Capítulo 3

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A SOMBRA

A voz sibilou vitoriosa quando a freirinha tombou no chão do batistério e bateu a cabeça no banco.

Provavelmente estaria morta.

Não que antes oferecesse de fato algum obstáculo.

Mas a sombra se rejubilava com a morte.

Pois se alimentava de almas.
E aquele bebê, agora lhe pertencia.
Enfim selaria a profecia. Enfim, seria seu, o destino daquela vida.
Lhe seria útil afinal.
Perdeu a conta de há quanto tempo vagava.
Seguia pistas ao vento.
Perseguia rumores e espreitava.
A sombra mantinha-se atenta.
Foram dezenas de almas até essa data. Talvez mais.
Talvez centenas.
Centenas de almas levadas.
E sua busca, parecia não chegar ao fim.
No entanto, a sombra sabia. O momento era esse.
Quis celebrar. Pela primeira vez, se deleitar.
E o faria.
Saborearia imensamente a alma do bebê.
Sua vida de imenso poder e significado.
Imaginou as miríades de sabores. E teria fechado os olhos se os tivesse.
Mas em breve teria. Através do bebê.
Uma morada.
Era sua chance. E as vantagens encontravam-se de mil a zero.
O bebê permanecia debaixo do manto, aos pés da pia batismal. Podia ver seus braços e pés moverem-se agitados debaixo do tecido.

A sombra encobriu o bebê e o fitou de cima.

A não ser que a água o batizasse sozinho, nada poderia impedir a sombra de engoli-lo.

Ouviu uma risada vindo debaixo do pano.
Teria chutado a criança, ou jogado na lixeira, se fosse outra a ocasião. Nesse caso, necessitava daquela vida maldita.
O bebê sorriu ao olhar para cima.
Precisou controlar o desejo de esmagar seu crânio no piso.
A risada irritante da criança, rompeu o silêncio outra vez e reverberou no batistério.
Bebê maldito!
Decidiu pegá-lo. A sombra o ergueu no alto, e cobriu sua boca. O bebê arregalou os olhos verdes, pareciam esmeraldas.

A sombra o cobriu. Preparou-se para lhe transferir um pecado, assim poderia sugar sua preciosa alma.

No que ia fazê-lo, o bebê desapareceu.

Maldito!

A sombra circulou o espaço do batistério. Se perdesse aquela chance, teria que fazer tudo outra vez. De acordo com a profecia, teria que esperar pelo nascimento da menina e mais vinte e um anos até a virada do milênio.

Circulou o espaço. Não viu nada. Nada além da freirinha caída no chão perto do banco de madeira.

A freirinha se moveu. Prestes a despertar.

Não havia morrido então, uma pena.

A sombra, há muito esperava por essa chance. Há muito espreitava. Não seria vencida por um simples bebê.

Antes que a freira acordasse, a sombra sobrevoou o piso e vestiu então, o corpo que ocupava antes. Andou até o manto branco no chão e o colheu perto da pia batismal.

Mataria quantos fosse preciso. Até tomar, o que viera buscar.

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Quando desistimos, falhamos

Irmã Daiana ergueu a cabeça fatigada pela pancada e sussurrou por ajuda.

-       Louis. – ela ergueu o braço à frente, sentia a cabeça anuviada. - O bebê. É ele que você segura debaixo desse manto branco?

Ela observou o monitor do orfanato erguer as mãos do chão e lhe mostrar um manto vazio. A visão doeu mais do que qualquer golpe que pudesse levar no corpo. Irmã Daiana havia falhado. No primeiro dia de sua missão, o pobrezinho foi levado pela sombra.

A Sombra (Completo)Where stories live. Discover now