, quase ofendido, tão próximo que só pude suspeitar que fosse ele puxando minhas pálpebras para cima e pingando liquido nelas, que me faziam sentir como se não houvesse nada além de vazio nos meus olhos – Fique de olhos fechados. Você talvez tenha vontade de chorar daqui a alguns minutos, mas estará normal em meia hora.

-Obrigada – sorri, sem saber ao certo se estava sorrindo na direção correta.

-Você disse que foram atacados – Fox não se dirigia a mim, o que deveria significar que ele se dirigia a Dylan, o tom frio e cortante, exigindo respostas – Mas não pelas pessoas que estavam com ela?

-Não, eles nos ajudaram, quando fomos atacados na floresta – argumentou Dylan, com um grunhido irritado em seguida – Cuidado Cameron.

-Não seja um bebê, sua esposa logo estará aqui para beijar seus machucados – Elizabeth brincou, enquanto Cameron murmurava algo que eu não entendia.

-Ela tem lugares melhores para beijar – brincou Dylan, enquanto Fox seguia ainda mais irritado.

-Não acha que poderia ser um plano? – ele pressionou Dylan, passos começaram a andar de um lado para o outro – Se dividindo, fazendo com que ela achasse que estava segura e então...

-Não! – gemi, tentando me sentar – Não é nada disso, eles...

-Bethany, fique deitada! – Cameron repetiu, com aquele tom sério de médico. As mãos de Annie me puxaram para trás, para se colo.

-Eles me salvaram. Cuidaram de mim. Estavam lá para me manter segura, eles... Eles estavam dispostos a morrer para me manter segura – respirei fundo, imaginando se as lágrimas eram minhas ou do remédio de Cameron – Foram os homens do dragão que nós atacaram.

-Bethany, o Dragão é uma velha lenda de Paris – Annie falou suavemente, como se temesse me ofender – É o monstro que os negros usam para assustar seus filhos, a besta da noite. Seja lá o que contaram a você, ou eram tolos em acreditar nisso ou queriam te assustar.

Tentei revirar os olhos, mas até isso era doloroso – Ele é real – falei, derrotada – Foi ele quem me levou naquela noite, e ele tem homens e mulheres trabalhando para ele. Homens e mulheres negros, presos a ele. Ele é real e tem uma filha, ela estava lá quando fui levada.

-Você a viu? – Fox parecia estar se aproximando – Essa filha, você viu como ela era? Poe descrever ela?

-Eu estava drogada, só ouvi a voz dela. Autoritária, jovem, como alguém que poderia dançar conosco em um baile. Nobre. Acho que ela é nobre, quando Kambami me tirou de lá tinha um par de brincos... – balancei a cabeça, sentindo mais lágrimas escorrerem, aos montes dessa vez. – Achei que queriam me impedir de voltar para casa, mas o estranho foi que... Eles pareciam surpresos em me ver esta tarde.

-Como assim? – Elizabeth perguntou, mas foi Dylan quem respondeu antes de mim.

-Não estavam atacando a Bethany – eu quase conseguia vê-lo, encolhendo os ombros – Estavam atacando a mim. E então, pareciam surpresos ao vê-la, e começaram a atacar a ela também.

-Pode abrir os olhos – falou Cameron, e quando eu o fiz ele me entregou uma toalha para secar o rosto – Consegue enxergar?

-Está um pouco embaçado ainda – falei, piscando e deixando que as lágrimas se dissiparem um pouco – Mas não está mais doendo. Obrigada.

-É o meu trabalho – ele brincou, e acreditei que fosse um sorriso que eu vi por trás da névoa de lágrimas acumuladas.

Todos esperaram ali, em silêncio. Aparentemente, ninguém pensou em avisar outras pessoas do nosso retorno, mas isso não importou tanto assim. Enquanto meus olhos se adaptavam as formas, agradecidos pelas poucas luzes remanescentes que iluminavam o salão, percebi que estávamos em um salão de festa no térreo, em uma lateral isolada do palácio, provavelmente sem acesso a outros cômodos, mas com portas para os jardins, e como todo salão de Versalhes, adornado com lustres e espelhos.

Havia vasos de plantas, os instrumentos de uma orquestra, e uma pintura de pássaros em uma parede não muito distante. Os garotos que sonhavam com beleza e arte, ainda estariam vivos? As meninas? Alguém além de Gelo tinha perdido a vida em meu nome?

-Vou mandar prepararem um banho para você – falou Elizabeth, beijando minha testa e se afastando, com as saias lilases com rosas de tecido no final de cada camada.

-Está calor aqui – falei por fim, me levantando e sentindo meus próprios pés reconhecerem o peso do meu corpo. Esperava me desequilibrar, mas minhas pernas, agora que eu podia enxergar o mundo, estavam fortes para me manter em pé – Preciso de ar.

-Aqui – Fox me ofereceu o braço, e ao aceitar percebi que o que me envolverá era o blazer de seu terno. Não deixei que ele percebesse minha duvida ao aceitar seu braço, não por não querer as ajuda, apenas por que era boa a sensação de poder ficar em pé sozinha.

-Eu não tenho certeza se esta é uma... – começou Cameron a contrariar, mas pareceu desistir no caminho enquanto Annie e Dylan nos acompanhavam.

-Eu me pergunto o que impede minha digníssima esposa de ter nos alcançado até agora – Dylan refletiu, respirando fundo.

-Provavelmente está escolhendo a roupa certa – Brincou Annie, fazendo com que todos rissem.

Do lado de fora, Teodore e Sabrine Veneza brincavam com Marie, montada em um pequeno pônei, enquanto as duas irmãs mais velhas observavam. Camille e Joelle riam, parecendo fazer um piquenique noturno na grama. Parecia mágico, as árvores dos jardins haviam sido adornadas com lindas flores brancas e douradas, e luzes caiam penduradas em fios invisíveis, quase como se os galhos derramassem lágrimas brilhantes sob o por do sol em Versalhes.

Havia dezenas, talvez duas ou três centenas até, de pessoas caminhando e se divertindo a vista. Em algum dos outros salões, música tocava. Criados carregavam tecidos, caixas, bandejas. Guardas faziam suas rondas. Versalhes tinha vida.


-Vossa Majestade. Princesa Antoinette. – nos viramos para as portas, para Isabel Venezza vestindo uma armadura de metal vermelho brilhante, os cabelos bem presos e um capacete sob o braço, seguida de dez soldados da Guarda Venezza, alguns carregando partes de armaduras, todos completamente prontos para batalha. Ela beijou Dylan rapidamente, antes de continuar falando com eles – Temos problemas. Isso acabou de chegar.

-O que é isso?- Fox puxou o bilhete que Isabel estendeu, lendo em voz alta – Homens do Dragão. Em direção do palácio. Cleópatra.

-Cléo – arfei, dando um passo em direção a Fox.

-Bethany – Isabel suspirou, me abraçando com os dois braços, me fazendo gemer ao toque do metal frio, sussurrando - Ninguém sabe de nada - e em seguida exclamando em voz alta – O que aconteceu com seu cabelo.

-Não temos tempo para isso – grunhiu Annie, vestindo um peitoral que um dos guardas segurava – Preferia não ter que lutar de vestido.

-Bethany, vocês os viu – falou Dylan, olhando para mim. Já não era mais meu amigo, era um soldado outra vez – Quantos homens acha que eles têm?

-Eu não vi mais do que cinco deles, mas havia tantos nos atacando, e tantos na floresta – balancei a cabeça, com todos os olhos em mim – Pelo que ouvi das pessoas que me resgataram, podem ser centenas. Estão espalhados por diversos lugares, não é possível que tenham se reunido tão rápido.

-Ficaria surpresa – grunhiu Isabel, estalando os ombros – Minha mãe está juntando seus homens. Todos dentro do palácio estão se reunindo em lugares seguros.

-Os jardins estão cheios – falei, apontando para o obvio do lado de fora – Precisamos tirar todos de lá.

Annie assentiu – Sem causar pânico. Se gerarmos pânico será ainda pior quando o ataque começar.

Abri a boca para dizer algo, mas fosse o que fosse, morreu na minha garganta quando o chão começou a tremer. Dylan tirou algo, uma lupa do bolso, e olhou adiante – Tarde demais. Eles estão aqui.

-Quantos? – Fox perguntou, pegando o capacete de um dos soldados Venezza.

-Trezentos talvez mais. Há homens andando, homens montados – ele balançou a cabeça – Como isso é possível?

-Estamos sobre ataque! – gritou Fox, para todo o jardim – Aqueles que não podem lutar saiam dos jardins! Aqueles que não estão armados ou vestindo suas armaduras, se apressem. Precisamos de cavalos!

-Chamem James Bordeaux – Annie gritou para um pequeno grupo de guardas, e se virou para mim – Bethany, precisa se esconder. Agora.

-Por onde? – Isabel grunhiu, irritada com ela – Estamos isolados do resto do palácio, o único lugar que ela chegará por aqui é o armário de onde viemos.

-Ela não pode ficar no meio do combate, Isabel! – grunhiu Fox, ainda mais irritado do que ela.

-Sabrine ficará com ela – Louise Venezza surgiu, montada, com uma série de cavaleiros e cavalos atrás dela – A colocará para dentro e em segurança. – ela estava vestindo uma armadura que parecia pequena em alguns pontos e grande em outros. Dificilmente ela havia pensado que precisaria mandar ajustar uma. Ela trazia uma besta nas mãos, e apesar da baixa estatura parecia ter muita facilidade para manea-la – James está juntando seus homens pela direita. Teodore lidere pela esquerda. Irei com o rei e a princesa pelo centro.

-Por aqui – Sabrine me puxou para cima do cavalo, contornando o palácio, passando pelos homens de James Bordeaux, vestindo uma armadura similar a Dylan. Ele me viu, sorrindo e acenando com a cabeça antes de colocar o capacete.

Algo acertou o cavalo de Sabrine Venezza. Um tiro. E mais quatro, fazendo o animal cair no chão, abatido, derrubando ambas. – Estamos quase na entrada de criados – arfou Sabrine, me puxando pelo braço e correndo. Sim, ela estava certa, havia uma entrada. Uma pesada porta de metal e madeira, fechada, com duas dezenas de pessoas amedrontadas batendo contra ela. Mulheres e crianças, criados e nobres, todos desesperados sem ninguém para deixa-los entrar.

E pior, não havia para onde correr. Estávamos encurralados, e o chão tremia cada vez mais. Estavam se aproximando de nós. Sabrine xingou em italiano, se pondo em minha frente. Em frente ao grupo inteiro.

-Fiquem atrás de mim! Todos atrás de mim! – gritou Sabrine, tirando uma arma também. Os sons de guerra se aproximaram mais e mais, gritos e tiros, espadas e cavalos. Era impossível, que todos ficassem atrás de uma única garota, pensei – Há mais deles se aproximando. Por que estão vindo para este lado? O que James está fazendo?

-James achou que conseguiríamos encurrala-los, mas alguns deles viram Bethany – Isabel se aproximou galopando – Nunca vi tantos deles. Em vinte anos.

-Nunca vi tantos deles em cinquenta anos! – Louise Venezza grunhiu, logo atrás dela – Mas estão atrás de você, garota. – ela me entregou uma faca – Fique com isso!

-Ela não sabe usar isto! – gritou Isabel, se aproximando para tirar a faca da minha mão. Agarrei-a com força.

-Sei usar – garanti, recebendo um olhar surpreso das duas. Um soldado cedeu o cavalo para Sabrine, tomando o dever inútil de nos proteger para si mesmo, enquanto a batalha era travada bem em frente aos nossos olhos.

A confusão era crescente, os soldados do palácio estavam lutando ao lado dos homens de James e da guarda vermelha. Fox e Annie estavam lutando, montados com leveza e elegantemente desviando dos ataques. Eles se defendiam, mas não era a forma com que os Venezza lutavam. Louise haviam nos deixado no conflito, mas vendo-a lutar ao lado de Isabel, Sabrine e Teodore deixava claro que aquela era a posição em que podiam, apesar de todo o orgulho, ser uma família, atacando cada inimigo com precisão e lhes concediam uma morte rápida.

Apesar dos boatos era inegável a sinergia entre James e Dylan no campo de batalha. Estavam ali para matar, ambos, e enquanto James apreciava cada morte lenta, Dylan se aproximava mais da esposa. Matava rapidamente, impiedosamente, com uma satisfação de quem protegia as pessoas que amava.

E em meio a tudo aqui, ainda havia um brilho avermelhado de um pássaro cruzando entre a luta em movimentos inteligentes demais para o bem de qualquer um que lutasse contra ele. Apolo, incapaz de usar um capacete aparentemente. Meu coração acelerou, se ele estava ali, Alicia estava em algum lugar daquele enorme palácio preocupada com ele.

-Deixe-os ir! - gritou James, quando a luta começava a se afastar de volta para a entrada do palácio.

-Pela direita! - gritou Isabel - Apolo tire seus homens do meu caminho! Somos melhores atiradores! Teodore preciso que você...

Um tiro cruzou em nossa direção. Em minha direção, acertando a lateral do meu quadril.

-A princesa! – gritou alguém no grupo em minha volta, e outro tiro acertou uma pessoa próxima a mim. Na cabeça.

-Protejam a princesa! – gritou alguém, enquanto todos se moviam em minha volta, me empurrando para trás. Para mais perto da parede, mais longe dos tiros.

-Protejam a futura rainha! – gritou outra pessoa.

-Não! – gritei, mas eles não estavam me escutando. – Não! – segui gritando, enquanto eles tentavam impedir de me deixar passar. Enquanto eu tentava fazê-los ver que eu não queria que morressem por mim daquela forma, vendo por entre os pés de meus protetores mais e mais corpos caindo naquela barreira que haviam feito. – Eu preciso... – Ver. Eu precisava ver.

-Isabel! - gritou Teodore em algum lugar. Parecia confuso, alarmado, assustado. Empurrei uma pessoa na minha frente, a tempo de ver uma dezena de homens se aproximarem dela. Venezza, assustado, jogou as patas traseiras contra um deles, que caiu inconsciente no chão no mesmo instante. Mas Isabel sequer se preocupou em retomar sua montaria. Ao invés disto, saiu correndo em meio à batalha.

-O que ela está fazendo? - gritou Annie, assustada, enquanto um homem se aproximava dela. - Isabel, atrás de você!

Isabel berrou de dor, quando um homem se jogou com todo o peso sobre a perna dela a derrubando no chão.

-Bethany, se abaixe! – as portas atrás de mim se abriram e, enquanto Nisha saia, com uma arma nas mãos, as pessoas em minha volta entravam correndo. Não me movi, vendo Nisha apertar o gatilho. O som cruzou o ar, até a bala acertar na testa do homem sobre a perna de Isabel.

-Eles estão recuando – gritou James, em algum lugar – Ordene seus homens Drake. Você também Louise.

-TEODORE! - Louise Venezza gritou antes de se afastar com os homens que lutavam em nome de sua família. Uma ordem. O primogênito da família Venezza ficou para trás, pulando do cavalo e correu até a irmã, levantando do chão. A perna de Isabel caia de forma inumana para a lateral.

-Levem-na para dentro! - gritou Fox, em caminho de sumir de nossa vista - Levem-na para a enfermaria!

-Não! - Isabel jogou o tronco para frente, agarrando meu braço - Marie. Bethany, Marie está lá!

-Isabel, Marie está lá em cima no quarto com Dakota e Juliette. Mandei que elas entrassem quando vi a confusão começar - falou Teodore, preocupado, enquanto a luta enfim se afastava para além dos nossos olhos - Precisamos ir, Isabel! Antes que voltem, preciso tirar você daqui!

-Ela está lá, seu bastardo estúpido, ela... - Isabel não precisou terminar de falar. O grito de Marie Venezza ecoou por todo o jardim - MARIE!

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