Emma Peterson

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     — Ah não... — ela resmungou, encarando com decepção, a enorme mancha vermelha em sua calcinha - Mãããe! - berrou pela brecha da porta do banheiro.

     A mulher parou tudo o que fazia pra subir correndo em direção ao quarto de sua filha, onde entrou sem bater e seguiu diretamente à porta entreaberta no fundo do cômodo.

     — O que houve?!

     — Olha... — ela apontou sem jeito pra o que, na cabeça dela, parecia um massacre no tecido de sua calcinha.

     A senhora fitou sua filha com uma profunda tristeza em seus olhos, mas seus lábios sorriam, mesmo que minimamente. Era como se quisesse mascarar algo, uma coisa intensa que havia sentido naquele momento em que vira sua garotinha iniciar um novo — e terrível — ciclo de sua vida.

     O café da manhã naquele dia fora mais esquisito do que Emma havia notado. Seu pai a encarava e só desviava o olhar vazio quando ela o fitava de volta, e isso era mais do que suficiente pra fazê-la se sentir estranha, além da leve cólica que começara a sentir.

     Todos pareciam muito quietos à mesa, estavam concentrados em comer as panquecas com os ovos mexidos cremosos que a senhora Peterson fazia com tanta excelência. Assim que a garota terminou de comer, se retirou dali, agarrou sua mochila, que a estava esperando no sofá da sala e, acenou para seus pais enquanto sorria doce e inocentemente.

     Os dois se entreolharam quando a porta se fechou e o silêncio ficara ainda mais ensurdecedor dessa vez.

     Se o senhor e a senhora Peterson pareciam estranhos, as pessoas na rua assustaram Emma durante sua caminhada à escola, que só ficava a alguns quarteirões de sua casa. As mulheres a olhavam com o que parecia ser pena ou medo, e os homens a olhavam como se estivessem... com fome. Houve até mesmo um rapaz que passou por ela tragando seu perfume nem um pouco discretamente, o que a fez se encolher e apertar o passo.

    Ao chegar na entrada da escola, ela avistou sua melhor amiga, Jhenny, uma mocinha loira de longos cabelos ondulados e olhos cor de mel, era tão pálida que suas bochechas ficavam rosadas com facilidade e a característica, que era considerada favorita para Emma, eram seus dois dentinhos superiores separados na frente. O sorriso de Jhenny a acalmou com mais eficiência do que os sons de natureza para meditação que Emma usava com frequência em seus fones de ouvido.

    O sinal tocou e a primeira aula foi sobre biologia, com certeza não tinha como ser mais insuportável, porque o professor só conseguia falar sobre os detalhes do corpo humano, em praticamente toda aula, em sua maioria em específico sobre o corpo feminino.

     "ele com certeza é um pervertido

     nossa, total, eu não aguento mais ele"

     As duas amigas trocaram bilhetes durante toda a aula e, somente por isso, Emma não havia percebido os olhares sobre ela.

     Durante a refeição, elas conversavam sobre adesivos de unhas, maquiagem barata e seus efeitos, filmes de terror e de rapazes que achavam bonitos ali na escola. Olhando em volta, elas começaram a avaliar e dar notas por entre risos contidos, não havia nada mais divertido que fazer isso com eles. No entanto, em meio a essa brincadeira, Emma notou um dos garotos do time de futebol a encarando, mas ele parecia flertar, pois a olhava de canto com um sorriso ladino e faceiro. Os cabelos loiros do garoto caíam por seus olhos azuis e seus lábios, que agora umedecia lentamente, eram tão vermelhos que fez Emma corar, também por perceber que estava a tempo demais o olhando.

    — Emma, ele é velho demais pra você, não? — perguntou Jhenny, que havia notado o que estava acontecendo — Digo, você tem apenas catorze anos e ele dezessete, está quase terminando o ensino médio.

     — É óbvio que ele é mais velho, mas que é bonito ele é. Você precisa concordar.

    Jhenny acenou rapidamente com a cabeça, confirmando com um grande sorriso o que a amiga disse. Aquele rapaz era Mike Allen, o capitão do time da escola. Além de atlético e bonito, ele tinha boas notas, sempre tinha uma namorada diferente da outra e nunca escondeu quando tinha interesse em alguém. Para Emma, ser vista e até paquerada por aquele belo rapaz, era mais do que lisonjeiro.

     "Daqui dois anos, quando ele tiver dezenove eu terei dezesseis, e aí sim eu, quem sabe, possa namorar com ele."

     Na volta para a sala de aula, quando os alunos lotavam os corredores e se aglomeravam apressadamente para não se atrasarem demais, Emma perdera sua amiga de vista, apenas a havia escutado por um breve momento, segundos antes dela sumir, dizendo que voltaria em um minuto.

     No mesmo instante ela se encostou contra a parede, somente para evitar os irritantes esbarrões. Os olhos castanho-esverdeados da garota percorriam todos os rostos que passavam por ela, mas por alguma razão, quase que cem por cento dos garotos a olhavam de longe até sair de seu campo de visão. Emma achou que deveria se sentir bonita e atraente, pois todos a olhavam como se a desejassem muito, mas aparentemente ela se sentiu estranha, como se fosse um monte de carne bem suculenta, pronta para ser devorada.

     Os poucos minutos que ela passou ali, foram suficientes pra sufocá-la e a deixar em pânico, mas como num passe de mágica, todos haviam entrado em suas salas, e ela se viu sozinha no corredor que nem parecia tão comprido e largo antes como estava agora.

     Repentinamente ela ouviu um baque e um choramingo vindo do banheiro masculino, que só estava a poucos metros de distância dela. Emma sentiu um arrepio intenso subir por sua espinha e o ritmo de sua respiração começara a se alterar, um passo de cada vez, com toda cautela possível para não fazer barulho algum, e ela estava de pé em frente a porta do banheiro.

     Ela quase prendera a respiração para tentar ouvir melhor, mas antes que fizesse isso, o zelador pigarreou ao seu lado para chamar sua atenção, e a fez puxar o fôlego bruscamente e tapar a boca com as duas mãos para se auto impedir de gritar, graças ao susto que havia tomado.

     — Zelador Flint! Que susto! — exclamou, colocando a destra no peito, como se tentasse impedir o coração de pular pra fora.

     — Não devia estar na sala de aula, senhorita Peterson? — indagou o homem que a encarava com uma expressão vazia, exatamente como a de seu pai mais cedo. Emma estranhou um bocado, até mesmo demorou um minuto inteiro para responder, mesmo que seus lábios já estivessem entreabertos, esperando pra que as palavras saíssem espontaneamente — Vá para a aula.

     — É que... eu estava esperando minha amig-

     — A espere na sala de aula.

     Emma engoliu em seco, tentou ao máximo não fazer movimentos bruscos e deu alguns passos para trás antes de finalmente se virar de costas e apressadamente se dirigir à sua sala, sem olhar para trás, o que a impediu de ver o zelador de pé ali sem se mover um centímetro sequer, até que já não a visse mais.

     Durante a aula, Emma ficara preocupada, apesar de que já deveria ter se acostumado com esses sumiços que sua amiga dava vez ou outra. Se matemática era difícil antes, naquele momento estava ainda mais complicada, pois a garota só conseguia pensar em Jhenny. Somente uma coisa tirou sua atenção da porta e por um breve momento; um rapaz pálido de cabelos negros meio despenteados e olhos tão escuros que eram capazes de penetrar a alma de alguém, estava debruçado sobre a própria mesa com o queixo apoiado nos antebraços, mas assim que fora notado por Emma, ele escondeu seu rosto ao abaixar a cabeça.

     "Meu Deus, por que 'tá todo mundo tão estranho?! E por que parece que eu 'tô notando absolutamente tudo a minha volta?! As coisas sempre foram assim?!"

     Ela bufou de irritação e revirou os olhos ao voltar-se para o professor à sua frente. Emma só percebera que estava com um tique nervoso na perna quando o sinal tocou e ela teve de parar pra enfim se levantar e ir atrás de Jhenny.

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* Os capítulos saírão todos os Domingos. Muito obrigada por ler

CHANGESWhere stories live. Discover now