1. Risadas silenciadas

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Alemanha – dezembro de 1939

Meus pais sempre souberam que isso viria a acontecer mas isso nunca os impediu de viver aqui. De permanecer resistente a tudo e a todos aqueles que tentavam acabar com nossa vida e nossa liberdade.

Eles estavam lá no dia em que as portas dos estabelecimentos judeus foram depredadas e pichadas com estrelas de Davi e palavras ofensivas. Estavam lá quando aos poucos nossos vizinhos e amigos passavam a migrar para Holanda, fugindo do que parecia ser a tão inevitável morte.

Propagandas do partido Nazista estavam espalhadas por toda Alemanha. Nas paredes, na televisão, nos rádios... Tudo estava tomado por aquele que pregava a predominância e superioridade de uma única raça.

E nós não fazíamos parte dela.

***

Desde que "judeu" virou sinônimo de "errado", não houve mais risadas. Judith e eu não saíamos para brincar, não íamos a escola a mais de um mês e era comum vermos mamãe rezando em seu quarto enquanto chorava baixinho enquanto papai não chegava.

A televisão não era ligada com tanta frequência e o rádio vivia no volume mínimo. As notícias da guerra se espalhavam com uma velocidade sem tamanho por toda a Europa e eu sabia que cedo ou tarde eles bateriam a nossa porta.

Era uma madrugada fria quando meus pais resolveram que era perigoso demais ficar na casa. Minha mãe colocou tudo que conseguiu dentro de algumas malas e distribuiu para nós duas algumas sacolas cheias de alimento. Fomos guiadas por ela e pela lua em direção aos fundos da nossa propriedade, num pequeno abrigo em casos de tempestades muito fortes.

A porta foi trancada assim que passamos por ela, e na luz fraca da lâmpada quase queimando vimos nossos dias passarem.

Aos poucos a comida foi acabando e era cada vez mais perigoso sair. Com mais frequência ouvíamos o som dos carros passando pela região, o som das botas lustradas de couro marchando a procura de judeus para exterminar.

Papai saia sempre que a comida estava muito próxima de acabar e nós rezávamos a sua espera. Rezávamos para que nosso pai voltasse, rezávamos para que Deus estivesse ao nosso lado.

Mamãe tinha certeza que ele estava.

Eu não.

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