1 - A carta

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Olá Marcos, escrevo para você pois sei que será forte.

Tenho alguns pedidos e mesmo que todos não sejam obrigação sua, gostaria que se esforçasse para cumpri-los.

Te peço que cuide da Lari e dê a ela toda a força e amor que precisar, você é para ela o que o Almir não foi para mim. Quando meus netos crescerem, diga a eles quem eu fui e peça desculpas por ser covarde demais e não conseguir vê-los crescer.

Ajude a Bia com tudo que precisar, seja o pai que ela vai precisar daqui em diante.

Quanto ao Almir, não terá que se preocupar com ele por muito tempo aquele infeliz terá o destino que merece, ele vai para o inferno e eu vou junto para ter certeza que pague tudo o que fez para mim.

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Fico confuso ao encontrar este bilhete no porta luvas do meu carro, são 06:00 e estou saindo para trabalhar, leciono Educação Física para o Ensino Médio em três escolas, duas no interior e uma bem próxima de casa, hoje vou à uma cidade do interior e minha aula começa ás 08:00.

O relógio do carro marca 7:20 mas não consigo sair do carro, olho em volta e o estacionamento do Colégio Estadual Clodomiro Vasconcellos está quase vazio, poucos professores haviam chegado e nenhum aluno habitava o pátio naquele momento, meus olhos iam e voltavam sobre cada palavra daquele bilhete que apesar de não estar assinado só poderia ser da minha sogra, mas por que? Lembro que emprestei meu carro ontem para ela que costuma ir a uma igreja distante de casa todo domingo, mas até aí nada de diferente, ela sempre pegava meu carro após ter de vender o seu, faz uns 8 meses descobriu que seu ex-marido estava desviando dinheiro da pequena empresa criada por eles quando ainda eram casados, ela química e farmacêutica formada ele Marqueteiro desde antes das faculdades oferecerem este curso, tinham uma farmácia de manipulação com alguns funcionários.

- aquele infeliz terá o destino que merece. – Leio essa parte em voz alta bobo com todo o bilhete, seria uma despedida? Uma ameaça? Ou os dois?

Duas batidas no vidro me trazem de volta ao mundo, 07:50 o pátio cheio de alunos conversando em pequenos grupos, com uma passada rápida de olhos você distinguia as diferentes tribos, tínhamos os esportistas, os nerds, os populares, as garotas fáceis, todos bem divididos mas interligados por um ou dois alunos que eram bem aceitos em mais de um grupo social.

Abro a porta e saio com a pasta na mão para encontrar um Fábio curioso me esperando sentado sobre o capô de meu modesto carro. – Pensei que havia faltado, geralmente você chega antes mesmo do que o zelador. – Infelizmente essa era uma verdade, eu madrugava no trabalho, não porque precisava e nem para fugir de casa, apenas gostava.

Eu dava dois tempos de aula antes do recreio e mais dois após, os 40 minutos de intervalo eu geralmente gastava com Fábio, sempre o aconselhando em seu casamento que estava passando por um momento difícil e procurando saber se seus concelhos estavam dando certo e por incrível que parece estavam. Na semana passada por exemplo eu disse para ele sair com ela a um lugar novo onde ainda não haviam estado e sem comunica-la, parece que deu certo pois ele sorriu durante nossos 40 minutos dizendo o quanto foi bom o tempo ao lado dela e como eles fizeram amor ao chegar em casa, sem filhos eles tinham uma liberdade um pouco maior que a minha.

Quando minha última aula começava e os alunos estavam a beira da quadra se aquecendo meu telefone toca a música "Cantada" eu não era muito fã do Luan, mas minha mulher adorava e essa canção me fazia lembrar dela então virou toque pessoal da Lari, a essa altura o bilhete já havia ficado em segundo plano nos meus pensamentos, notícia ruim corre rápido e até aquele momento eu não tinha ouvido nada nem de bem, nem de mal.

- Amor, aconteceu alguma coisa, a mamãe sumiu. – Calma Lari, já foi na casa dela? – eu tentava passar paz para minha mulher a medida que meu coração pulava em meu peito, a voz dela cada vez mais urgente continuou: - Sim, ela não está lá, o porteiro disse que ela sumiu. - Fica calma que eu estou indo pra casa. – Pedi ao representante da turma terminar o aquecimento com os demais e depois estariam liberados, fui a secretaria e comuniquei que precisava sair, era a primeira vez nos dois anos que eu deixava de dar uma aula, mas era necessário ou pelo menos eu achava que era.

Em dez minutos eu já estava na estrada a caminho de casa, a viajem demorou menos de uma hora e a surpresa ao ver tantos carros parados na porta de casa foi grande, a aglomeração era toda em nossa casa, pois morávamos a duas casas de minha sogra, devido ao nosso grande quintal a família estava sempre reunida em nosso lar.

Lari me recebe com os olhos vermelhos me dizendo que alguma coisa não estava certa, tinha algo errado e ela sentia isso. Eu não sei como ela sabia disso, mas o bilhete outrora no porta luvas agora pesava insignificantemente em meu bolço enquanto entravamos, um dos primos de minha mulher tentava acalmar os demais dizendo que não devia ser nada, que a tia Patrícia devia ter saído e logo voltaria. Mas o que eu sabia que preocupava Lari de verdade eram os remédios que sua mãe começou a usar a alguns meses para tratar de sua depressão.

Bia desce as escadas com Manu no colo dormindo, os olhos da minha cunhada estavam vermelhos pelo choro já derramado, vem até mim e me abraça sem dizer nada, sinto seu choro soluçado contra meu ombro e acaricio sua cabeça. – Vai ficar tudo bem. –

Peço a todos que me deem licença e chamo as duas irmãs até a cozinha, lá eu tiro o pequeno bilhete do bolço e entrego a minha mulher, seus olhos vão se reenchendo de lágrimas à medida que ela avança nas palavras, a leitura em voz alta contagia sua irmã e um abraço das duas me diz que elas pensam o pior será que eu deveria pensar o mesmo? – E por que este bilhete foi parar na sua mão e não nas de suas filhas? – sem percebermos o mesmo primo que minutos atrás tentava acalmar os ânimos se infiltrou em nossa cozinha e sorrateiramente ouvia a leitura do bilhete. – Bom, o bilhete estava no meu carro, não sei porque, mas estava. – Ele fica confiante e entra mais no cômodo se sentando em um dos bancos que circundavam o balcão.

Neste momento o que me faltava era esse carinha me afrontando dentro da minha casa, eu sabia de seu ciúme quando comecei a namorar a Larissa, mas o ciúme da Patrícia eu desconhecia.

Mas realmente poderia haver um motivo para a carta ser deixada a mim, eu ainda não havia pensado nisso, mas Patrícia e eu éramos mais amigos do que a regra genro x sogra mandava, curiosamente foi ela quem conheci primeiro na família e foi ela quem me apresentou sua filha, vou contar um pouco de como nos conhecemos.
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Desculpem a demora, estive doente, até segunda no máximo estarei colocando mais um ou dois capítulos...
Obg pelo tempo, espero que gostem.

Resgatando uma vidaМесто, где живут истории. Откройте их для себя