𝗙𝗲𝘁𝗶𝘀𝗵 • H.S.

akastylessgirl

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Uma noite. Foi tudo o que precisou. Agora eles tem um acordo. • •... Еще

antes de ler / teaser
01 [ca•su•al]
02 [ten•são]
03 [pro•pos•ta]
04 [ex•ce•ção] (!)
05 [ca•pri•cho]
06 [a•cor•do]
07 [ris•pi•dez] (!)
08 [de•cep•ção]
09 [re•gra]
10 [em•pá•fi•a]
11 [pro•i•bi•do] (!)
12 [hos•ti•li•da•de]
13 [ge•ne•ro•si•da•de] (!)
14 [con•se•quên•ci•a] (!)
15 [hu•mil•da•de]
16 [in•si•di•o•so]
17 [do•mi•na•ção] (!)
18 [con•des•cen•den•te]
19 [a•fron•ta]
20 [ex•clu•si•vo] (!)
21 [a•lu•ci•nó•ge•no] (!)
22 [a•me•a•ça]
23 [dra•ma•ti•za•ção] (!)
24 [ir•re•ve•rên•ci•a]
26 [con•fi•an•ça] (!)
27 [con•for•tá•vel]
28 [em•bri•a•guez] (!)
29 [con•fli•to]
30 [dis•so•lu•ção]
31 [ci•ú•mes]
32 [re•ca•í•da] (!)
33 [pe•ri•pé•ci•a]
34 [sau•da•de]
35 [ins•pi•ra•ção]
[in•ter•lú•di•o]
36 [va•ri•a•ção]
37 [or•gu•lho]
38 [re•pa•ra•ção]
39 [con•ci•li•a•ção]
40 [a•mi•za•de]
41 [con•jec•tu•ra]
42 [ten•ta•ção]
43 [i•ne•bri•an•te]
44 [êx•ta•se] (!)
45 [su•a•ve]
46 [sub•ter•fú•gi•o] (!)
47 [in•ti•mis•ta] (!)
48 [me•lí•flu•o]
49 [in•ver•são] (!)
50 [fe•ti•che]
bônus [texting]

25 [vul•ne•rá•vel]

679 40 34
akastylessgirl

[ferido, sujeito a ser atacado, derrotado; frágil, prejudicado ou ofendido.]

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TW: menção a assédio sexual



HARRY

Sabe aquele momento nos filmes onde um conflito ou uma revelação acontece e isso leva dois personagens a se desentenderem, majoritariamente porque um deles não quer ouvir e não deixa o outro explicar o que de fato houve? Eu odeio esses momentos, detesto falta de comunicação, ainda mais quando um grande rompimento acontece depois, de forma tão desnecessária, quando tudo o que deveria ter sido feito era um dos personagens se abrir e o outro escutar.

Entretanto, me vejo no meio desse clichê terrível nesse exato momento.  A Charlotte ouviu coisas demais sem as devidas explicações e partiu.

Contudo, apesar de parecer que ela partiu por estar brava comigo pelo que ouviu, algo estranho aconteceu no meio dessa confusão que o pai dela causou. Ela me pediu desculpas e parecia triste, como se tivesse culpa de alguma coisa. Ela foi embora, mas parecia estar fugindo, coisa que eu senti vontade de fazer no minuto que aquele homem abriu a boca para falar sobre a minha vida inapropriadamente.

Minha vontade de ir atrás dela foi grande, mas eu não pude fazer isso porque o Poison Ivy foi deixado destrancado, as chaves com ela. Se eu fosse atrás dela naquele momento, se eu tivesse agido mais rápido, talvez teria consigo fazê-la ficar antes mesmo de pisar na calçada. Mas isso não aconteceu e eu tive de ficar para trás para não abandonar o bar desprotegido.

Minha mente estava agitada, meu peito dolorido com desconforto emocional, mas eu liguei para a Naomi e contei pra ela o que se passou, já que ela era a única que poderia cuidar do bar na ausência da sócia. Liguei para Charlotte antes, mas não fui atendido. Isso me deixou ainda mais inseguro sobre tudo.

Quando Naomi chegou, minha testa estava colada na madeira do balcão, cansaço psicológico pesando a minha cabeça. Eu quase tive uma vertigem ao erguer o olhar tão depressa para encará-la.

"Meu Deus! O que houve aqui de verdade? Você parece muito pior do que ficaria após uma discussão com o babaca do Jacob." Observa minha segunda chefe, preocupada. Eu não entrei em detalhes sobre o que ocasionou a confusão, pois não poderia ser exposto para mais uma pessoa em um único dia. Nem ao menos queria que a minha Charlotte tivesse descoberto. Pelo menos não daquele jeito.

Ela deixou a pasta cheia de informações particulares sobre mim antes de ir e eu estava temeroso em se quer abrir a mesma. Quando li o conteúdo, fiquei horrorizado com o quanto aquele homem conseguiu descobrir sobre mim. Basicamente todo o meu trajeto desde que cheguei nos Estados Unidos estavam escritos lá, assim como fotos, endereços, nomes e contatos de pessoas com quem me relacionei profissionalmente em Los Angeles. E eu digo estavam porque eu não pude me controlar e manter aquela coisa intacta. O que sobrou da pasta está mofando no lixo agora, ilegível pela quantidade de vezes que eu rasguei.

"É, ele é um babaca mesmo. Aliás, começo a desconfiar que a Char só tenha se relacionado com babacas antes, por isso ela é tão..."

"Ríspida? Desconfiada? Às vezes - não tão raramente - malvada?" Naomi sugere, se sentando no banco ao meu lado.

Ergo minhas mãos em rendição, "Foi você quem disse."

Ela ri num suspiro e apoia os braços sobre o balcão, "Eu a conheço à anos. Sei sobre tudo e mais. Eu a amo, mas ela pode ser bem difícil também."

"Com um pai daquele, eu não a culpo." Resmungo ao lembrar de todas as vezes que estive na presença do sujeito amargo, mas quando percebo que fui indelicado, me retrato. "Eu sei que não devia falar essas coisas. Desculpa."

"Tá tudo bem, Harry." Naomi toca o meu antebraço e seus olhos rasgados se fixam em mim, "Sei que não somos próximos como você e a Charlie são, mas eu acredito que não diria nada assim se não tivesse um bom motivo."

"Eu tenho, infelizmente. Se estivesse sendo um otário por falar tudo isso, pelo menos seria mais fácil pedir desculpas, mas eu não estou." Suspiro longo e apoio minha testa na minha mão, fechando os olhos bem apertados. "Ela deve estar brava comigo agora de qualquer jeito."

"Quem?"

"A Char." Olho para Naomi e mesmo que isso seja óbvio, vejo confusão no rosto dela.

"Harry..." Dessa vez é ela quem suspira, "O que quer que tenha provocado essa briga, pelo simples fato de ter feito minha amiga cautelosa largar o bar que ela tanto ama para trás, destrancado, já me diz exatamente o que preciso saber: Jacob fez merda. Outra vez. Você, muito provavelmente, não tem culpa."

A cega confiança que ela deposita em mim me lisonjeia, mas ao mesmo tempo me frustra, pois não sei se posso acreditar no mesmo que ela.

"Ela mal olhou na minha cara." Murmuro, cutucando as minhas unhas. "Eu tinha algo pra dizer, tinha como me explicar, mas ela não deixou."

Há uma pausa incômoda ao nosso redor e então eu me dou conta de que nunca fiquei sozinho com a Naomi antes. Nós nunca paramos pra se quer conversar sozinhos, nem mesmo sobre algo bom. Eu me sinto quebrando uma regra invisível estando ao lado da melhor amiga da Charlotte sem ela saber. É estranho sentir isso.

"Harry, escuta." Naomi quebra o silêncio novamente, sua voz bem cuidadosa, "A Charlotte me contou sobre o acordo de vocês, sei que vocês tem certas limitações, já que não passa de algo casual... Mas numa situação assim, me vejo obrigada a falar algo. Mesmo que ela fique brava comigo depois, ver você tão desolado assim está me deixando mal também."

"A verdade é que... A Charlie é ótima em fingir que é imbatível, indiferente, impassível. Ela tem uma armadura e tanto ao redor de si mesma. Mas é só isso, uma armadura." De repente, ela ri sem humor e balança a cabeça. "Isso soa tão cafona, mas é exatamente o que ela faz. Ela finge que não tem um ponto fraco, mas ela tem sim. Todos nós temos."

"Como assim?" Indago, apesar de recear ouvir além e me arrepender depois. Tenho certeza que o assunto de nossa conversa não iria gostar disso.

"A família dela, Harry. A kriptonita da Charlotte é a família dela." Esclarece, apertando os lábios numa linha fina. "E eu só estou dizendo isso, porque não quero que pense que ela é insensível, apesar dos defeitos dela. Se por algum acaso ela te magoou aqui hoje por ter saído sem conversar com você, posso apostar que isso foi causado pelo Jacob e o veneno dele. Ela pode ser brusca, mas não faz certas coisas sem motivos. Os espinhos dela só espetam quando tem de espetar."

"Tantas metáforas..." Brinco, rindo num suspiro.

"Eu sou péssima pra isso. Não quero falar demais e receber a ira dela depois. Sei como amaciá-la, mas não quero fazer isso. Imagino que ela deva estar péssima agora e meu coração mole me diz para dar a ela o direito de ficar furiosa."

Abro a boca para revelar cada detalhe do que houve aqui, mas a fecho segundos depois. Não vai adiantar. A merda aconteceu e não posso mudar isso me expondo assim.

"Vai atrás dela, tá bom?" Naomi me tira do meu devaneio.

"O que? Eu não posso, não depois de ouvir sobre os espinhos dela e tudo mais. Ela deve me odiar agora." A verdade é que apesar de querer me explicar para Charlotte, tenho medo do que pode acontecer assim que eu o fizer. É bobo, mas é real.

Naomi revira os olhos, "Harry, por favor. Ela está desconcertada, envergonhada, mas quer você lá." Insiste, me dando um aperto de reafirmação no braço.

"Como sabe disso se não sabe exatamente o que se passou aqui?" Questiono, ainda com dúvidas.

"Só vai. Acredita em mim, vai dar certo." Persiste, abrindo um sorriso doce para me dar coragem.

"E se não der certo?" Pergunto mesmo que esteja me levantando e reunindo forças para fazer exatamente o que fui instruído a fazer. "Posso culpar você depois, chefe?"

Naomi ri e assente, "Pode sim. Mas duvido que será necessário."

Sendo assim eu parto. Deixo o bar sob responsabilidade de umas das donas dele e vou atrás da outra, ao passo que treino em pensamentos tudo que direi para recuperar a minha boa imagem.

Me sinto bravo, confuso, inseguro e amedrontado, mas me importo muito com o que a Charlotte pensa de mim para desistir agora.

O que houve foi rude em tantos níveis, que me paralisou. Ninguém nunca foi tão desrespeitoso comigo antes e me dói saber que tal sujeito maldoso seja pai de alguém que considero tão encarecidamente - não só porquê eu a quero na minha vida, mas porquê ele faz parte da vida dela de forma que eu nunca farei.

Rumo diretamente até o prédio dela e o porteiro me deixa entrar sem delongas, já que me conhece bem a essa altura. Dou-lhe boa tarde e corro até o elevador, aproveitando que está vago. Minhas mãos estão suando de nervosismo, mas eu as firmo e respiro fundo, repetindo mentalmente que tudo ficará bem. É só a Char, a minha Char. A minha doce e ríspida Charlotte.

O número 101 na porta branca me encara por longos segundos até que eu leve meu punho fechado a madeira. Bato brevemente, meu estômago frio com a antecipação do que virá. Ela não aparece e eu não ouço barulhos dentro do apartamento. Será que não veio pra casa? Arrisco tocar a campainha então e fico esperando por mais dois minutos. Se ela não estiver em casa, onde está?

À beira da impaciência, prestes a começar a usar a minha voz para chamá-la, ouço a porta sendo destrancada e ajeito a minha postura. Assim que a silhueta dela aparece para mim, coberta apenas por uma camiseta larga e um par de meias até os joelhos, tudo que eu vim ensaiando para dizer se perde dentro da minha boca e desce pela minha garganta.

Ela fica surpresa em me ver, seus dedos delicadamente se apoiando na porta, a qual ela usa para apoiar seu peso enquanto me encara com aqueles lindos olhos cor de mel. Noto que suas retinas estão rosadas, assim como a ponta de seu nariz e bochechas. Ela tem essa expressão amena, desapontada, e esmaga o meu coração. Será que andou chorando?

"O que veio fazer aqui, Harry? Está perdido?" Charlotte pergunta, em partes debochando, mas seu tom inerentemente triste não passa despercebido.

Limpo a garganta e passo a mão pelo meu cabelo, me dando alguns segundos para colocar meu discurso em ordem. "Acredito que eu te deva explicações. E eu tenho umas boas, se me permitir compartilhar."

O cenho dela se franze, mas logo suaviza assim que percebe que estou lhe encarando atentamente. Charlotte ajeita a postura e coloca uma mecha de seu cabelo atrás da orelha num movimento nervoso. "Explicações?" Ela zomba, não olhando nos meus olhos, "Esse é o seu jeito sutil de me convencer a pedir desculpas pelo que aconteceu? Eu já disse que sinto muito e eu sinto muito mesmo."

"O que?" Não compreendo, "Não é por isso que eu-" Ao relembrar o que Naomi me disse no bar, eu interrompo a mim mesmo. Charlotte realmente parece envergonhada, os ombros dela estão caídos e está claro como ela tenta se esconder do meu olhar, quase se enfiando atrás da porta.

Num impulso, eu dou alguns passos a frente, quebrando a distância entre nós. Toco o queixo dela com os dedos, erguendo seus olhos para os meus, e pressiono meus lábios contra os dela ternamente. Charlotte vacila por um segundo, não tendo esperado por isso, mas não se afasta ou me empurra. O beijo é simples, apenas lábios, mas carinhoso e diz mais do que eu poderia.

"Não finja que não está curiosa após tudo o que o seu pai disse sobre mim. Eu sei que foi horrível, mas ele abriu uma porta e eu tenho que te explicar a razão dela se quer existir." Sussurro, meu rosto flutuando sobre o dela. A diferença em nossa estatura a obriga a inclinar um pouco a cabeça pra trás e eu aproveito como essa posição deixa seu pescoço mais aparente para segurá-lo e lhe dar um pequeno aperto de reafirmação.

Ela umedece os lábios com a língua e suspira, analisando cada canto do meu rosto antes de finalmente responder, "Tudo bem."

Lhe dou licença do caminho para que a porta do apartamento seja fechada atrás de nós. Ela me guia até a sala, seus passos abafados pelas meias pretas que vão até seus joelhos. Por que ela está usando isso? É estranhamente atraente, confesso.

Seu sofá, que já foi palco para nossa promiscuidade mais de uma vez, agora serve como ninho de consolação. Há uma coberta tie-dye em tons pastéis enrolada sobre o mesmo, contrastando fortemente contra a sobriedade da decoração branca e preta. A televisão está ligada e a interface da Netflix aparecendo. Ela se senta no sofá e esconde suas pernas na coberta. Eu me sento também, mas com uma certa distância dela - não que eu queira ficar longe, mas ela parece precisar disso agora.

"Eu atrapalhei você?" Pergunto, apontando para a televisão. Charlotte só balança a cabeça.

"Me desculpa, de novo." Ela sussurra, encostando a cabeça no sofá, apertando a coberta sobre si. Eu nunca a vi tão triste antes e eu odiei.

"Não faça isso. Não foi culpa sua." Eu não queria dizer assim, mas soa como uma repreensão. "Seu pai fez aquilo."

"Ele é meu pai, não é?" Ela rebate, sorrindo sem humor. "A responsabilidade automaticamente é minha."

"Não." Ignoro meu pensamento anterior de dar a ela espaço e me aproximo no sofá, suas pernas dobradas agora tocando as minhas. "Você não vai fazer isso, eu não vim para isso. Ele pode ser sangue do seu sangue, mas é o único responsável pelas próprias merdas." Cuspo as palavras ao reviver por um segundo aquele momento na minha cabeça.

"Você está bravo." Ela constata, me tirando do rápido devaneio que me ocorreu. "Eu entendo." Seus olhos se abaixam para seu colo e seus dedos brincam uns com os outros nervosamente. "Eu estou brava também. Ele não devia ter feito aquilo, foi longe demais. Ele nem te conhece. Quer dizer, ele pagou um investigador particular pra bisbilhotar a vida de alguém que nunca fez mal nenhum a ele só para me dar um sermão."

"Investigador particular?" Me alarmo, mas então me lembro do que ouvi no bar. Isso foi realmente citado antes.

Charlotte fica ainda mais envergonhada, "Sim..." Ela esconde os rosto nas mãos e bufa, frustrada. "Isso é tão constrangedor. Ele sempre foi babaca, mas isso passou dos limites. De novo."

Ao citar a reincidência da falha, fico curioso, mas guardo isso pra mim. Sou eu que tenho de dar explicações aqui.

"Como ele descobriu meu nome? Digo, ele precisa de informações básicas pra colocar alguém na minha cola, não é?" Indago, já que essa parte me diz respeito.

"Ele... disse que você trabalha como pianista naquele restaurante francês onde eu te vi tocando. Disse que conversou com o seu gerente e..." Ela limpa a garganta, hesitando dar a informação pelo embaraçamento. "Bom, a partir daí ele conseguiu o que queria."

O restaurante. Meu gerente. Meu trabalho como pianista. Outra lembrança me acerta. Dá última vez que o vi, fora do apartamento da Char, quando ele fez aquele show na calçada, eu acabei deixando escapar que trabalhava no Lily's, então eu acho que eu facilitei muito a minha própria queda. Claro que eu só fiz isso para tentar estabelecer limites e colocá-lo no lugar dele. Não imaginei que o cara iria realmente seguir as ameaças - que até então eu pensava que eram vazias - sobre me fazer me arrepender de cruzar o caminho dele.

Ricaço maluco de merda.

"É verdade, então." Ela murmura, me olhando com receio - não sei pelo quê exatamente. "Você trabalha naquele restaurante metido a besta?"

Suspiro derrotado. Ela descobriu. Não é o fim do mundo, mas eu não queria que fosse assim.

"Sim, Char. Eu trabalho lá todo final de semana como pianista e o meu gerente nem deve ter se incomodado em dar a um estranho informações sobre um dos funcionários dele, porque ele é assim tão gentil." Sarcasmo transborda dessa declaração. Aquele nariz em pé do Sr. De Luca deve ter se divertido em me expor, imagino.

"Porra." Charlotte choraminga, escondendo seu rosto nas mão outra vez. De início, cogitei que fosse por repúdio a minha posição, mas então ouço seus murmúrios quebrados que me partem o coração, "Meu pai disse que garantiu que eles não te aceitassem de volta. Ele provavelmente te fez perder o emprego. Harry, me desculpa."

Eu até ficaria irritado com essa informação e me encheria de preocupações quanto a minha condição financeira se isso for mesmo verdade, mas entender que a Char - a minha Char - está se martirizando tanto ocupa a minha mente completamente.

"Por favor, não faz assim." Toco o antebraço dela, o puxando suavemente para ver seu rosto de novo e poder olhar em seus olhos ao dizer, "Foda-se o emprego. Eu odiava aquele lugar. Mas quero que pare imediatamente de se colocar na posição de vilã dessa história."

"Harry, o que ele fez-" Ela tenta dizer, mas como provavelmente não seria algo para aliviar a si mesma, eu a corto.

"O que ele fez foi distorcer a história e eu estou aqui para fazer a coisa certa. Você quer saber a verdade? Porque eu não quero que pense que sou um ladrão, como ele fez parecer. Não quero que imagine que eu sou alguém capaz de roubar o álbum de outro artista, quando o oposto aconteceu."

Ela me encara atentamente, debatendo em sua cabeça sobre como deve seguir a partir daqui. Isso está sendo particularmente doloroso para ambos, afinal.

"Você não foi expulso da gravadora em Los Angeles?" Ela pergunta, sua voz pequena e tímida. Há curiosidade em seus olhos, mas incerteza também.

Então eu realmente vou fazer isso, não é? Não que seja um grande segredo, é só incômodo de lembrar.

Me ajusto no sofá e Charlotte faz o mesmo, suas pernas parcialmente subindo no meu colo. Percebo que não foi a intenção dela quando a mesma tenta se afastar, mas seguro suas pernas e as coloco completamente sobre as minhas,  pousando minha mão direita na coxa dela. Charlotte não diz nada, só desvia o olhar como se esse tipo de contato fosse novidade e ela estivesse tímida.

"Vai ser uma longa história, eu estou avisando." Digo, pegando o queixo dela e erguendo seu rosto para mim uma segunda vez.

"Sem problemas." Dá de ombros, abrindo um sorriso fraco.

Suspiro, pegando fôlego e começo de onde devo: do início.

"Todo o contato com a música que sempre tive na minha vida veio de casa e também na escola. A minha mãe toca piano muito bem e me ensinou desde criança. Eu sempre preferi cordas, no entanto, e eu ganhei o meu primeiro violão do meu padrasto aos seis anos. Mesmo sendo tão jovem, eu sempre senti que tinha uma conexão especial com a música e eu me perdia nisso muito fácil. Mas era só um hobby até então. Até que um dia eu comecei a cantar também e a minha mãe começou a elogiar a minha voz, dizendo que eu tinha talento não só para os instrumentos."

"A questão é: eu cresci num lugar onde este crescente sonho de trabalhar com música era impossível. A maioria das pessoas me dizia para seguir uma carreira diferente, segura, ir para a faculdade, me formar e... Você sabe. Era difícil lá, onde eu cresci, então eu só... me mudei. Eu juntei dinheiro, trabalhei duro e fiz o que muitos fazem ao redor do mundo: segui o sonho americano. Então eu vim para os Estados Unidos, mais especificamente para Los Angeles, em busca de uma oportunidade de trabalhar com o que me faz feliz."

Charlotte deita a cabeça no sofá novamente, seus olhos atentos em mim. Meus dedos traçam padrões invisíveis sobre sua coxa nesse ínterim.

"Outro detalhe pertinente é que, por mais que eu tenha sonhado e planejado vir para esse país, eu não sabia exatamente o que eu estava fazendo e não tinha experiência nenhuma com a cidade ou a indústria da música. Em outras palavras, eu era um alvo fácil."

Com isso, o cenho dela se franze, mas ela não faz nenhuma interferência se quer.

"Eu estava desesperado, não podia simplesmente bater de gravadora em gravadora sendo um Zé Ninguém, sem conexões, sem ao menos ter músicas prontas para algo comercial. A minha alternativa foi fazer o que eu ainda faço até este dia: tocar em bares. Qualquer um que estivesse contratando, era o escolhido. Isso me frustrou muito, porque não foi o que eu vim fazer aqui, mas eu não poderia simplesmente me apoiar no meu orgulho. O dinheiro que eu havia trazido da minha terra natal não ia durar pra sempre. Eu precisava de uma saída, uma boa oportunidade, uma de verdade."

Faço uma pausa, pois a parte crítica está se aproximando. Charlotte sente minha hesitação e - num gesto que eu não esperava vir dela - seus dedos começam a me fazer cafuné nos cabelos da minha nuca. O gesto é silencioso, mas diz claramente para que eu prossiga. Automaticamente me sinto melhor e meus próprios dedos acham o cabelo dela, agora ambas as minhas mãos sobre diferentes partes dela enquanto eu a acaricio como manda o meu coração.

"O nome dele era Seth Cottlard. Ele estava no bar em que eu trabalhava na época e a forma como se fez presente, foi me dando uma gorjeta de cinquenta dólares." Eu rio tristemente ao me recordar da noite, "Eu me lembro de ter ficado extasiado com aquilo, porque quase ninguém me dava gorjetas, a não ser as garotas que queriam ir pra cama comigo. Cinquenta dólares nunca tinha acontecido antes, contudo, e eu era um sujeito facilmente impressionável. Ele me chamou pra conversar e se apresentou como sendo um empresário renomado e em busca de um novo talento."

"Eu era tão ingênuo... O papo dele me ganhou facilmente. Mas mesmo que ele fosse terrível na conversa, aqueles malditos cinquenta dólares já tinham feito a maior parte do trabalho." O polegar de Charlotte afaga suavemente a lateral do meu pescoço e eu tenho de limpar a garganta para me lembrar de manter o foco na história. "Eu precisava de grana urgentemente, estava faminto por realizar o meu sonho e magicamente um empresário havia caído no meu colo. Naquela noite, pareceu ter sido obra do destino, mas eu tive que aprender do jeito mais difícil que não passava de uma maldição."

"Ele me fez assinar um contrato sem ler e me incentivou a começar a compor o mais rápido possível. Eu já tinha mostrado a ele algumas das minhas composições, então ele sabia que eu tinha capacidade. Ele me mostrou coisas, me levou a lugares, encheu o meu bolso... Eu nunca questionei a forma como ele ganhava a maior parte do dinheiro, porque ele sempre me ganhava na conversa. Eu fazia tudo o que ele queria, tocava onde ele achava melhor. Eu estava feliz, porque achei que aquele era o caminho. Nós havíamos fechado com essa gravadora e eu mal podia esperar para lançar logo o meu primeiro álbum."

"Seth tomou o álbum de mim assim que eu conclui a gravação e deu para outra banda que ele agenciava. Os caras eram mais conhecidos que eu na indústria e isso iria garantir mais lucro. Pra ele, foi uma decisão lógica." Conto, sentindo meu peito pesado com ressentimento.

"Espera. Ele não podia ter feito isso. Era seu." Charlotte protesta pela primeira vez desde que comecei a falar, indignada.

"Acontece que assinar a merda do contrato ser ler me fodeu. Ele deteve os direitos sobre as minhas músicas e sobre os lucros."

"Mas Harry, e a gravadora? Quer dizer, ninguém fez nada? Eles provavelmente sabiam que isso foi armação já que assinaram com você." Ela argumenta, uma carranca profunda em seu belo rosto.

"É, eles sabiam, mas não do jeito que está dizendo. O dono era amigo do Cottlard e me acusou exatamente como seu pai contou. Eu fui taxado como ladrão, o vilão, e o tal contrato com a gravadora não era confiável também."

"Tudo era uma armação." Ela conclui, pasmada, ligando os pontos sozinha.

"Eles me proibiram de voltar lá. Eu tentei resolver a questão, mas eles ameaçaram sujar o meu nome na cidade toda, me forçaram a só aceitar que aquilo tinha acontecido. Eu sei que eu deveria ter feito algo, mas em quem acha que as pessoas iam acreditar? No Zé Ninguém desesperado ou em dois grandes empresários de influência e renome? Eles enfiaram isso na minha mente e eu só... acreditei. Eu acreditei e fugi." Concluo exacerbado, meus olhos ardendo com raiva. Esse assunto é uma ferida não cicatrizada.

Há silêncio ao nosso redor, um silêncio que me incomoda. Ergo meus olhos para Charlotte e a mesma já está me encarando, sua mão ainda acariciando a minha nuca devagar.

Eu junto minhas mãos na base das costas dela e a aperto, "Fala alguma coisa." Peço - ou exijo - e ela chega mais perto.

"Eles usaram você. Fizeram com você o que lhe acusaram de ter feito. Te deram uma memória ruim." Ela sussurra por conta da proximidade e do momento vulnerável.

Eu desgosto das observações e faço um beiço aborrecido, "Não isso, Charlotte."
Ela incrivelmente ri e eu faço um muxoxo, desviando o rosto, mas não a soltando em nenhum momento.

"O que quer que eu diga, Harry? Foi uma infelicidade o que te aconteceu. Eles pegaram tudo de você e ainda te forçaram a deixar como estava."

"Eu sei disso, Sherlock Holmes." Rebato, revirando os olhos.

"Então também sabe, Watson, que não deveria assinar um contrato sem ler." A encaro com os olhos estreitos, pronto para brigar com ela por ter sido ousada assim com a verdade, mas seu sorriso provocador me faz recuar.

"Eu não te contei tudo isso pra ouvir um sermão óbvio. Onde estão os beijinhos de conforto? Seja gentil comigo. Eu estou sensível agora." Provoco de volta e ela ri jogando a cabeça pra trás.

"Vocês homens são mesmo audaciosos, não é? Veio aqui para limpar seu bom nome, mas acha que pode sair fazendo exigências? Nada disso."

"Ora, se eu não fizer uma exigência aqui e ali..." Dou de ombros, cínico.

"Estaria em San Francisco, sem álbum e sem contrato?" Ela provoca mais arduamente e meu queixo cai.

"Está mesmo me zoando agora, Charlotte?" Pergunto, abismado. Ela continua rindo as minhas custas, sem ao menos perceber que está sentada no meu colo inteiramente, ambos os braços ao redor do meu pescoço. No meio disso tudo, ela acabou se movendo - muito com minha ajuda, claro - e eu não poderia estar mais confortável de ter o peso dela sobre mim. "Como ousa? Eu estou abrindo o meu coração para você, mulher. Não seja cruel."

"Mas eu sou tão boa em ser cruel." Ela faz um gesto de sobrancelhas e agora sou eu quem dá risada.

"Ah é? Pois você parecia bem chateada e comovida com a minha história."

"Comovida? Eu? Com a desgraça alheia?" Apontando para o próprio peito com deboche, ela descarta a possibilidade e ri.

Lhe dou um beijo na linha da mandíbula e a abraço, sentindo Charlotte relaxar devagar nos meus braços. Por um momento, eu realmente achei que ia perdê-la por conta dessa confusão toda que o pai dela armou.

E por falar no diabo, eu me sinto na obrigação de contar sobre as outras conversas que tive com o mesmo sem que ela tenha sabido. Eu adiei isso demais. O momento é esse.

"Char."

"Mm."

Afasto meu rosto de seu pescoço e empurro o cabelo comprido dela pra longe de nossos rostos, "Eu tenho que te contar. O seu pai, ele... Hoje não foi a primeira vez que nós interagimos." Confesso, receoso.

"O que? Como assim?" Ela faz, suas sobrancelhas se curvando em desentendimento.

"Eu..." Sei que devo simplesmente contar o que houve, mas ainda há medo dentro de mim, porque com esse tópico ela pode ficar realmente brava comigo.

"Harry. O que quer dizer?" Charlotte persiste em saber, seu tom um pouco mais sério agora. Eu não respondo e agora é o meu queixo que é erguido pelos dedos dela, colando nossos olhares juntos. "O que aconteceu?"

"Ele falou comigo naquela noite no restaurante." Admito de uma vez, "Ele me viu falando com você e... Ele foi rude, me mandou ficar longe de você." A expressão dela se alarma, mas eu prossigo, "Então, naquela manhã fora do seu apartamento. Ele me ameaçou daquela vez, foi bem pior, mas partes disso você já conhece. Ele foi grosso com você também." Abaixo minha cabeça, me sentindo mal por ter escondido isso dela. "Desculpa por não ter contado antes, eu não sabia o que fazer. Eu entrei em pânico, não conseguia acreditar que ele estava sendo tão... tão..."

"Desrespeitoso." Ela completa por mim, seu olhar raivoso, mas perdido ao fitar o nada.

"Exato. Foi muito desrespeitoso." Um verdadeiro filho da mãe, sendo mais vulgar com a minha linguagem. Mas eu não preciso dizer isso em voz alta, ela já sabe.

Por alguns segundos, Charlotte se perde em seus pensamentos e me deixa na minha incerteza; no silêncio. Eu detesto essas pausas em conversas sérias, mas ela está recebendo tantas informações novas agora que é compreensível que precise de tempo pra assimilar tudo.

"Você está brava comigo por não ter contado nada?" Pergunto, afagando as costas dela através de sua larga camiseta de algodão. Não é minha, mas eu gostaria muito que fosse. Eu adoro vê-la usando as minhas roupas. "Char." Chamo e só então seus olhos focam em mim mais uma vez, igualmente tristes como quando cheguei aqui.

"Você não devia ter escondido nada disso, Harry. Ele foi rude com você no meio daquele restaurante e o que você fez? Foi me distrair me levando pra comer. Por quê? Por quê você faria algo assim?" Repreende, chateada.

"Desculpa. Eu não queria te deixar pior. Você já estava tão-"

"Não, Harry. Isso aconteceu com você. Você provavelmente estava mal também e não disse nada. Você deveria ter me dito. Eu poderia ter feito alguma coisa e a situação não teriam chegado a esse nível se eu tivesse mandado meu pai a merda desde àquela noite."

"Acredita mesmo nisso?" A indagação deixa a minha boca antes que eu possa pensar a respeito. As sobrancelhas dela se arqueiam e seus olhos me desafiam a repetir o que acabo de dizer.

Droga, Harry.

"Oh. Então você acha que eu não poderia lidar com ele? Eu não sabia que ele faria algo como contratar a porra de um investigador particular pra bisbilhotar na sua vida, eu juro. Mas não duvide que eu não teria feito algo pra impedir, se pudesse." Se defende prontamente, antes mesmo que eu possa me remediar.

"Meu bem, eu juro que não foi nesse sentido que eu disse o que disse." Me apresso em explicar.

"E em qual sentido foi?" Interroga, seus olhos semicerrados.

"Ele me pareceu ser alguém que prejudicaria outros com o mínimo de incentivo. Apenas por me ver perto de você, ele já agiu brutalmente." Me dói pronunciar essas palavras porque eu vejo como dói nela ouvir e entender que o que falo faz sentido. Mesmo que eu não tivesse defendido a mim mesmo naquela manhã a qual recebi as ameaças, desconfio que ele arrumaria o jeito dele de tentar me afastar dela.

Me afastar dela. Era isso que ele queria com essa alteração.

"Char, você entendeu tudo que eu disse sobre Los Angeles, certo? Você acredita em mim? Eu prometo que nunca faria nada do que o seu pai me acusou de ter feito. Ou tentado fazer, na verdade." Disparo, necessitado do entendimento pleno dela para relaxar outra vez. "E sobre o que ele disse em relação a usar você, eu nem sei o que isso significa. Mas eu posso jurar que não é o que estou fazendo. Quer dizer, por quê ele disse aquilo? E ele também falou sobre a sua família-"

"Harry!" Charlotte interrompe minha tagarelice pressionando seu indicador contra os meus lábios. "Fica calmo."

"Mas você acredita em mim, certo?" Pergunto mesmo assim, a puxando pra mim e deitando minha testa em sua clavícula.

Ela suspira e seus dedos acham a bagunça que está o meu cabelo, "Eu acredito, Harry. Relaxa."

Sorrio contra a pele dela e lhe dou um beijo na base do pescoço, "Obrigado, Char."

Ela ri, brincando com os meus fios, "Pelo que?"

"Por me ouvir."

"Claro que eu ouvi você, Harry."

"Você estava tão quieta enquanto eu contava tudo. Me fez pensar." Esclareço minha dúvida, ainda me apoiando no conforto que é estar atrelado nela desse jeito. Nós nunca ficamos assim em meio a essa vulnerabilidade. Agora faz sentido a timidez dela em compartilhar esse momento. Não há nada sexual sobre tocar um ao outro como estamos fazendo agora, mas ainda é muito bom. Espero que ela sinta o mesmo.

"Alguém já te disse como você fala devagar? Eu não queria atrapalhar." Observa, rindo num suspiro. Me sinto ofendido imediatamente e ergo minha cabeça para fitá-la nos olhos e me defender, mas pela segunda vez recuo ao ver seu sorriso leve. "Me irritaria profundamente ouvir uma pessoa falando devagar por tanto tempo como ouvi você, eu confesso. Mas a sua voz é tão grave, rouca e calma que... Sei lá. É relaxante. E o sotaque britânico é tão charmoso, não me instiga a ficar longe."

Uma coisa é alguém elogiar a minha habilidade no canto, mas outra totalmente diferente é alguém - principalmente sendo a Char - elogiar a minha voz pelo que ela é. Meu estômago se enche de borboletas, ironicamente fazendo jus a minha tatuagem.

"Eu também adoro a sua sedosa e sonhadora voz de algodão doce, baby." Digo, deslizando a mão no rosto dela, assistindo o sorriso largo que nasce nos lábios de coração que ela tem.

"Bobo." Ela brinca agarrando o meu pulso, mas não tirando meu toque de sua bochecha. Pelo contrário, Charlotte inclina ainda mais seu rosto contra a minha mão.

De repente, quando eu achei que tudo já tinha acabado e que poderíamos ficar bem de novo, ela assume outra expressão triste.

"Harry... Acho que eu..." Tenta, mas tem dificuldade em expressar o que quer.

"O que foi, querida? Pode falar comigo. Eu tô aqui." Asseguro, massageando seus ombros lentamente para relaxar a tensão em seu corpo.

"Acho que eu... preciso te contar algumas coisas também." Declara por fim, ainda hesitando aqui e ali. Sou pego de surpresa ao ouvir isso e quase cogito ter alucinado essas palavras. "Não finja que não está curioso pra entender tudo o que o meu pai deixou escapar hoje." Ela me diz a mesma coisa que eu disse a ela quando cheguei e meu coração acelera com o que isso significa.

E de fato eu estou curioso. Eu sempre estive curioso sobre ela. Não só depois do que ouvi por alto hoje, mas desde aquele estranho e desagradável encontro com um sujeito chamado Spencer na sex shop, desde as visitas hostis do Evan no bar. Fragmentos e pedaços de sua história sempre me foram arremessados nesses momentos, aguçando minha vontade de conhecê-la, mas nunca foi meu lugar perguntar além. Entretanto, hoje acho que isso vai mudar.

"Você não precisa fazer nada que não queira." Afirmo, colocando meus próprios desejos em segundo plano independentemente da minha curiosidade.

"Eu sei. Mas eu também não quero que pense o que não deveria sobre mim."

"Eu não faria isso." Garanto, beijando sua bochecha.

Charlotte sorri fracamente e balança a cabeça, "Eu quero fazer isso, não se preocupe."

Uma parte de mim sente que não era exatamente isso que ela queria ter dito, mas eu não protesto. Talvez seja melhor apenas ouvir agora e é isso que eu vou fazer.

Ela toma fôlego e começa, "Eu venho de uma família de advogados, juízes e promotores. A grande maioria, tanto do lado da minha mãe quanto do meu pai, é envolvida com a lei e isso vem de gerações. Um clichê, eles se conheceram na faculdade. Portanto, esperar que a filha deles tomasse o mesmo rumo foi algo natural. Eu cresci ouvindo que o meu futuro seria esse. No entanto, apesar desse ser o legado da família, nunca foi o que eu quis e eles nunca me perguntaram o que eu queria. Eu deveria apenas seguir aquele roteiro e aceitar."

"Meus pais sempre foram bem rígidos comigo. Eles tinham expectativas sobre mim, expectativas que eu deveria seguir à risca." Ela ri sem humor e prossegue, "Coitados, eles não tiveram a filha que queriam. Eu nunca facilitei as coisas, estava sempre argumentando e debatendo as ordens e regras que recebia. Minha mãe odiava profundamente, mas o meu pai via potencial nessa afronta, apesar de toda a dor de cabeça. Ele dizia que eu serviria muito bem na vara criminal, que eu não deixaria nenhuma fraude se quer escapar."

"Mesmo contra a minha vontade, eu fui pra faculdade. Uma parte de mim acreditava que eu ia acabar gostando daquilo, assim como gostaria da liberdade e da vantagem de estar longe de casa. Eu tive a experiência completa naquele lugar. Eu fiquei muito bêbada, transei à beça, quebrei alguns corações, briguei, bombei em uma prova, fechei as outras, perdi noites de sono... Essa foi a minha rotina por um ano."

Sinto algo estranho ao ouvir ela narrar sobre suas passadas experiências com outras pessoas romântica e sexualmente falando, mas eu não a interrompo.

"Mas eu estava infeliz, deprimida e cansada daquilo tudo. Eu não aguentava mais fingir pra mim mesma e para os outros que era ali que eu queria estar, que eu me importava com aquilo tudo. Pra piorar tudo, o grupinho da elite do campus queria que eu me juntasse a eles, mas isso só me enojou ainda mais e eu atingi meu limite. Uma coisa era ouvir os meus pais falando sobre o meu futuro, mas outra era ver de perto o tipo de pessoa as quais eles esperavam que eu me associasse; que eles esperavam que eu me tornasse. Eu dei o fora assim que o primeiro ano acabou."

"Não foi nada fácil. Como eu já esperava, eu arrumei uma bela desavença com os meus pais, que não queriam de forma alguma aceitar a minha decisão. Ficar em casa era insuportável, então eu saí de lá também e fui morar no sofá de uma amiga. A Naomi, aliás."

"Oh. Então vocês já se conheciam antes?" Acabo perguntando.

"Sim. Mas isso é uma outra história." Ela dá de ombros e prossegue sua narração. "Meus pais estavam desesperados, então eles cortaram os meus cartões pra me deixar sem saída e voltar rastejando pra eles. Isso não funcionou, porque eu tratei de arrumar um emprego, coisa que eles nunca me imaginaram fazendo. Eu fui garçonete, mas isso não deu certo. Tentei ser caixa numa cafeteira, mas também não deu certo, até que fui parar atrás de um balcão de bar, onde eu trabalhei por... um ano e meio, eu acho."

"Eu não ganhava muito, mas consegui sair do sofá da Naomi e arrumei um lugar pra mim. Não foi esse apartamento, foi um outro bem mais simples. A situação era difícil naquela época, pois eu nunca tive que me preocupar em fazer as compras do mês ou pagar água e luz antes na vida, mas eu estava feliz por estar fazendo tudo sozinha. Meus pais não paravam de encher a porra do meu saco e essa parte sim era um inferno, mas eu estava começando algo só meu e isso eles não podiam tirar de mim."

Sorrio pra ela ao ver o sorriso em seus lábios.

"Até que um dia..." O sorriso vai morrendo, a parte complicada ainda não passou e eu me preparo pra ouvir. "Eu estava fazendo o meu trabalho, servindo bebidas, e um rosto conhecido apareceu na minha frente. Eu tentei fugir dele, porque não queria ter absolutamente nada a ver com aquela gente, mas..." Ela balança a cabeça com desapontamento, "Ele sempre foi bonito, desde que o conheci na faculdade. Eu não gostava muito dele, mas aquela noite eu me deixei levar, porque disse pra mim mesma que seria apenas sexo e nada mais."

"Espera. Você está falando do..."

"Evan. É." Charlotte revira os olhos e suspira. Eu desgosto de onde a história nos trouxe, mas não digo mais nada. "Ele não era tão intragável assim naquela época, acredite. O cara que você conheceu recentemente é a versão mais velha, piorada e mais canalha dele. Uma versão que eu receio que estava fadada a ocorrer."

"Ele não era o meu tipo, mas me distraia bastante e eu poderia lidar com isso. Eu só não imaginei que ele me pediria em namoro depois de uns meses, porque era só sexo e eu não pensava em ter algo sério com ele. Contudo... Os pais dele sabiam de nós e acontece que os pais dele conhecem os meus." Ela ri sem humor, seus olhos perdidos no que eu imagino serem lembranças. "Foi bizarro a mudança que meus pais tiveram comigo assim que souberam do nosso envolvimento. Eles assumiram imediatamente que estávamos juntos e começaram a apoiar o relacionamento. Eles me chamaram pra jantar, me pediram pra levar o Evan e foram tão gentis."

Me incomoda saber que os pais dela apoiaram tanto assim aquele babaca. Ele só fez mal a ela, pelo que sei.

"Essa é a parte da história que eu não me orgulho, Harry. Você provavelmente vai pensar 'nossa, como ela pôde?', mas eu tive os meus motivos, okay?" Sua necessidade de esclarecer isso demonstra como tal fato é importante pra ela e eu a aperto sobre mim, a reafirmando com meu toque.

"O que quer que seja, eu tô aqui pra você." Declaro confiante, ganhando um sorriso pequeno vindo dela.

"Eu... aceitei namorar o Evan assim que meus pais abriram novamente as portas pra mim." Charlotte confessa, seus olhos fechados como se contar isso fosse vergonhoso. "Era fácil acessar os meus pais com o Evan do meu lado, porque eles estavam tão animados com a ideia de me ver com outro futuro advogado, cuja a família tem prestígio e status, que, de repente, os meus pecados pareciam insignificantes. Evan fazia parte daquele meio, tanto quanto eu faria se não tivesse mudado meu rumo, e isso importa muito para os meus pais. Como eu disse, família de advogados."

"Por tanto, sim, eu usei ele para ter um pouco de paz. Namorar o Evan era um saco, eu sempre fugia dele, só íamos a encontros quando era estritamente necessário e o sexo nem era tão bom assim, mas a minha família me olhava com esperança de novo e você não tem ideia de quão raro era ganhar aquele tipo de atenção deles. É patético, eu sei, mas eu me sentia muito melhor naquela farsa, porque era como ter pais inteiramente orgulhosos de mim pela primeira vez na vida."

O fato me deixa consternado. O que ela está dizendo não é fácil de ouvir ou imaginar e eu poderia julgá-la, como ela sugeriu. Eu nunca precisei usar uma pessoa na vida para ganhar a atenção plena dos meus pais, para os fazer orgulhosos de mim. Porém, é exatamente pelo fato deu nunca ter passado por isso que não devo atirar nenhuma pedra. Conhecendo o pai dela pelo pouco que conheço, entendo de onde ela tirou tais ideias para agir; entendo o que a motivou a ser tão drástica. Ela só queria respeito e amor, algo básico que uma família deveria prover. É extremamente triste e me deixa revoltado. Eles a fizeram sofrer.

"Era ótimo no início ser bem tratada daquele jeito, era mesmo." Ela recomeça antes que eu possa me perder na minha própria cabeça e deixar a raiva me levar para conclusões sombrias. "Porém, não os distraiu por muito tempo. Eu estava namorando o coxinha do Evan; o garoto de ouro; o novo prodígio, mas ainda estava fora de casa, fora da faculdade e comandando meu próprio destino. Logo as cobranças recomeçaram e a paz se perdeu novamente. O Evan sozinho não era o suficiente e, honestamente, já estava me irritando profundamente."

"Eu estava empurrando aquele relacionamento com a barriga, pisando em ovos, e tudo por culpa, afinal eu estava usando o otário. Uma parte de mim queria terminar com ele e outra dizia pra ter um pouco mais de paciência; que talvez ele ainda pudesse ser útil. Sei que é algo ruim de se dizer, mas era como eu via a situação."

"Tá tudo bem. Não é como se eu estivesse com dó dele." Digo para fazê-la se sentir melhor e Charlotte ri num suspiro.

"E não deveria. O plot twist dessa história ainda está por vir." Ela observa, me deixando ansioso. "Bom, entre as pressões familiares e o meu namoro fadado ao fracasso, outra infelicidade estava para me acontecer. Eu estava me saindo muito bem no meu trabalho como barwoman, eu realmente tomei apreço pelo ofício. Naqueles um ano e meio, eu pesquisei muito e procurei me especializar no ramo. Meu chefe ficou bem satisfeito comigo, já que minhas habilidades foram se aprimorando. Acontece que não era só a minha capacidade com bebidas que o deixava contente e ele deixou isso bem claro quando resolveu passar a mão na minha bunda numa fatídica noite."

"O que?!" Me alarmo, meu cenho se franzindo profundamente, assim como meus punhos ao redor da cintura dela. "Ele passou a mão em você?!"

"Não só isso, como tentou me agarrar quando eu o contestei. Ele achou que ao chamá-lo pra conversar, eu estava lhe dando chances que nunca lhe dei." Ela conta como se não fosse nada, mas eu estou lívido; me esforçando para não arrancar os cabelos da minha cabeça e gritar.

"Por favor, Charlotte, me diga que há um final feliz nessa história, ou eu juro por Deus-"

"Calma, garoto." Ela me corta, achando graça. "Você vai gostar do final."

"Por que? O cara morreu?" Questiono, arqueando as sobrancelhas.

Ela ri e diz em meio ao seu sorriso largo, "Não, bobinho. Mas eu o levei a justiça e venci. Não fui a primeira funcionaria dele que ele assediou. Outras moças de lá testemunharam e o cara se ferrou."

Relaxo notavelmente depois disso e Charlotte ri um pouco mais, acariciando meu cabelo com as duas mãos.

"Talvez tenha sido ingenuidade a minha, ou então desatenção, mas quando ele finalmente me tocou, eu percebi que a forma como ele tratava a mim e as outras meninas não era normal. Sempre foi assédio e foi horrível identificar isso apenas depois do ocorrido, mas pelo menos a justiça foi feita. As meninas e eu recebemos indenizações, algumas mais do que eu por conta da gravidade do que sofreram, e o cara passou um tempo em detenção."

"Muito bem feito, aquele filho da puta." Murmuro, tirando a coberta tie-dye de cima das pernas dela para poder passar a mão por sua pele. "Eu sinto muito, Char. Você tá bem?"

Ela sorri pequeno e deita a testa na minha, assentindo, "Sim, Harry. Foi a um tempo atrás. Foi nojento naquele momento, mas eu tô bem agora."

"Promete?" Insisto, movendo minha mão pra cima e pra baixo na coxa desnuda dela.

"Uhum. Eu prometo. Além do mais, como acha que eu consegui capital pra investir no Poison Ivy?"

Meu queixo cai, mas em boa surpresa, "A indenização? Você usou pra abrir o seu bar?"

"Sem dúvida." Confirma sorridente. " A Naomi sempre teve uma vida menos conturbada que a minha e ela vinha juntando dinheiro para investir num negócio a um tempo. Ela é formada em administração, sabia? Foi a pessoa perfeita. Ela não só é mais velha que eu e mais responsável, mas é minha melhor amiga também. Eu não podia pedir por parceira melhor."

"Você tem a expertise no bar, ela com a burocracia... A dupla imbatível." Comento, me sentindo orgulhoso dela. "Oh, querida, isso é tão incrível. Eu amei o plot twist." Elogio, beijando seu pescoço diversas vezes.

"Bom... Essa não é a reviravolta, na verdade." Murmura, me preocupando.

"Não?"

Charlotte só balança a cabeça e eu me preparo de novo para ouvir o que ainda está por vir.

"Sua historia está sendo mais longa que a minha." Observo, fazendo uma pequena piada para não demonstrar tanto nervosismo.

"Eu sei. Me desculpa. Vai acabar agora, eu prometo." Garante, embaraçada.

"Tome seu tempo, Char."

"Vou tentar resumir. Depois do julgamento com o meu ex-chefe e a novidade de que Naomi e eu íamos ser sócias num novo negócio, eu comecei a me questionar cada vez mais sobre o meu relacionamento com o Evan. Ele não se mostrou particularmente feliz por mim e os meus pais estavam uma fera, mas eu queria focar apenas no Poison e em fazê-lo dar certo."

"Quando o bar abriu, eu me enfiei de cara no trabalho e empurrar o meu namoro fracassado com a barriga ficou mais fácil, assim como procrastinar o nosso término. Era pior sem o Evan, pensando em como meus pais lidavam comigo." Ela suspira, parecendo fatigada desse assunto. "Os meses foram passando, o bar foi ganhando fama e eu me sentia cada vez mais segura da decisão que havia tomado. Um dia eu acordei e pensei: 'Por que uma mulher de negócios como eu deve se manter presa num namoro assim?'. E eu soube ali que devia terminar de vez."

"Eu o chamei pra jantar fora, me arrumei e ensaiei tudo o que ia dizer. Ugh, me deixa tão envergonhada de dizer isso, mas eu até mesmo transei com ele pra tentar amenizar a porrada que estava por vir."

Mais uma vez, sinto desconforto ao ouvir algo assim, mas me mantenho em silêncio. Eles namoravam, afinal. Era normal fazerem sexo. Mas não menos incômodo para a minha mente considerar.

"E aqui está a reviravolta. Depois da noite de sexo medíocre - que é tudo que ele tinha a oferecer, aliás - eu o peguei falando no telefone com alguém sobre mim. Ele pensou que eu estava dormindo e foi para o banheiro, mas eu ouvi tudo e entendi que falava com o meu pai. Pasme. Meu pai e ele tinham um acordo desde o início. O Evan nunca apareceu naquele bar que eu costumava a trabalhar por acaso, foi tudo armado para que nós acabássemos juntos."

"Espera, o que?!" Meus olhos se arregalam.

"Eles tinham um plano. Meu pai daria a ele um emprego na firma mais cobiçada da cidade e em troca, o Evan me convencia a voltar para o caminho da luz. Ou para as garras do meu pai, que seja."

Eu paraliso, chocado. Tive um gostinho do mau-caratismo de ambos os homens em questão, mas isso. Isso é baixo; sujo.

"Por que caralhos eles seriam tão vis assim?" Questiono, perturbado.

"Meu pai é considerado o melhor advogado da cidade de San Francisco, Harry. As pessoas vem de todos os cantos do país para o terem como representante ou apenas por consultoria. Imagina o que isso implicaria para um estreante na carreira. Evan é ambicioso e a família dele até pode ser rica, mas eles nunca foram como os Fitzgerald. Como você disse sobre o crápula que te roubou: 'Pra ele, foi uma decisão lógica'."

Ainda abismado, as palavras se atrapalham na minha boca, "Mas- Não, mas- O seu pai, Char."

"Meu pai nunca perdeu um caso na carreira dele. Acha que ele ia deixar uma garota de vinte e poucos anos o contrariar?" Eu ia protestar outra vez, mas ela conclui dizendo, "Nunca foi apenas sobre cuidado de pai ou costumes e tradições. É controle, poder. Um dos motivos pelo qual ele é tão bem sucedido: isso é um jogo pra ele. E o desgraçado é bom no que ele faz."

A revelação deixa um gosto amargo na minha boca e uma sensação pesada no meu peito. Eu fico sem saber o que dizer ou o que fazer.

"Se quiser me considerar uma vadia, tudo bem. Mas eu não me arrependo de ter usado o Evan, afinal ele sempre esteve me usando e sem o menor remorso. Se tem algo que eu sinto, é vergonha por ter me deixado levar e o permitido me chamar de 'namorada' por quase dois anos."

"Dois anos!?" Exclamo de olhos arregalados.

"Quase. Mas vamos fingir que foi apenas um delírio e esquecer disso." Ela se apressa em dizer. "E a partir de hoje, se refira àquele homem como Jacob. Ele perdeu o direito de ser chamado pela palavra com "P" de uma vez por todas."

Nenhum de nós fala mais nada por alguns instantes, ambos processando tudo que apreendemos um do outro nessa tarde. Foi tanta coisa, tantas memorias ruins, algumas boas, mas majoritariamente difíceis de se expressar. Pelo menos as coisas estão claras agora, sem espaço para desentendimentos desnecessários. Eu me sinto mais leve, no geral. Eu não a perdi, como o p- Quer dizer, como o Jacob queria.

"Não te considero uma vadia por nada do que fez." Digo finalmente, depois de tanto ponderar. Nossos olhos se encontram e eu prossigo, "No máximo, você foi uma vítima da ganância, hostilidade e do ego desses homens. Entendo que sinta raiva, decepção e que não queira confiar facilmente nas pessoas depois de algo assim."

Ela me analisa e por um momento penso que falei demais, que deixei escapar algo que não deveria - levando em consideração tudo o que a Naomi me contou e me pediu segredo. Tudo o que ela disse sobre a fraqueza da Char faz sentido agora e eu acredito que teria tido as mesmas reações caso alguém da minha família tivesse me feito o mesmo. Não é nada condenável, na minha opinião. É melhor do que acreditar que um dia ela tenha amado alguém como o Evan, por exemplo.

"Harry." Ela me chama, um leve sorriso exposto em seus lábios. "Eu não considero você um ladrão ou enganador, como ele quis me fazer pensar. Eu acredito em você e aprecio que tenha dividido comigo algo tão importante da sua vida, assim como aprecio que tenha me ouvido com respeito e gentileza."

Eu ganho um sereno beijo na bochecha e meu peito infla com satisfação. Como alguém um dia poderia ser tão maldoso com ela? Ela é um doce.

"Uau! Nós fodemos as nossas regras dessa vez, não é?" Ressalta, franzindo o nariz. "Tantas informações pessoais..."

"Pelo menos fodemos alguma coisa. Esse é o princípio, meu amor." Brinco, a fazendo rir como eu gosto tanto.

"O que vamos fazer sobre isso?" Indaga, deitando sua cabeça na minha.

"Reescrevê-las, talvez." Dou de ombros. "E por falar nisso, que faculdade cursou?"

"Ugh, Harryyyy..." Choraminga, falsamente aborrecida.

"Qual é? Só me diz."

"Stanford." E ela diz mesmo. Fico mais feliz do que deveria com esse pedaço de informação que me foi dado.

"É uma muito boa."

"É boa, mas não é como se eu tivesse cursado uma dentro da Ivy League. Eu nem mesmo terminei."

"Foda-se a Ivy League, Char. Você poderia ter concluído uma se assim desejasse, eu sei disso." A abraço forte, bem à vontade com nosso afeto todo hoje.

"É, eu até fui aceita em Harvard, mas é muito superestimado." Dá de ombros num tom monótono.

"Desculpa, o que disse? Harvard?" Pasmo, enquanto ela acena. "E você recusou? Harvard?"

"Sim, Harry. Harvard." Zomba meu assombro, revirando os olhos. "Eu tenho como provar, aliás."

Pulando para fora do meu colo, suas meias até os joelhos abafam seus passos e eu assisto seus quadris se movendo dentro daquela camiseta larga. Charlotte enrola o longo comprimento do cabelo em suas costas e se inclina sobre a última gaveta de sua estante na parede da sala. Aquela estante me trás lembranças sujas e maravilhosas, mas meus olhos se focam na sua curvatura traseira ao realizar o movimento.

"Para de olhar pra minha bunda, Harry." Charlotte repreende sem ao menos olhar para o meu rosto, ainda assim sendo capaz de me pegar sendo malcriado. Minhas bochechas ardem e eu desvio os olhos.

De esguelha, percebo que ela vasculha naquela gaveta, até puxar um papel dobrado de lá e voltar para o sofá. Me ajeito para recebê-la no meu colo outra vez, mas Charlotte se senta sobre sua coberta tie-dye e entrelaça as pernas, seu corpo completamente voltado para mim.

"Aqui. Pra provar que não sou uma grande mentirosa." O papel me é entregue e eu abro o mesmo sem demora, atentamente observado por um par de olhos amendoados.

A insígnia no topo da carta diz tudo, mas eu me dou o trabalho de ler pelo menos o início da mesma.

"'Prezada Charlotte Fitzgerald, é com grande satisfação que lhe informamos que foi aceita...' Porra!"

"Eu te disse, otário!" Charlotte exclama, rindo da minha reação maravilhada. "Chupa!"

"Onde?" Rebato, mas sem tempo para brincadeiras, ressalto, "Char, isso é tão foda! Você foi aceita pela universidade mais cobiçada do mundo."

"E eu disse 'não, obrigada'." Ela ri, mas então se toca de algo e sua expressão tenciona, "Porra. Você deve me achar a maior imbecil agora, não é? Mas eu juro que seria infeliz naquele lugar, prestigiado ou não." Defende-se rapidamente.

"Imbecil? Tá brincando?" Descarto a possibilidade, largando o papel sobre a mesa de centro na sala. "Não é sobre entrar na festa, é sobre ser convidada. E você, Char, foi convidada. Sabe o que isso faz de você?"

"Mmm... Não." Ela faz, não entendendo onde quero chegar.

"Você, meu bem..." Eu chego mais perto e enlaço sua cintura com um dos meus braços, segurando seu rosto com a mão livre. "...é a pessoa mais fodona que existe."

Charlotte ri do meu comentário, mas suas bochechas coram independentemente de sua tentativa de parecer indiferente. Não resisto e selo nossos lábios, relaxando no nosso contato.

Mas então algo me vem a mente.

"Espera." Separo nossas bocas, "Seu sobrenome não é só Fitz, é Fitzgerald." Aponto, intrigado. Eu já havia notado esse detalhe quando Jacob falou tão orgulhosamente de sua família lá no bar, mas tudo aconteceu tão rápido depois que me esqueci de falar sobre isso.

"Oh. Sim..." Ela parece se atentar a isso só agora também e prossegue explicando, "Ele não queria que as pessoas soubessem que ele, entre aspas, tem uma filha dona de um antro de perdições. Na página oficial do Poison Ivy na internet você encontra o meu nome como 'Charlie Fitz' por conta disso. Discrição."

Suspiro longo para me controlar, mas minha boca deixa escapar um "Eu odeio esse cara."

"É, eu também. Mas você foi o único que chegou no bar falando de um dono." Ela zomba se referindo ao deslize que cometi ao pensar que um dos sócios do Poison era um cavalheiro, à um mês atrás - ou talvez mais, fico perdido no tempo quando estou com ela.

"Em minha defesa, eu sempre conheci Charlies que fossem meninos. Foi um impulso."

"Você é irremediável, senhor Styles." Pontua, me provocando ao adicionar o 'senhor' a frase.

Descendo minha mão por suas pernas, a provoco de volta, "Minha linda Cherry vai me dizer por que está usando essas meias até os joelhos?"

Seu lábio inferior é mordido levemente e ela dá de ombros, "Talvez eu goste de Arctic Monkeys."

A referência a banda britânica me faz agarrá-la pela cintura e colocá-la sentada de frente pra mim no meu colo, uma perna de cada lado dos meus quadris. Charlotte sobressalta, soltando um pequenino grito de surpresa, e ri, se apoiando nos meus ombros.

"E do que mais a minha Cherry gosta?" Eu pergunto, minhas mãos se arrastando em suas coxas nuas.

"Mm, deixe-me pensar." Ela entra no jogo, seus olhos brilhando com algo bonito; muito melhor do que quando estavam assim que cheguei. Agora aquela tristeza parece só uma lembrança ruim, como muitas das que ela já tem. "Eu gosto de sorvete de creme com pedaços de biscoito, calda de caramelo e cerejas extra no topo."

"Ah é?" Faço, sorrindo como um idiota.

"Uhum. E eu adoraria- Não. Eu faria de tudo, na verdade, para ganhar uma taça bem grande dele agora."

"Ah é?" Minha malicia escorre do meu tom, ao passo que a puxo pra mais perto - sempre mais perto. "Tudo?"

Charlotte assente, colando sua testa na minha, "Tudo, Sexy."

Meu cérebro para.

"D-Do que você me chamou?" Gaguejo pateticamente, embasbacado.

Ela morde o lábio de novo, como se soubesse o que isso faz comigo, e sorri lindamente, repetindo, "Sexy. Eu quero sorvete."

Funciona como um encantamento. Meu cérebro retoma às atividades e eu quase pulo do sofá, a colocando seguramente deitada ali no processo,  "Você quer sorvete? Eu compro sorvete pra você."

Charlotte ri, "É sério? Eu estava brincando com você." Faço menção em recuar, mas ela protesta, "Não! Já que você quer ir tanto assim, me deixe pagar pelo menos."

"Quer saber? Não vou discutir com você, agora que eu sei que é o Rick Riquinho versão feminina." Debocho, cruzando os braços. O queixo dela cai e uma almofada é atirada contra mim.

"Não amola, Mozart. Vai procurar um contrato pra assinar sem ler." Ela devolve com ainda mais peso. Sempre docemente ríspida.

"Você está realmente me zoando por tocar piano e pelo contrato de novo?"

"Eu te respondo se assinar um contrato comigo-"

"Ah, vai se foder, Charlotte!" Exclamo, mas apesar das palavras sujas, estou sorrindo largamente, assim como ela está rindo de mim.

Ela me dá vinte dólares e ressalta, "Não esqueça as cerejas."

Lhe dou um beijo na testa antes de me afastar e garanto, confiante "Jamais."

N/A: AS IT WAS TÁ INCRÍVEL!

10k palavras, mas agora nós sabemos de todo o drama, certo?

...certo?

Espero que tenham gostado do capítulo.
xx

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