Similar

Par bibilendo

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O ano é 2755 e cada ser humano do planeta tem o seu "similar". A ROBONES, maior empresa de tecnologia robóti... Plus

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Par bibilendo


— Vai querer mais café, senhor? — perguntou a garçonete vestida de rosa dos pés à cabeça.

Yegor levantou os olhos devagar. 

Olheiras negras e profundas contrastavam com o azul límpido de suas íris, os cílios longos e claros piscaram duas vezes antes de responder a mulher apática a sua frente.

— Por favor. — A voz rouca era quase um sussurro saído de sua boca.

A garçonete tocou seu dedo indicador na borda da xícara e em segundos o vazio daquele recipiente fora preenchido por líquido escuro e forte.
— E a garota?

À frente de Yegor, quase sem conseguir encostar os dois cotovelos na altura da mesa, uma menina franzina, por volta de seus nove anos estava sentada. Nas bochechas dela, barro e sujeira misturavam-se com suas sardas ruivas.
— Red? — questionou Yegor para a garçonete. — Pergunte a ela. A garota definitivamente sabe o que quer. — Soltou uma risada engasgada seguida por uma tosse seca.
— Daqui eu não quero nada. Tudo tem gosto de plástico. — disparou a miúda garota olhando emburrada para Yegor.
— Comida tem gosto de plástico, nanica. — ele resmungou. Levantou a mão e acenou dispensando a garçonete que logo em seguida sumiu em um glitch.
A voz anasalada da apresentadora do jornal da manhã capturou a atenção de Yegor e Red.



"ROBONES higienizou por completo mais um território no norte da Ásia. O Presidente Maior divulgou em nota que o último humano foragido da cidade de Astana no Cazaquistão fora capturado por seu Robot Similar. Alak Muab agora é o último da oitava geração de Robots na Ásia a despoluir por completo a vida em sociedade do local. Os planos do Presidente Maior são de em 2755, em menos de um ano, conseguir higienizar toda a raça de humanos foragidos. Os robots da oitava geração que não conseguirem completar a higienização até o tempo estipulado pela ROBONES serão desligados e substituídos pela nona geração."


— Vinte minutos, esse é o tempo que eu tenho, nanica. — Yegor sorveu um longo gole do café tomando a atenção da garota para si. — O meu Similar tem vinte minutos para chegar até aqui e me fazer em pedacinhos. O maldito quase conseguiu. 



Ele levantou o braço esquerdo que estava escondido até então. Ali, naquele espaço que deveria estar sua mão, agora apenas via-se um cotoco enfaixado. Voltou a esconder rapidamente porbaixo da jaqueta.

— Antes de te encontrar, com essa maleta velha e esse urso de pelúcia ridículo, eu consegui fugir dele. Essa é a última chance de ele me "higienizar" desse sistema fodido. 


Yegor olhou rapidamente para a garotinha a sua frente e levantou um dos cantos dos lábios.

— Nanica, foi o momento mais aterrorizante da minha vida. Não quando ele me achou. Ou quando ele cortou fora a minha mão. Não, nanica, fodido foi quando eu vi o meu nome naquela lista de procurados, e o tempo que o meu Similar tinha pra me caçar. Eu quase borrei as minhas calças. Eu chorei naquele dia, eu chorei feito um garotinho aterrorizado.

Yegor baixou seus olhos para a xícara em silêncio, desfazendo seu sorriso. Tomou o último gole da xícara. Passou a mão trêmula em seu cabelo, ajeitando-o. 

— Nanica. - Yegor começou baixo. — Eu não vou conseguir dessa vez. Ninguém consegue. Esses malditos robôs foram programados para serem uma cópia idêntica e melhorada da gente. Meu Similar sabe dos meus defeitos, qualidades e medos. Ele sabe como me pegar, nanica. — Yegor olhou para o relógio na parede contando os últimos minutos que restavam antes que o Robot chegasse ali. — Ele vem me procurando. Eu sei disso. Eu sei porque eu sou a porra do melhor hacker desse distrito, e nem mesmo eu consigo apagar meus rastros.

Dyadya... Tio. — Red começou a remexer em sua maleta.

Puxou um revólver e levantou com as duas mãozinhas como se o mesmo fosse pesado para ela.

— Eu vou fazer isso. Esse Robot não pode me atacar, eu não sou Similar dele, e ele não espera por mim. — Guardou rapidamente o revólver, e com olhos arregalados, falou. —Você me ajudou Dyadya, e eu vou ajudar você.
— Você vai precisar ser forte.

— Eu sou.

— Você vai precisar ser forte psicologicamente, vai precisar diferenciar nós dois. Ele é uma cópia exata de mim. Até mesmo eu fico confuso quando vejo os olhos dele, os meus olhos.
Os dois ficaram em silêncio. Após um milésimo de segundos, Yegor olhou para o teto e soltou uma gargalhada.

— Meu Deus, Yegor. Você é mesmo um homem miserável... Uma garotinha de nove anos vai salvar a merda da sua vida. — falou para si mesmo, por fim, apontou para a xícara a sua frente

— É melhor pagar por isso e esperar o meu amigo lá fora.

Yegor passou o braço com uma pulseira metálica rapidamente por cima do canto da mesa, onde havia um painel luminoso com os valores a serem pagos. Assim que ouviu-se o bip do pagamento, o holograma da garçonete apareceu.

— Obrigada pela sua presença! — a mulher de rosa disse de forma mecânica, desaparecendo logo em seguida como se nunca tivesse estado ali.

O som dos sapatos de Yegor contra o chão parecia um relógio que contava os segundos de sua vida. Andou firme até a porta, olhou para trás e encontrou Red ainda no meio do caminho, arrastando a maleta velha que continha todos os seus míseros pertences e um urso azul, tão sujo quanto ela. A menina seguiu até o encontro de Yegor, e quando parou, soltou um longo suspiro.

— Eu não quero que você morra, dyadya. Mamãe e papai já morreram. Não quero que você morra.

Yegor não respondeu. Olhou para o relógio em seu pulso.
— Cinco minutos, nanica. Você fica escondida perto do meu carro, e quando ele chegar... Se eu não conseguir contra ele, se você achar que deve atirar, você atira! Mas se você tiver medo, nanica, tudo bem. Eu quero que você corra, o mais rápido que puder. Você foge, pra bem longe. — ao terminar aquela frase, Yegor colocou sua mão boa nos cabelos de Red e bagunçou-os.
Red assentiu.

***

Lá fora estava frio, extremamente frio. Nos longos minutos que se passaram, o homem de cabelos claros puxou um cigarro e o acendeu. Os dentes de Yegor começaram a bater levemente. Ele estava a alguns metros à frente da lanchonete, onde ficava o estacionamento. Ali, naquela pequena cidade, bem no meio do nada, Yegor só via areia e asfalto.

— Um minuto. - disse para si mesmo.
Chutou uma pedra que estava à sua frente e quando seguiu o caminho que ela percorria, parou.

A pedra bateu em um sapato conhecido. O seu sapato. Mas agora, eles não estavam em seus pés. Do outro lado, a quase 10 metros de distância alguém estava parado em meio às sombras.
O homem tinha os mesmos cabelos loiros, a pele levemente avermelhada, os olhos azuis como o oceano, a pose desleixada de Yegor. Somente suas roupas estavam intactas, como as de Yegor um dia estiveram.

— Vamos lá, faça com que tudo seja rápido, criatura humana. — cuspiu o Robot Similar.

A voz daquele ser era extraordinariamente parecida com a voz original. A rouquidão e o deboche intrínseco. — Você sabe que eu vou te achar, não importa para onde você vá. Porque eu sou você, mas eu sou um hacker muito melhor.
A cópia de Yegor deu um passo à frente, no mesmo instante que ele foi para trás.

— Eu acho que devo processar a ROBONES, porque Deus, você é terrivelmente feio. Achei que fossemos idênticos, não? — debochou Yegor enquanto andava com calma para trás, chegando cada vez mais próximo do carro onde Red estava escondida.

— Eu vou destruir você. - falou o robot. — A sua ambição, é a mesma que a minha. E vocêsabe o quanto somos ambiciosos. Eu quero viver, Yegor, e você precisa morrer. — Voz rouca entoava através do ar gelado da noite.

— Você fala demais! — gruniu Yegor. — Se você quer tanto isso, porque não me matalogo? Seu maldito lixo!

Segundos antes que Yegor pudesse ter terminado sua frase, o Robot disparou em sua direção, os olhos antes azuis agora estavam tomados por vermelho. Ele correu rápido, olhando diretamente para o corpo de seu oponente. Antes do impacto entre os corpos, Yegor rapidamente desviou para o lado, mas isso não impediu a agilidade do Similar ao virar no mesmo instante e desferir uma cotovelada nas costelas de seu inimigo. Yegor soltou o ar e quase caiu ao enrolar-se sobre seus pés. Agora estava de frente para o carro, e o Robot de costas. Ele atacou então, mais uma rápida e inumana vez. 


Foi tão preciso o soco que o barulho de ossos quebrando poderia ter sido tão alto quanto o barulho do tiro que se ouviu.

A bala viajou para longe de Yegor e do Robot Similar. O segundo olhou para trás incrédulo com o que acabara de acontecer.

— Uma criança? — o robot cuspiu as palavras.

O robot se jogou para frente abraçando Yegor, os dois arrastaram-se pelo chão, os corpos em uma dança confusa. Quando por fim pararam, Yegor e Robot levantaram o olhar para a garota.

— Dyadya? - perguntou ela segurando a arma alto. — Dyadya, quem é você?

— Sou eu! — Os dois falaram em uníssono. No mesmo instante olharam-se incrédulos.

— Não!

— Red, sou eu! — falou o Yegor da esquerda.

— Não escute ele, não ouça ele. Eu sou Yegor! — suplicou o da direita que começara alevantar- se.

— No chão! — gritou Red. — Eu. Eu. Eu vou matar você!

Dor passou pelos olhos do homem que agora sentava-se novamente.O silêncio e a tensão que se instalaram naquele momento congelavam a espinha da pequena garota.

— Eu amo você, Red! — falou o Yegor da direita.

— Cala a boca! Dyadya nunca falaria isso!

A pequena disparou em seguida. Novamente o tiro passou de raspão e o Robot Similar pulou com rapidez para o lado onde Yegor estava. Suas mãos em punho socaram o homem que tentava defender-se com os dois braços na frente do rosto. A velocidade com que desferia os golpes era tão intensa que Yegor acabou por chutar a barriga do Robot a fim de derrubá-lo.

Seguiu-se então a dança da morte.

Sangue de Yegor espalhava-se entre os dois. Os gritosem pânico de Red embalavam a cena de forma orquestrada. A garota apontava a arma para eles, mas não ousava disparar novamente. O emaranhado dos dois corpos idênticos era uma confusão.Chegou um momento em que ambos estavam o caos.

Se antes não haveria como diferenciá-los, agora com tanto sangue e sujeira o ato tornava-se impossível. O homem da esquerda por fim segurou o outro pelo pescoço, sufocando quem estava em seus braços. O ódio irradiava através de seus olhos. Red soluçava ao encarar a cena.

— Dyadya? - questionou.

O homem, mesmo usando toda sua energia para sufocar Yegor, falou por fim.

— Red! Eu amo voc

O tiro foi certeiro, encontrou tão rápido a testa da vítima que o mesmo nem conseguiu terminar sua frase. O corpo caiu inerte no chão. Sem respiração, sem movimento. Os olhos vítreos, encarando o céu negro sem estrelas.

Yegor ao seu lado olhava com pavor para o homem morto ao seu lado. Respirava ofegante.

Red deixou a pistola cair no chão e ajoelhou-se, suas pernas finas tremiam.

— Dyadya, você está bem? — por fim questionou a menininha.

O olhar de Yegor antes direcionado para o corpo ao seu lado agora encontrava Red. Antes que ele respondesse, parou. Baixou o olhar para seu paletó a bateu com a mão esquerda para limpá-lo. Red congelou.

— Dyadya! - gritou para o corpo no chão. — Não!

Lágrimas começaram a escorrer pelo rosto da garota.O Robot Similar de Yegor levantou calmamente. Olhou uma última vez para sua cópia no chão e avançou até onde sua suposta sobrinha estava. Baixou-se na altura da garotinha.

— Obrigado. — disse calmamente. —Você não teve culpa. Ele iria morrer de qualquer maneira.

O Similar analisou os estragos que aquele embate teria causado em suas vestes.

—Você foi corajosa hoje.

Virou-se, deixando o corpo sem vida e a garotinha órfã ajoelhada naquele chão terroso.

Parou.

Seu corpo endireitou-se mostrando sua real alma. Um Robot Similar. Mecanicamente, voltou ao encontro de Red.

Baixou-se.

Colocou um dedo no rostinho da menina que agora estava quieta, segurando o choro. Encarou-a, e no mesmo instante, o vermelho tomou suas íris.

A voz que saiu de sua boca não era de Yegor. Era uma voz com chiados, robotizada e sem vida. Por fim, quando Red imaginava que nenhum pavor poderia ser maior que o de assassinar seu próprio tio, ouviu.

Red Belikov. Sua Robot Similar virá ao seu encontro em 2764. Em 10 anos, você vai morrer.

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