Capítulo 1

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Antonela

— Você tentou enganar minha filha!

Aquelas foram as primeiras palavras da minha mãe para a coitada da funcionária da loja. Eu tinha vinte e sete anos e ainda passava por situações constrangedoras como aquela. Caramba! Queria abrir um buraco no chão e me enterrar nele, apenas para sumir dali. Das duas, uma: ou nunca mais colocaria um pé naquela loja ou voltaria depois para fazer uma compra grande e deixar uma gorjeta generosa. Era esse o meu modus operandi padrão.

— O genérico é igual ao de marca, senhora...

— Não é igual! — Ela bateu a mão na bancada, fazendo o mostruário com polivitamínicos estremecer. Ainda bem que era feito de vidro resistente ou teria quebrado. — Vocês estão tentando me enrolar.

Minha mãe não era má pessoa na maior parte do tempo, mas quando se tratava de trabalhar para ela ou ser uma prestadora de serviço, as coisas mudavam. Ela se tornava exigente e com pouca paciência. Como naquele momento, em que pediu para eu comprar um determinado medicamento em uma farmácia enquanto ela ia ao banco, e quando voltei com uma marca diferente da solicitada, iniciou um escândalo.

Deveria ter aceitado o seu convite de passear no shopping? Não! Sabia que as chances de se tornar uma furada eram grandes, porém, nunca pensei que tomaria aquela proporção. A idade estava tornando dona Antônia Peixoto mais intolerante do que o normal. Era possível sentir vergonha alheia de si? As outras funcionárias e clientes estavam de olho em nós, expressões atônitas, ar de riso e descrença.

Era que nem o Mushu no desenho de Mulan: "desonra pra toda a sua família! Desonra pra tu! Desonra pra tua vaca..."

A vendedora se prontificou a realizar a troca que mamãe exigia, porém, eu me intrometi na conversa, entreguei uma nota de cem e pedi o remédio de marca, ficando com ambos.

— Me perdoem pelo incômodo, pode ficar com o troco — disse para a mulher enquanto arrastava a idosa reclamona para longe.

Dona Antônia casou tarde e engravidou mais velha, tanto que ao meu lado, parecia mais ser uma avó. Essa diferença de idade fez com que fôssemos de gerações completamente diferentes. Era difícil quando mais nova, em que ela achava que precisava me defender de tudo e de todos, além de me colocar em uma bolha se fosse preciso. Não era à toa que tinha poucos amigos e muitos me achavam esquisita.

Eu era a garota que não ouvia boybands porque a música poderia me levar a achar que meninos eram mais importantes do que estudo. Nada de novelas, iriam me ensinar sobre sexo. Festas resultariam em drogas. Livros? Apenas os pré-aprovados, pois histórias como Harry Potter, Senhor dos anéis ou as crônicas vampirescas eram coisa do diabo para desvirtuar mocinhas inocentes.

Podia assistir apenas o jornal e desenhos animados, geralmente com ela presente. Não à toa que eu era a menina tímida que mal levantava a voz e não sabia o que conversar com os outros da minha idade. O que eu tinha a dizer? Poucos adolescentes iriam perder tempo falando sobre política ou princesas da Disney.

Exceto por Giulia, que nunca desistiu de mim e aceitou passar por todas as etapas de verificação da minha mãe para ter certeza de que poderia ser minha amiga e não me levaria para o mau caminho. Coitada da mamãe, nem tinha noção de que era mais fácil eu ser a má influência. Lembrei-me da ocasião na varanda em que aceitei o desafio e a beijei, dando início a uma madrugada alucinante a quatro com o seu namorado e o amigo dele. Cocei minha nuca, a memória dos lábios de Caio era um toque fantasma em minha boca que eu me obrigava a esquecer.

Fazia alguns meses desde aquela noite e havíamos combinado de fingir que nunca aconteceu. Afinal, ele estava sofrendo por outra e eu não desejava um relacionamento. Ainda mais se fosse como ele. Maldito advogado! Não queria mais me envolver com um, eles não passavam de dor de cabeça. Eu podia afirmar isso com propriedade porque era uma advogada também.

No corredor, caminhando em direção à área de alimentação, mamãe continuava irritada:

— Você é muito boba, Antonela, não pode deixar as pessoas pisarem em você. É por isso que eu não concordo que more sozinha, sei que Giulia é uma boa menina, mas virou uma desquitada e você sabe que falam mal de mulher que pede divórcio.

Corrigindo: ela falava mal. Não era a primeira vez que me via presa em uma conversa daquele tipo, certamente não seria a última. Era uma herança de sua criação antiquada, as mulheres deveriam servir ao marido e fazer de tudo pelos filhos, mesmo que os sufocasse.

Talvez fosse por isso que eu fugia de matrimônios e bebês como o diabo foge da cruz.

— Mãe, pelo amor de Deus, separação é a coisa mais normal que existe e aceitar uma marca diferente do mesmo produto não é o fim do mundo.

— Diga isso para a pobre coitada que morreu tomando remédio genérico. — Cruzou os braços, teimosa. — Encaminhei para você a mensagem do zap, tinha uma mulher que só comprava genérico e aí deu uma semana e ela morreu. Depois a polícia descobriu que os comprimidos eram açúcar prensado.

Minha nossa! Era incrível como ela acreditava em tudo que via pela internet, mas não levava a sério quando era eu que dizia.

— Pelo amor de Deus, isso é fake news.

Suas bochechas inflaram, o primeiro sinal de que estava irritada, e eu sabia que vinha um discurso por aí. Ela era uma mulher baixinha com os cabelos platinados em um corte chanel e um sobrepeso que arredondava sua cintura outrora fina, mas quando queria convencer os outros de que estava certa, se tornava uma gigante.

— Nada disso! É porque você não ouviu o áudio, isso que dá não prestar atenção ao que eu digo. Era o diretor de uma farmacêutica que veio da Europa para desmascarar a Anvisa, informando que a maioria dos genéricos são feitos em um porão velho por contrabandistas.

Uns jovens passaram por nós dando risadinhas diante do mini surto de minha mãe. Meu suspiro foi audível, à medida que me arrependia de ter saído da minha cama naquela manhã.

— Só porque te enviam um áudio com voz bonita ou vídeo bem feito não quer dizer que é verdade.

— Não seja ingrata — retrucou, marchando para a sorveteria —, você está viva porque eu sempre te dei o melhor.

Por melhor, ela queria dizer que muitas vezes invadiu o espaço alheio porque achou que eu merecia mais. Como da vez que infernizou a professora do primeiro ano para eu ter o papel principal ao invés de outra garota, que era mais desinibida. Eu fiquei morta de vergonha e a peça foi uma merda.

Mamãe era cheia de boas intenções, mas às vezes perdia a noção do limite.

— Obrigada, mas às vezes a senhora tenta demais, quando não precisava disso tudo.

Foi a vez dela dar um suspiro audível, mãos na cintura e batendo o pé com sua sapatilha preta confortável:

— Esse é o mal das mães, né? Nunca fazemos direito e os filhos só reclamam.

Senti-me culpada, pois eu sabia que ela tentou o seu melhor, ainda mais com o meu pai, que era presente fisicamente, mas falhava em apoio emocional.

— Vamos, mãe. — Entrelacei o braço com ela — Eu pago o sorvete dessa vez.

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O que acharam da mãe dela?

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Maldito advogado (AMOSTRA)Όπου ζουν οι ιστορίες. Ανακάλυψε τώρα