A Última Batalha

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Enfim havia chegado o dia e Samuel havia acordado ansioso. Acordou antes da hora, despertado por uma ansiedade composta de metade adrenalina, metade medo. Se vestiu em silêncio. Um respeitoso silêncio de quem sabe que, cedo ou tarde, estará gritando em meio ao caos.

Tomou banho com algumas palavras latejando em sua cabeça. Como um mantra, a seguinte frase se repetia: matar, pilhar, destruir... matar, pilhar, destruir. Não se lembrava de onde havia tirado aquelas palavras, mas sabia que elas se encaixavam muito bem.

O café da manha estava sem gosto. Ele comeu pouco. Estava sem fome. Sua mãe estranhou o seu silêncio. 

"Não vai falar nada Sam?"

Ele apenas sorriu para ela de forma afetuosa. Ele visava protegê-la. Era melhor ela não saber.  Antes de sair, foi ele quem a beijou, invertendo o que usualmente ocorria. Na ponta dos pés, quase subindo na cadeira, ele beijou-lhe a testa, evitando contato visual, para certificar que nenhuma emoção escaparia por seus olhos.

A mãe não se convenceu, mas deixou passar:

"Samuel sempre fica estranho no último dia de aula antes das férias..."

Quem me dera fosse isso, mãe. Quem me dera. Ele não podia ser fraco. Não naquele dia. De joelhos no gramado, ele deu um último abraço em seu cachorro antes de sair. Seu cachorro também estava tenso. Eles eram conectados.

Depois disso, Samuel caminhou até a escola sem olhar para trás. Em poucos metros foi alcançado por Bitrola, um parceiro. Bitrola compartilhava da seriedade, mas não conseguia esconder a ansiedade:

"É hoje né?"

"Não tem outro dia, Bitrola... Não tem outro dia..."

Seria Bitrola realmente um parceiro? Como será que Bitrola se comportaria na hora fatídica? Achou melhor não perguntar.

No caminho até a escola, se reuniram com outros companheiros. Poderiam bolar estratégias, planos de ação, mas eles sabiam que seria em vão. Nenhuma estratégia se sustentaria no caos. E no fundo, bem no fundo, todos sabiam que a única regra era o cada um por si.

Matar, pilhar, destruir. Matar pilhar destruir.

A última aula transcorreu lenta. Muitos alunos estavam emocionados pelo fato de ser o último dia de aula. Eles não. Era um dia de despedida. As meninas até estavam mais emotivas que de costume. Talvez seria um bom momento para aproveitar mas... não. Não era possível. 

Vilson já estava com o artefato, como eles chamavam, em mãos e fazia questão de mostrar a todos. Mostrava girando-o nas mãos. Ao mesmo tempo, exibia um sorriso sádico. Vilson, Vilsinho Aniquilação, seu nome de guerra, era o mais forte deles e sabia disso. Ele abriu o artefato e o bebeu sem oferecer a ninguém. Logo ele o encheria de água, vedaria novamente, e o lançaria pelo ar, em frente a todos.

Logo.

Todos sabiam que, ao final do último sino, seria o momento. Cerca de dez a doze meninos se dirigiriam para a rua atrás da escola, o palco da carnificina, e deixariam a integridade física em stand by em nome da honra.

O sino tocou.

Bitrola olhou com medo para Samuel.  Estava na hora. Lá atrás o Gordo parecia querer desistir. Trivelinha o encorajou. Vilsinho puxou a marcha, com o artefato erguido perante todos, numa espécie de procissão rumo à rua atrás da escola.

Eles se reuniram, quase em círculo, e Vilson deu o aviso. Na verdade, não era mais Vilson falando, e sim Vilsinho Aniquilação:

"Bola bateu na mão, passou debaixo das perna, tomou chapéu, apanha até encostar no poste da esquina!"

A Última BatalhaWhere stories live. Discover now