Uma década em uma noite [COM...

Par LauraaMachado

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A última coisa da qual Bridget se lembra é do colegial. Minutos contados para que pudesse voltar para casa co... Plus

Projeto 1989
Prólogo
Capítulo 1 - Uma Década em uma Noite
Capítulo 2 - Coisinha Brilhante
Capítulo 3 - Voltando para Casa
Capítulo 5 - Ossos do Ofício
Capítulo 6 - Entre Tropeços
Capítulo 7 - Por Trás de Portas e Secretárias Eletrônicas
Capítulo 8 - Um Café e um Sorriso
Capítulo 9 - Trilha Sonora
Capítulo 10 - No Topo do Mundo
Capítulo 11 - Costa Oeste
Capítulo 12 - Segredos Acidentais
Capítulo 13 - Vestido de Noiva
Capítulo 14 - Um Novo Caminho
Capítulo 15 - Fora de Risco
Epílogo
Personagens
Playlist da Bridget e do Thomas
Agradecimentos

Capítulo 4 - De Dezesseis a Vinte e Seis

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Par LauraaMachado


 We were in screaming color
And I remember thinking

Capítulo 4
De Dezesseis a Vinte e Seis

Uma vez, Leanne me perguntou por que eu passava tanto tempo lendo. Ela simplesmente não conseguia entender como eu tinha paciência para ficar mergulhando em outros mundos. Lembro muito bem que expliquei como era incrível me sentir na personagem, ter os problemas dela, me apaixonar com ela, fugir da minha própria vida.

Ela revirou os olhos para mim.

Eu dei de ombros.

Tudo bem. Ela não precisava entender. Seria difícil mesmo imaginá-la parada por tempo o suficiente para ler um livro, sempre fora muito inquieta. Além do mais, ela continuou me dando livros de presente, mesmo sem entender a raiz do meu amor. E eu continuei me afundando em histórias interessantes e envolventes durante aulas chatas, intervalos em que precisava esquecer da existência de Max e Tony e férias solitárias em Rosedale, quando ela viajava para o outro lado do país.

Lado agora em que vivia.

Esses eram meus maiores tesouros. Empilhados no canto do meu quarto, cada livro era um pedacinho de mim, um mundo bem mais bonito que aquele em que eu vivia. E o pior de tudo é que eu cheguei a me perguntar várias vezes como seria se a minha vida fosse também descrita como um livro.

Pois eu passei os últimos dias praticamente lendo sobre ela e preciso admitir que não foi a coisa mais legal do mundo.

Diferente de todos os outros livros que eu já tinha lido, não me sentia na personagem, e era exatamente quando precisava me sentir. Via fotos, bilhetes, cartas, e nada me fazia sentido. Reconheci meu rosto, minha letra, aprendi como ela teoricamente mudou durante os anos, e ainda assim não conseguia ver nela minha identidade. Nem na minha assinatura, que fui obrigada a aprender, porque, aparentemente, agora as pessoas entregam o que você quiser em casa, e você precisa assinar um papel para isso.

Li também sobre casos nos quais eu participei, relatórios que eu mesma tinha feito e minha tese da faculdade. Nem os cartões postais da suposta última viagem que fiz com meu noivo eram familiares.

Mas, nesse caso, talvez Max fosse o maior dos problemas.

Minha primeira noite em casa foi bem estranha. Primeiro, o apartamento era enorme, digno de alguém que teria pagado pelo quarto de hospital no qual fiquei. Mas o pior de tudo foi perceber que não tinha nada meu ali em seus milhares de cômodos.

Quer dizer, segundo Max, tudo era meu. Eu que tinha escolhido junto com um designer de interiores. Mas nada me era familiar. Tudo era limpo demais, arrumado demais. Nada de pôsteres, glitter ou estrelinhas que brilhavam no escuro. Nada realmente colorido.

Tudo cinza ou branco. Tudo metálico.

Ele era bem bonito, na verdade. Mas adulto demais para eu até começar a desejá-lo no futuro, quanto mais no presente.

Mas ele era meu, da Bridget de noventa e nove. Pena que nada ali me ajudou a recuperar minha memória.

O quarto principal era maior do que a sala da minha antiga casa, e cabia nós dois na cama. Mas simplesmente não consegui deixar que Max dormisse ali comigo. Na verdade, até me ofereci para ficar no quarto de hóspedes, - quem tem quarto de hóspedes dentro de um apartamento? - mas ele insistiu que eu merecia ficar na minha cama, provavelmente esquecendo que aquela cama era tão familiar para mim quanto o sofá da sala.

Achei que isso fosse ajudar bem, mas, toda manhã, ele ia até lá para chegar ao closet e se trocar. Tão habituado que nem percebia que eu tinha que me esconder embaixo das cobertas quando ele começava a se trocar.

Aquilo, sim, era estranho, mesmo que todo o resto tivesse já deixado de ser.

Mas Max estava diferente em atitude também. Ele não fazia comentários maldosos para mim, não exatamente. Nenhuma das vezes em que esqueci de tapar o rosto antes de sorrir, ele aproveitou para falar que eu era dentuça. Pelo contrário, se eu não tivesse deixado claro que precisava de um pouco de espaço e tempo, ele teria me beijado no mesmo dia em que saí do hospital.

De vez em quando, depois de passar horas em casa sozinha, tentando até aprender quem eu era, me dava vontade de rir. De histérica mesmo, de pânico, talvez. Rir de como era possível isso ter acontecido comigo. Rir quase de tristeza, senão só pelo absurdo de tudo. Rir da posição na qual me encontrava, noiva do cara que era para ser o mais idiota do universo. Mas a parte ainda mais inacreditável era pensar que ele me via de um jeito completamente diferente.

Jeito que, na maior parte das vezes, me fazia querer sair correndo para longe dele. E, de vez em quando, me dava vontade era de ir de encontro com ele.

Na segunda-feira, insisti que não me sentia bem o suficiente para voltar ao trabalho - principalmente quando ainda nem sabia direito onde trabalhava, - e ele entendeu. Me tratou como um vaso delicado o resto do dia. Não cozinhou para mim, mas mandou nossa chef particular cozinhar. Não vinha me perguntar como eu estava, mas instruía a empregada a mantê-lo informado. Passou quase o dia todo na academia, mas deixou claro que me ajudaria a voltar a malhar quando eu estivesse melhor.

Acreditar que eu aceitei me casar com ele até parecia plausível perto da possibilidade de eu malhar por livre e espontânea vontade.

Na terça, ele já estava um pouco mais presente. Juliana, aquela mulher da voz aguda, voltou, perguntando se eu estava melhor para discutir nosso casamento, que estava marcado para dia dois de abril. Aparentemente ela é nossa assistente de relações públicas. Ele não deixou que ela falasse sozinha comigo, mas não ficou do meu lado. Ficou do dela, me incentivando a voltar para o trabalho, a rever meu discurso para o evento de caridade que seu time estava organizando, a decidir um sabor de bolo para o casamento.

E foi nesse momento em que eu explodi. Não estava irritada, nem brava. Mas estava exausta, cansada demais de me sentir constantemente afogando em informações de um mundo completamente novo e sem ninguém entender como isso era para mim. Praticamente gritei que tinha me esquecido de dez anos, que não conseguiria voltar para o trabalho naquela tarde, já que eu não conseguia nem me lembrar de quais matérias tinha estudado na universidade. E, apesar da presença de Juliana, acabei soltando também mais do que deveria sobre Max e eu.

Falei que não sabia estar naquele relacionamento - ou em qualquer um, - que nem reconhecia a mim mesma, que não sabia como poderia continuar com aquele noivado.

Mas, assim que falei essas palavras, senti meu coração acelerar. Talvez tenha sido pela expressão no rosto de Max, de quem sentia minhas palavras como cortes em sua pele.

"Mas eu quero continuar," completei, para salvá-lo de tamanha decepção. "Quero continuar com o noivado."

E era verdade. Algo em mim não saberia dar para trás, ainda que eu não entendesse direito o que sentia e quem era.

Depois disso, saí correndo e fui me esconder em meu quarto. Pouco depois, Max apareceu lá, se sentando do meu lado na cama.

"Eu não entendo o que está acontecendo com você, Bree," ele disse, não como quem acusava, mas como quem estava se esforçando ao máximo para mudar aquilo.

"É como se eu tivesse acabado de te conhecer," falei, abraçando meus joelhos como uma garotinha. "Por isso tudo é tão estranho para mim."

Não ousei ver sua reação. "Mas nós nos conhecemos desde crianças."

Balancei a cabeça de leve, só para mim mesma. Pois é, Max, pensei. Mas eu te odiava. Não conheço essa versão que eu supostamente deveria amar.

"Não é a mesma coisa," foi meu jeito ameno de responder.

Ele ficou em silêncio por tempo o suficiente para eu achar que tinha ido embora e me deixado ali, já que me recusava a virar o rosto na sua direção.

Mas então, para minha surpresa, ele falou: "Se tudo que eu preciso fazer é te conquistar de novo, então tudo bem."

E então senti sua mão se dando à liberdade de pegar a minha e me virei para olhar para ele.

"Meu nome é Max," ele disse, como se precisasse começar por aquele fato, e, ao invés de só segurar minha mão, ele a apertou em um cumprimento. "E eu sou jogador de futebol americano."

Soltei uma risada engasgada. "Ouvi dizer," respondi, abaixando meus pés para o chão e apertando sua mão de volta. "Eu sou Bridget."

"Bridget, você me daria a honra de te mostrar sua vizinhança e a vida que nós levamos por aqui?" Seus olhos bicolores me focaram bem mais intensamente do que qualquer pessoa já tinha me olhado, e eu me senti tão estranha, que não conseguia começar a entender o que aquilo significava.

Me sentia confortável, mas deslocada ao mesmo tempo. Observando e sendo observada, como se ele pudesse ler meus pensamentos enquanto me deixava ler os seus.

Eram só dois olhos me olhando, por que eu tinha que questionar a existência de tudo? Por que precisava questionar seu dono e a mim mesma? Quanto antes aceitasse, mais rápido eles se desviariam para outro lugar.

Só que o problema não era como me olhavam, mas sim a pouca distância que estavam de meu rosto. Distância com a qual Max se sentiu no direito e dever de acabar logo, se aproximando de mim devagar e diretamente. O máximo de tempo que eu tive foi de puxar um pouco de ar antes que sentisse seus lábios nos meus.

Eu esperava que a explicação para tudo estivesse ali, que um beijo dele fosse como realizar um sonho ou descobrir que eu já o tinha realizado. Mas, na verdade, foi tão...normal.

Apenas um toque rápido e intenso de seus lábios, mas normal. Ao invés de me deixar mais nervosa, ele me relaxou. Devia ser natural demais, devia já ter me acostumado com seus beijos para eles me afetarem. Quando se afastou, eu sorri, como se constatasse que meu medo era pó e já tinha se desfeito completamente.

Nos dias que se seguiram, deixei que ele me mostrasse um pouco de tudo, das lojas perto de casa, dos restaurantes caros que costumávamos frequentar, onde ficava meu escritório, o estádio do time dele. A cada interação e beijo roubado, ia percebendo mais e mais o quanto ele tinha mudado. Max tinha opiniões fortes sobre algumas coisas, mas nada que me importava. Segundo ele, era isso que fazia de nós o casal perfeito. Cada um tinha seus problemas e um não se metia nos do outro.

Se antes eu só queria sair correndo dessa vida que mal me pertencia, estava cada dia mais confortável nela. Era fácil me acostumar com pessoas me servindo, fãs nos abordando por um autógrafo dele, fotógrafos distantes, mas sempre presentes. Foi bem fácil me acostumar com meu guarda roupa, mesmo que ainda tentasse evitar os sapatos de salto.

Mas Max, carinhoso como podia ser, ainda tinha a péssima mania de policiar tudo que eu fazia fora e dentro de nosso apartamento. Ele insistia que eu tivesse hábitos saudáveis, que me exercitasse, mesmo que pouco, que comesse bem, e brigou comigo quando eu comprei chocolates. Além de que reclamava de cada minuto que eu passasse sem estar estudando os livros que eu tinha de Direito. Tudo, é claro, para meu próprio bem.

"Você não é preguiçosa, você é ambiciosa e trabalhadora. Gosta de se cuidar, de estar bonita," ele dizia.

Em quatro dias, Max tinha ido da pessoa que eu mais odiava no mundo para quase inofensivo. Eu só não sabia ainda lidar com esse seu jeito de me dizer quem eu era e quem não era. Tudo bem que ele provavelmente sabia bem mais sobre o assunto do que eu, que nem conseguia me lembrar de quem tinha estado comigo durante o acidente, mas bem que ele poderia me falar que a Bridget de noventa e nove adorava passar suas tardes assistindo filme e comendo pipoca, ao invés de acompanhá-lo na academia.

Só que ainda não conseguia entender exatamente o que tinha visto nele e o que tinha me feito aceitar me casar com ele. Ele era atencioso e foi bem compreensivo quando eu insisti que ainda não estava pronta para dividir a cama com ele, mas eu não sentia que estava me apaixonando outra vez. Estava aberta a tentar, mas e se não acontecesse? O que eu faria?

O evento de caridade de quinta, veio e passou, e eu consegui evitá-lo depois da explosão na frente de Juliana, mas, no dia seguinte, tinha outro evento, do qual eu não poderia fugir. Meu aniversário.



Por mais que tivesse me esforçado para garantir que o melhor para mim seria ficar quieta, no meu canto, lendo os milhares de livros de Direito que se acumulavam no meu escritório, - quem tem escritório em casa? - minha mãe se recusou a deixar esse dia passar em branco.

"Você perdeu nove aniversários, Bridget," ela disse. "Considere-se sortuda por eu não te obrigar a comer dez bolos."

Os dez bolos seriam terrivelmente bem-vindos. Eu estava preocupada era com a quantidade de pessoas que estariam à minha volta, todas vivendo no mesmo ano e eu ficando para trás.

As fotos desses nove aniversários estavam presas a um mural enorme que esvaziei no escritório só para tentar reconstruir uma linha do tempo da vida que perdi. Nos últimos, desde que tinha ficado com Max, parecia que ele era o único comigo. O tamanho do bolo também foi diminuindo, junto com a lista de convidados. Mas a parte que realmente me incomodava era a ausência quase gritante de Leanne nas minhas fotos.

Pior ainda, só o fato de que eu estava agora sentada em uma mesa enorme no deck do quintal da minha mãe e nenhum dos convidados era ela.

"Deve ter sido incrível, não é, Bridget?" Uma amiga antiga de mamãe falava, pela milésima vez. "Acordar um dia naquele apartamento maravilhoso que vocês têm! Quem dera se acontecesse comigo!" E então soltou a risada que atormentou minha infância, de tão aguda.

Minha vontade era de sair correndo para dentro da casa, me trancar no meu quarto e esperar que ela tivesse ido embora para sair de novo. Era o que eu sempre fazia, e, mesmo assim, ela nunca chegou a perceber que sua presença era irritante!

Parecia que os anos que enrugavam seu rosto só a pioraram, só fizeram sua risada mais alta, sua falta de noção mais drástica.

Foi realmente incrível, queria responder, acordar noiva de um cara que eu detestava.

Mas Max estava na minha frente, comendo por vinte pessoas, feliz e abstraído, e não merecia meu ódio, ainda que não tivesse conquistado meu amor.

"Nós vamos reformar," ele falou do nada, como se aquele fosse um plano que tivéssemos feito. "A gente acha que é bom ter um recomeço. Para Bridget."

"Acha?" Perguntei, tão baixo que só eu mesma ouvi.

Olga, a amiga da minha mãe, riu ainda mais alto. "Ai, como eu queria ter essa sorte!"

Quis revirar os olhos, mas só olhei para minhas mãos em meu colo. Tudo bem ela não perceber como era inconveniente, mas Max não precisava lhe dar atenção.

"Por que você não a ajuda?" Ele falou, me fazendo levantar a cabeça de uma vez para mirá-lo. "Ela vai adorar."

"Vou?!" Dessa vez, minha voz saiu bem mais alta e em pânico, mas Olga fez questão de ignorar.

"Seria um prazer!" Ela soltou, para meu horror.

"Não sejam tolos," minha mãe interrompeu, alto o suficiente para ganhar das conversas que tinha entre nós. "Bridget precisa se lembrar de seu apartamento! Mudar tudo não vai ajudar em nada!"

"Ah, que pena," Olga resmungou sozinha, enquanto eu escondia meu sorriso. "Fica para a próxima."

"E passar os dias assistindo televisão ajuda" Para minha surpresa, até o tom de Max parecia íntimo demais, com remorso demais para aquela ocasião.

Minha mãe não se abalou, só balançou uma mão no ar, se sentando depois de terminar de se servir do vinho que nós tínhamos trazido.

Está aí uma parte muito boa de ter de estar fazendo vinte e seis anos, ao invés de dezessete. Vinho. Principalmente branco, borbulhante, do tipo que meus pais só me deixavam beber no ano novo, mas de uma qualidade bem melhor. Max tinha um amigo que praticamente nos fornecia vinhos assim, aqueles que deveriam se chamar champanhe, mas são feitos na Califórnia e, por isso, são obrigados por lei a terem qualquer outro nome. O único problema, na verdade, era que eles me faziam querer dormir durante umas doze horas por dia.

"Está se divertindo, querida?" Minha mãe perguntou, e eu sorri na hora.

Não, claro que não. Das vinte pessoas que estavam lá, as únicas que eu convidaria para meu aniversário eram minha mãe e minha irmã. E seu marido, que conheci há pouco tempo. De resto, talvez até Max ficasse de fora. Os vizinhos são relativamente interessantes, levando em conta que eles não mudaram em quase nada. Mas preferia deixá-los para um chá da tarde, e não para o que deveria ser o meu aniversário.

E ainda tinha aqueles convidados de quem nunca gostei, que minha mãe sabia que eu não suportava, mas fez questão de chamar.

"Papai vem?" Perguntei, logo fazendo-a bufar de irritação pela mera menção do assunto. "Tá, deixa."

Não tinha mesmo esperanças de que ela fosse convidá-lo. Depois de muita insistência, consegui descobrir o que aconteceu. Ele aparentemente estava de caso com uma viúva que tinha se mudado para o final da rua. A mulher já foi embora e papai jurava que nada realmente aconteceu, mas mamãe se recusava a lhe dar ouvidos.

Infelizmente, ele, como representante de vendas da empresa onde trabalhava, teve que viajar esse mês. E eu, ainda morrendo de saudades, tive que me contentar com um telefonema.

Daria tudo para que ele estivesse ali agora.

Pior do que pensar em meus pais separados, só ter que ouvir mamãe falando de seus encontros a cegas, aos quais ela insistia em ir, porque, segundo ela, estava de volta ao mercado e a fila andava.

Nem mesmo depois de eu tapar os ouvidos com as mãos, ela parava de falar de cada homem com quem já jantou. Sorte que a conversa mudou depois dos primeiros convidados chegarem.

O fato é que eu não esperava que ela fosse convidar meu pai, não por bom grado. Só torcia para fazer um pequeno esforço por mim, já que estava sendo obrigada a conviver com os convidados dela no que era para ser o meu aniversário.

Enquanto bloqueava toda a conversa dispensável à minha volta e o barulho de Max comendo, aproveitei para olhar de novo o quintal que eles tinham reformado.

Apesar de ter perdido a memória de nove aniversários, me lembrava especialmente do meu de dezesseis. Talvez fosse por sentir que ainda era o último que tinha comemorado, talvez porque tive milhares de expectativas frustradas para ele. Talvez porque ainda me odiava por ter chegado a pensar que meus pais não se importavam comigo.

Ainda podia me lembrar dos dias que o antecederam, como eu chorava sozinha em meu quarto, sentindo o mundo desabar à minha volta. E como devia ter feito meus pais se sentirem péssimos, só porque não tinham o dinheiro para me dar o aniversário com o qual tanto tinha sonhado.

Mas, na tarde do dia vinte e seis de fevereiro de 1989, exatamente dez anos atrás, eu saí para o quintal, depois de ter cancelado tudo na raiva, e vi que eles, afinal, não desistiram tão fácil assim de mim. Minha mãe tinha passado noites costurando a toalha de mesa, recortando e montando os enfeites que ela pendurou nas árvores. Meu pai tinha cozinhado, os dois fizeram meu bolo juntos, que desmontava na mesa, mas dava para ver que tinha dado trabalho. E lá, escondidos e me esperando, estavam Leanne e Thomas.

Quis chorar ao lembrar das lágrimas que derrubei por me sentir a pessoa mais idiota e ingrata do mundo. E provavelmente era.

Como estava sendo agora.

"Obrigada pela festa, mãe," falei, me virando para ela. Não foi alto o suficiente para ganhar dos tagarelas entre nós, mas foi o bastante para ela que entendesse, sorrisse e me fizesse sentir que valia a pena.

Porque os convidados nem faziam tanta diferença assim. Era seu jeito de demonstrar que se importava comigo. Talvez seus modos para isso não fossem sempre tão acertados, mas carregavam muita boa intenção. E a última coisa que eu queria era me sentir ingrata novamente.

Principalmente agora em que ela tinha comprado enfeites caros e encomendado o bolo de um profissional.

"Aposto que estava esperando um aniversário de papel crepom!" Ela apontou para mim, seu jeito de brincar.

Foi impossível não sorrir e mirar meus olhos de novo em meu colo. Era brincadeira, mas ainda carregava aquela culpa em meus ombros.

Quando levantei o rosto para lhe responder, Max foi mais rápido.

"Tipo aquele aniversário seu?" Ele riu. "Que vocês enrolaram papel colorido para todo lado?"

Sua risada me fez levar a mão à boca, a cobrindo por instinto, mesmo que eu nem sorrisse. Nesses últimos dias, eu tinha deixado de odiá-lo e talvez chegado mais perto de sentir que o colegial tinha ficado para trás. Mas não gostava quando ele falava de antigamente, não quando as lembranças estavam tão frescas na minha cabeça.

"Você não era nada sem mim, hein?" Ele fez questão de completar, piscando com um olho só para mim.

Quis me esconder embaixo da mesa. Sabia que deveria só dar de ombros, deixar claro que algo que tinha acontecido mais de dez anos atrás não importava. Mas esses dez anos não tinham acontecido para mim e, entre aquele momento e os mais humilhantes que Max tinha me causado, não tinha muitas lembranças. Ele não estava ajudando a me fazer gostar dele outra vez.

O resto da festa riu junto com ele, e eu fiquei quieta, deixando que o assunto morresse.

"Desculpa o atraso!" Assim que reconheci a voz de tia Mary, meu rosto se iluminou. Me virei na hora para vê-la passando pela porta do quintal, um sorriso enorme no rosto e um presente embrulhado em casa em suas mãos.

Passei minhas pernas pelo banco para sair dele, tentando me equilibrar nos saltos das sandálias que, segundo minha mãe, custavam uma fortuna para eu reclamar de conforto, e fui até ela, que me envolveu em um abraço apertado assim que pôde.

Eu já sabia que Leanne não viria com ela. Estava morando em São Francisco e demorava dias para responder cada e-mail meu, que, aliás, já era demorado o suficiente para conectar, escrever e esperar mandar. Mas, segundo os jornais e todo mundo para quem eu perguntava, ainda era mais rápido que cartas. E, mesmo assim, Lea ainda parecia sempre ocupada demais para escrever muito.

Na verdade, ela devia estar ocupada demais para tudo, pois minhas ligações sempre paravam na sua secretária ou na secretária eletrônica quando ligava na sua casa. Enquanto isso, a minha piscava todos os dias o tempo inteiro com mensagens novas, e nenhuma era dela.

Mesmo assim, quando vi sua mãe, pude jurar que ela estava logo atrás, só esperando para me fazer uma surpresa.

Mas a única pessoa que a acompanhava era Thomas.

Não que isso fosse ruim. Assim como sua mãe, ele era um oásis no meio de convidados estranhos. Fui direto dela para ele, o apertando forte e mal o sentindo me devolver o abraço.

Aliás, quando o soltei, ele parecia quase mais desconfortável do que eu naquela festa.

"É só uma lembrancinha," tia Mary disse, segurando o embrulho na minha direção, "mas espero que goste."

"É claro que eu gosto!" Peguei dela, o trazendo para mim. A verdade era que eu já gostava mesmo, porque sabia que vinha deles.

E só amei mais ainda quando abri e descobri que era um suéter roxo, tricotado por ela, com meu nome escrito em branco. Eu o vesti na hora, mesmo que o novo deck renovado do quintal da minha mãe fosse fechado e climatizado.

"Muito obrigada," falei, a abraçando de novo. "Amei mais que tudo."

Thomas tinha as duas mãos nos bolsos, parado atrás dela como se desejasse ser invisível.

"Você também," falei, mas ele só assentiu. "Querem beber alguma coisa? Tem vinho."

"Eu aceito vinho!" Mary disse, logo que minha mãe chegou até nós. "Alba, que festa mais charmosa!"

"Não é?" Minha mãe perguntou, um pouco convencida demais, colocando a mão nas costas de sua vizinha. "Vem, vem sentar aqui, que eu preciso te contar do meu encontro de ontem!"

Arregalei os olhos para mim mesma, confirmando que aquela era uma conversa da qual eu passaria longe.

"Quer vinho?" Falei para Thomas, talvez até alto demais, tentando bloquear a voz da minha mãe.

Que estranho pensar nele bebendo, quase mais estranho que eu beber.

"Não, eu não bebo mais," ele passou os olhos pela festa, me obrigando a ir ficar literalmente na sua frente para que me mirasse.

"Não? Desde quando? Ou nunca bebeu?"

Ele engoliu a seco. "Resolução de ano novo," foi sua explicação.

Só concordei com a cabeça. "Tem refrigerante também, mas tenho que ir pegar na geladei-"

"Pode deixar," me cortou, talvez animado demais, já dando passos atrás para ir em direção à cozinha.

Mas eu definitivamente não ficaria ali.

Só tinha um pequeno corredor entre a sala da porta para o deck e a cozinha, mas, quando cheguei lá, ele já estava com a geladeira aberta.

Parei no encosto da porta, o observando. Thomas já tinha feito aquilo um milhão de vezes, já era de casa fazia tempo. Mas foi impossível não perceber cada movimento dele, tão costumeiro e tão diferente. Ele estava bem mais alto, mas o mais estranho era como tirou o refrigerante da geladeira de uma vez, sem hesitar em ir pegar um copo do armário. Ele era direto, sem dar a impressão de que se sentia inconveniente por simplesmente existir, como sempre pareceu. E, quando percebeu que eu o tinha seguido, só olhou rapidamente por cima do ombro, logo voltando ao que fazia.

"Quer ajuda?" Perguntei, entrando na cozinha, apesar de ele já estar fechando o refrigerante e voltando a colocá-lo na geladeira.

"Não precisa," falou, quando pegou o copo outra vez e, logo em seguida, tomou um gole enorme.

Era estranho vê-lo de perto, com os ombros largos e bem mais encorpado. Se tivessem me perguntado no colegial, nunca diria que ele algum dia teria tanta cara de homem, principalmente considerando que era dois anos mais novo que eu.

"Eu estava torcendo para ver Lea," comentei e, sem pensar duas vezes, me apoiei na ilha da cozinha e pulei até estar sentada nela.

Só percebi mesmo que ainda não tinha perdido aquele costume quando esperei que Thomas fizesse o mesmo e não fez. Ele só ficou apoiado na bancada.

"Ou pelo menos conseguir falar com ela direito," completei.

Ele franziu a testa, olhando para cima para encontrar meus olhos. "Ela não tá falando com você?"

"Até fala, mas demora tanto para me responder! E só diz que está sem tempo para falar demais."

Suas rugas relaxaram, mas dava para ver que ele franzia as sobrancelhas com bastante frequência, pois já marcavam sua testa de um jeito até adorável.

"Não é nada pessoal, ela não costuma ter tempo para ligar para a gente também," ele disse, praticamente cruzando seus braços e deixando o copo bem à frente da boca, mesmo quando não bebia.

Eu só balançava as pernas no ar. "Eu entendo, mas é estranho mesmo assim. Ela é minha melhor amiga."

Para isso, ele não tinha uma resposta. Mas resolveu mudar de assunto depois de alguns segundos de silêncio.

"Como está sua vida?"

Dei de ombros, suspirando e olhando em volta da cozinha. Quando meus olhos pousaram na ponta da mesa do deck que dava para ver da janela ali, pensei na resposta perfeita.

"Segundo Olga, está incrível, um sonho," respondi. "Quem não gostaria de acordar e descobrir que se esqueceu de dez anos?"

"Se eu fosse ela, gostaria de esquecer da minha vida mesmo," ele disse, me fazendo rir.

"Verdade," concordei. "Seria até bom esquecer minha própria personalidade!"

Eu virei o rosto na sua direção, deixando que nossos olhos se encontrassem. Ele segurou meu olhar como se precisasse daquilo para me entender. E, quando sorriu, ainda que não se deixasse rir como eu e mantivesse o copo como um escudo entre nós, tive a sensação de que o tempo realmente não tinha passado.

Apesar de ele ter crescido e de parecer bem mais adulto do que eu conseguia ser, seu sorriso ainda era bondoso e familiar. O mundo parecia ter perdido todas as cores e o brilho dos anos oitenta nessa década da qual me esqueci, mas, nos poucos segundos em que ele me sorria em silêncio, senti como se nada tivesse mudado.

Quando desviou os olhos para o chão, tive quase medo de nunca mais voltar a ter a sensação de que ainda podia ser eu mesma, de que ainda existia uma parte do mundo que me entendia.

"Você tem alguma dor?"

"Não, nem da batida na cabeça," da qual, na maior parte do tempo, eu me esquecia.

"E tá conseguindo se adaptar?" Perguntou também, evitando tanto me olhar de novo, que achei que talvez não sentisse que estava no direito de saber.

"Não," a palavra saiu da minha boca antes que eu pudesse evitar. "Quer dizer, até estou, como uma pessoa chegando a um mundo completamente novo. Mas não estou nem perto de ser o que esperam de mim."

"O que esperam de você?" Ele voltou a me mirar, só por outros poucos segundos, franzindo as sobrancelhas e parecendo realmente preocupado, o que só me dava um aperto no peito.

Não sabia como tínhamos chegado logo àquela conversa, mas a verdade era que eu queria muito falar aquilo. Principalmente com alguém que tinha o poder de fazer com que eu realmente me sentisse em casa de novo.

"Esperam que eu supere tudo de vez, que simplesmente volte à minha vida normal, mesmo que eu não saiba bem o que é isso. Max espera que eu o ame logo, quando, na verdade, não sei nem por onde começar," as sobrancelhas de Thomas se arquearam de surpresa, talvez confusão, mas eu continuei sem me abalar. "A pessoa com quem eu passava todos os minutos da minha vida nem tem tempo de me responder. E meus supostos colegas de trabalho me deixam mensagens na secretária eletrônica sobre assuntos que eu nunca conseguiria me lembrar! E esperam que eu volte a trabalhar com eles na semana que vem, senão nesse exato segundo."

"Você se esqueceu da faculdade," Thomas falou tão baixo, que tive a impressão que só chegava a uma conclusão em voz alta por descuido.

E aquela conclusão o assustava, como deveria me assustar, pensando em sua testa franzida.

"Sim!" Exclamei. "É exatamente esse o problema! Eles não entendem que eu não passei só uma semana em casa porque sofri um acidente. Não entendem que eu simplesmente não entendo absolutamente nada de Direito que não passe em seriados da televisão dos anos oitenta! E ficam me perguntando quando vou voltar a trabalhar, que estão sentindo falta de me ver ganhando casos no tribunal! Como esperam que eu entre em um tribunal se nem sei o nome do meu chefe?!"

Thomas apertava seus lábios quando olhou para baixo, dando discretamente de ombros.

"Pode rir," falei, quando ele já não parecia que conseguiria segurar por muito mais tempo. "É trágico, mas ainda é engraçado!" Até eu sorria sem me aguentar. "Eles ficam perguntando o que vou fazer no divórcio dos Jones, enquanto minha maior preocupação é se minha mãe guardou minha bota cor de rosa que demorei meses para juntar minha mesada para comprar."

Agora já era demais. Thomas ria tanto que teve que apoiar o copo na ilha. "Não era essa que você nos fez revirar a nossa casa procurando?"

"E que eu tinha deixado aqui e ido para lá descalça?" Confirmei, enquanto ele se inclinava para frente, rindo. "Sim, essa mesma!"

Até mesmo o som da risada dele era reconfortante, contagiante e maravilhoso. Era como se todo o peso que eu vinha carregando durante os últimos dias estivesse se desprendendo de mim, me deixando livre, conforme eu me juntava a ele. Ainda eram duas da tarde, mas o dia tinha estado nublado desde de manhã, e, pela primeira vez desde que acordei, o sol finalmente tinha aparecido. Ele iluminava a cozinha como se fosse criado pelas nossas risadas.

"E quando Lea enlouqueceu de frustração e começou a jogar os sapatos dela pela janela?!" Thomas gargalhava, e, se eu não conhecesse a história, talvez nem entendesse o que tentava dizer. "E eles caíram na piscina!"

"Eu achei que ela ia me matar!" Confessei, rindo ainda mais pela lembrança. "Juro, quando minha mãe apareceu com as botas nas mãos, achei que Lea nunca mais fosse olhar na minha cara!"

"Acho que ela chegou a pensar em um plano de vingança," ele respirou fundo, balançando a cabeça para si mesmo, tentando recuperar o fôlego. "Mas ela nem tinha moral. Sempre revirava meu quarto quando perdia alguma coisa, convencida de que a culpa era constantemente minha. Foi bom sentir um pouco na pele."

Levei uma mão à barriga, a sentindo doer conforme minhas próprias risadas iam desaparecendo.

"Disponha," falei, ainda sorrindo de orelha a orelha pela imagem clara que tinha dela jogando os sapatos pela janela, eles afundando na piscina e eu querendo jogá-los de volta no quarto dela, de raiva.

Thomas devia estar se lembrando também, pois nós caímos em um silêncio um tanto confortável, em que cada um sorria para si mesmo.

"É estranho?" Ele perguntou depois de um tempo. "Se lembrar de dias como esse e não se lembrar do que aconteceu ano passado?"

"Sim," respondi sem hesitar. "É como se eu tivesse viajado no tempo. Apesar de que seria um pouco menos complicado se fosse assim. Pelo menos aí eu não teria que lidar com minhas próprias decisões."

Ele concordou com a cabeça, se endireitando e passando os dedos pelos cachos de seu cabelo, como um jeito de se recuperar. "Do que você lembra?" Quis saber, voltando a quase cruzar os braços, segurando cada cotovelo com uma mão. "A última coisa, digo."

O sorriso, que quase ameaçou desaparecer, voltou ao meu rosto. "Lembro da gente indo assistir De Volta Para o Futuro, parte dois, da gente andando de bicicleta em direção ao cinema."

"Lembra do filme?"

Balancei a cabeça, pegando o copo dele sem pedir e dando um gole. "Agora, sim, porque eu já assisti. E assisti a parte três também."

Ele negou quando eu indiquei para que pegasse o copo de volta. "Sua favorita ainda é a segunda?"

"Sim!" Exclamei, animada. "Como você sabe?"

Ele deu um sorriso amarelo.

"Ah, claro. Você estava lá, como sou idiota," dei outro gole no refrigerante. "Às vezes, até eu me esqueço de que o resto do mundo continuou vivendo. Aliás, que eu também continuei."

Toda diversão desapareceu do rosto dele, e ele de repente ficou bastante sério. "Eu já te pedi desculpas," não era uma pergunta, mas criou várias na minha cabeça. "Mas acho que preciso repetir, não é? Foi no meu primeiro ano de faculdade, era quatro de julho, e eu te pedi desculpas por sempre seguir vocês. Sei que estava sempre deslocado, que atrapalhava mais do que tudo, mas-"

"Não," eu o cortei até um pouco direta demais, quando entendi do que ele falava. "De jeito nenhum, eu sempre gostei de sair com você. Confia em quem lembra do colegial como se ainda estivesse nele. Você nunca me incomodou."

Thomas pareceu não saber reagir, provavelmente não esperando aquela reação de mim, e foi impossível não me perguntar o que eu devia ter dito para ele na primeira vez em que tinha falado aquilo.

Talvez a Bridget da faculdade fosse chata, namorasse o Max e se sentisse boa demais para o resto do mundo.

Será que era por isso que Leanne não parecia se esforçar para falar comigo?

Quando vi Thomas concordar com a cabeça, pensativo, também me lembrei de como sempre soube que ele gostava de mim.

Mas agora ele tinha, o quê, vinte e quatro anos. Já devia ter tido mil namoradas e superado há muito tempo sua queda por mim. Ainda podia ver nele seus toques tímidos, mas estava bem mais confiante que antigamente. E seus cachos bagunçados lhe davam um ar terrivelmente charmoso. Era impossível que não tivesse já conquistado muitas residentes em seu hospital.

Ele talvez tivesse até uma namorada, e, apesar de ter certeza de que ela teria muita sorte, não tive coragem de tocar no assunto.

"Seu sonho de se tornar roqueiro não funcionou?" Assim que perguntei, ele abriu um sorriso de novo.

"Meus pais não quiseram bancar minhas demos," admitiu, me fazendo rir também. "Não depois do show que dei no aniversário de Lea."

Fiquei tão feliz e tão aliviada de ele querer relembrar outro momento do qual eu conseguia me lembrar!

"A culpa não era sua de eles não conseguirem apreciar a beleza do rock pesado."

"Acho que era, hein," ele balançou a cabeça para si mesmo, levando uma mão à nuca e seus olhos para qualquer lugar em que não encontrassem os meus. "Eu até fiz um estágio em uma rádio naquele ano."

"Aquele que a gente foi te inscrever nos correios?"

Ele assentiu. "É, eu fiquei em segundo lugar do concurso deles. Mas depois acabei desistindo da carreira."

Fiz uma careta. "É por causa das músicas? As músicas dos anos noventa são ruins?"

De todas as coisas que ele pudesse ouvir, aquela era a que mais parecia assustá-lo. "Está louca?!" Perguntou, inconformado. "As músicas dos anos noventa são as melhores!"

Eu ri de como ele se importava, como protegia aquilo com unhas e dentes, mesmo que eu só estivesse brincando. Era adorável nele.

"Não sei se acredito," provoquei. "Vou precisar de algumas fitas para analisar."

Ele apertou os olhos para mim, logo os desviando de novo para qualquer outro lugar. "Você precisa é de CDs," me corrigiu. E posso ir buscar uns agora lá em casa, se você quiser."

Parecia que ele estava me chamando para fugir daquela festa, e minha vontade era só de gritar, "Sim!". Mas acabei balançando a cabeça quando percebi pela janela que dava ao quintal que minha mãe se levantava da mesa.

Uma olhada rápida ao relógio dizia que estava chegando na hora do bolo.

"Depois da festa, eu vou lá com você," prometi, e ele só assentiu. "Mas já vou avisando. Se as músicas não forem tão boas assim, minha opinião de você vai diminuir consideravelmente."

Ele deu um sorriso de lado, parecendo querer pensar no que ia dizer. Eu ainda sentia que aquele momento poderia ter acontecido em qualquer um dos anos dos quais me lembrava ou que tinha esquecido, e isso só me dava vontade de abraçá-lo e agradecê-lo por existir. Mas minha mãe apareceu na porta logo em seguida, não parecendo nem um pouco feliz de me ver aonde estava.

Não fui rápida o bastante para deslizar da ilha e evitar que ela falasse: "Bridget, desce daí agora!"

Fiz uma outra careta para Thomas, que só pegou seu copo e disse que ia se juntar ao resto da festa.

No instante em que ele desapareceu pela porta, apesar de minha mãe estar tirando um bolo enorme e colorido da geladeira, o mundo pareceu voltar a ficar em preto e branco.

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