Prólogo

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Mande notícias do mundo de lá
Diz quem fica
Me dê um abraço, venha me apertar
Tô chegando

Coisa que gosto é poder partir sem ter planos
Melhor ainda é poder voltar quando quero

Milton Nascimento / Fernando Brant

Heloísa deu uma última olhada pelo aeroporto, pessoas caminhavam apressadas com malas, bolsas, crianças e tudo o que se pode levar em uma viagem. Barulhos que incomodavam, um ambiente de choros e alegrias, chegadas e partidas e ela parada, rodeada pela família, se sentindo perdida no meio da multidão. Tudo era cinza, o ambiente todo parecia de alumínio salpicado por cadeiras de acento azul, tudo cinza, o tempo sem sol e sem chuva, seu coração batendo cinza no peito.

Ele não veio. Não que ela esperasse que ele comparecesse talvez ele nem soubesse que ela iria embora naquele dia. Como saberia? Ela não avisou, não se despediu, sequer disse que voltaria algum dia. Depois de tudo que aconteceu, talvez ele só quisesse enfiar a cabeça dentro de um buraco na terra e esconder, porque era exatamente o que ela gostaria de fazer, mas, ao invés disso, estava se escondendo em um lugar bem distante, no meio de um rio. Seu homem forte e protetor havia se transformado em um monstro, e agora ela precisava fugir dele para se proteger.

— Helô, liga para gente todo dia! — falou Laura, a sua mãe, abraçando a filha com os olhos cheios de lágrimas.

— Ligo sim, mãezinha! — ela respondeu, chorando abraçada a ela.

— Lembrou-se de pegar os documentos? — Laura perguntou, alisando o cabelo da filha.

— Sim, estão todos aqui. Sim, peguei a escova de dentes e o protetor solar. Mãe, não se preocupe, eu vou para Manaus, no Amazonas, e lá tem comércio e vende de tudo igual aqui, em Belo Horizonte. Não vai faltar nada! — Heloísa achou engraçada a preocupação da mãe.

— Deixe que ela se preocupe com você, irmã, isso é coisa de mãe — Helena, a irmã mais velha, saiu em defesa da mãe, alisando as costas da irmã.

— Eita! Mal virou mãe e já faz parte do clube restrito, do grupo secreto de mães do WhatsApp? — falou Laísa, a mais nova das três, com um copo de café na mão.

— Você vai acabar com uma úlcera de tanto beber café, Laísa! — Laura largou Heloísa e se virou para Laísa.

— Mãe, volta pra Helô, eu ainda vou ficar por aqui, você terá muito tempo pra falar comigo — Laísa falou, fingindo uma impaciência.

— Jura que vai ficar um ano lá, minha oncinha? – Laura, que sempre teve as filhas coladas em si, não se conformava com a decisão da filha.

— Não sei, mamãe. Se eu precisar voltar eu te aviso. — Heloísa viu a cara triste da mãe.

— Se precisar, você me chama, vou lá pessoalmente te buscar, nem que seja a pé, eu te busco e te amarro aqui do meu ladinho. — Ela deu um beijo na testa da filha e a abraçou com muito carinho.

A saudade é um sentimento engraçado, não é simplesmente uma falta de algo que se perdeu, é também a falta do que não se ganhou, do que não está perto, falta de um tempo que se transformou, de uma pessoa que se foi, de um cheiro, um sabor. Heloísa nem partiu e já sentia saudade. Estava insegura, queria que alguém chegasse até ela e lhe desse razão, que dissesse que esta, sim, era a melhor alternativa.

— O Rafa vai nascer e você não vai estar aqui — foi a Helena que falou com um sorriso mentiroso no rosto.

— Você me chama de vídeo assim que começar a doer, quero acompanhar tudo. Quero ser a primeira a ver a carinha dele. – Heloísa alisou a barriga ainda pequena da irmã.

— Eu chamo sim — a irmã respondeu, passando as mãos em seus cabelos.

— O primeiro é o pai, atrevida — Daniel, seu cunhado, brincou abraçando a esposa pelos ombros, ele sabia que Heloísa precisava de distração, estava sendo difícil para ela.

— Você vai ver a carinha dele todo dia, eu tenho preferência, estarei longe. — Ela entrou na brincadeira para se distrair.

Helena saiu de perto para abraçar a mãe, que chorava sem querer olhando aquela interação entre as filhas. A irmã mais velha conhecia bem a mãe, seus gestos, sua história, sabia que havia bem mais sofrimento do que aquelas lágrimas teimosas insistiam em mostrar.

— Tem certeza de que não quer ficar e conversar? — Daniel, marido da Helena, deixou a esposa grávida de lado e falou no ouvido de Heloísa enquanto abraçava a cunhada.

— Não, não tenho certeza! Tá difícil ir — ela respondeu, baixinho só para ele.

— Você está se precipitando! — o cunhado falou.

— Eu sei!

— Conversa com ele, Helô! – Daniel insistiu.

— Agora já foi. — Ela queria ter conversado, mas só notou isso ali, no aeroporto.

— Manda mensagem. Ele vai te responder — Daniel se animou, mas foi em vão.

— Acho melhor eu dar um tempo a mim e a ele. — Heloísa deu um beijo no rosto dele e foi.

O tempo é inimigo de todos os casais apaixonados que não se entendem e Heloísa queria o tempo de volta. Sentiu uma onda de arrependimento, mas era tarde. Ela entrou na área reservada do aeroporto, deixando a família toda do lado de fora, a mãe chorosa, Helena, a irmã mais velha, grávida, se esforçando para dar um sorriso, e Laísa tentando passar uma imagem de mulher forte. Até Daniel estava emotivo depois do abraço apertado nela.

Todos, inclusive ela, sabiam que ela devia ficar e tentar resolver seus problemas, fugir só faria com que ela os adiasse, e talvez adiar um problema só faria com que ele se resolvesse sozinho, e da pior forma.

O que Heloísa não pôde ver foi o homem grande e forte, de braços tatuados e uma pulseira de couro, presente dela, que a espreitava de longe, com o coração apertado e uma vontade louca de ir lá buscar aquela mulher pelos braços e algemar a ele, para nunca mais ela poder partir. Como doía!


Aventura  ***DEGUSTAÇÃO***Место, где живут истории. Откройте их для себя